sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A Vida Continua...

A vida Continua...
CAPÍTULO II

Fartura. É o que se pode afirmar do jantar em casa de Flávio Vasconcelos. Todos perceberam que Marco Aurélio havia em si bons modos. Fora encontrado maltrapilho e vagabundo pelas ruas, mas ali, naquele instante, mostrava-se educado e sabedor do comportar-se à mesa. De tudo comeu, estava faminto, contudo com uma elegância que chamou a atenção de Flávio Vasconcelos.
- Com quem aprendeu tão elegantes modos, Marco ? - Interrogou Flávio.
O jovem sorriu e deixou à mostra seus dentes perfeitos.
- Com meus pais! – Respondeu tranquilo.
- E onde eles estão agora ? – Novamente perguntou Flávio.
- No céu! – Disse Marco.
- Oh, Flávio, deixe o garoto acabar de comer, depois ele relata sua história. - Pediu Margarida.
E o silêncio se fez. Após o jantar, todos se destinaram ao longo e ventilado terraço. Lucas estava curioso e foi ele a solicitar que Marco Aurélio iniciasse a história de sua vida. Sem omitir detalhes, Marco Aurélio tudo contou. A plateia acompanhava atenta, sem interromper. No final, o rosto de Marco se encontrava repleto de lágrimas.
- Santo Deus – replicou Flávio Vasconcelos - conheço esses episódios, tudo foi retratado pela televisão... Aconteceu há alguns meses numa cidade bastante distante daqui. Então você é o sobrevivente que a polícia procurou e não encontrou...Que coisa, Santa Virgem!
- Sim - disse Marco - sou eu mesmo. No instante em que senti a fumaça, percebi que tudo se destruía e que a janela ali aberta era a minha única salvação. Foi o que fiz... bem, o restante vocês conhecem.
Lucas chorou tão quanto Marco Aurélio. Estava visivelmente emocionado.
- Meu coração jamais me enganou - disse - percebi que você não era qualquer um assim que o avistei. Louvado seja Deus!
A emoção contagiou a todos ali presentes. Todos prantearam. Depois, Lucas interrogou o pai. 
- O que vamos fazer agora, painho ? Vai entregar Marco às autoridades a fim de que ele seja destinado a um orfanato ? 
Flávio Vasconcelos não sabia quê dizer. Lembrava-se perfeitamente de que, na época do ocorrido, emocionara-se profundamente. Encontrava-se sem ação.
- Não sei, filho. Neste momento não sei que atitude tomar - respondeu - deixemos o tempo passar, coloquemos as ideias no lugar, posteriormente veremos o que deve ser feito.
- Painho, adote-o! Ele é o irmão que sempre quis ter. Tenho convicção de que ele quer ficar conosco, não quer, Marco ? 
A essas alturas, Marco parecia meio perdido nas divagações, entretanto ouviu e entendeu o que perguntara Lucas.
- Tantos meses depois daqueles terríveis acontecimentos, vocês foram os primeiros a me ouvirem, a me acolherem. Ninguém se interessou por mim por onde perambulei... pelo contrário, fui enxotado por todos - claro, achavam que eu era de rua, viciado em drogas e provavelmente ladrão - só que nunca tirei nada de quem quer que seja, meu pai me ensinou a ser um homem e, minha mãe, era uma mulher exemplar.
Margarida enxugava as lágrimas com as mãos. Pasma perante a história de Marco Aurélio, disse: 
- Por enquanto, Marco, vá ficando por aqui. Eu e meu marido conversaremos e veremos o que podemos fazer por você. Certamente este desejo de Lucas em tê-lo como irmão pesará muito forte em nossa decisão. Afinal, assim como Lucas, eu me apaixonei por você e por sua história...
- Igualmente eu - completou Flávio - mas é o tipo de coisa que não pode ser resolvido assim numa simples conversa. O tempo está a nosso favor, vamos optar pelo mais lógico, porém controlemos inicialmente nossas emoções. Amanhã partiremos para nossa casa de praia e você vem conosco. Aos poucos vamos nos conhecendo melhor, combinado? 
Um longo sorriso estampou-se nos rosto de Marco Aurélio.
- Combinado. Saberei contentar-me com o quê vocês decidirem sobre mim. 
Continuaram a conversar até quase meia noite. Foi Margarida quem chamou a atenção para o adiantado das horas.
- Gente, vamos dormir, amanhã partiremos cedo e a viagem é longa.
- Marco Aurélio dorme em meu quarto comigo. – disse Lucas - prepararei uma boa mala para nós dois. Tenho muitas roupas e, por enquanto, posso dividi-las com ele.
- Faça isso, meu filho. – Concordou Flávio - Breve compraremos roupas para Marco.
Todos se destinaram aos aposentos para dormir. Lucas levou Marco Aurélio pela mão. Entraram no quarto e Lucas fechou a porta. Puxou a cama que havia debaixo da sua.
- Você dormirá aqui, Marco. – Explicou - bem ao meu lado. Podemos conversar bastante antes que nossos olhos se fechem. 
Despiram-se daquelas roupas e puseram calções. Deitaram-se e Lucas iniciou um diálogo.
- Você aceita ser meu irmão ? - Interrogou, louco por uma resposta afirmativa.
- É lógico que sim. Seremos grandes amigos, antes de qualquer coisa. Deus não poderia guardar coisa melhor para mim. 
A mão de Lucas buscou a de Marco e ambos as apertaram com bastante força. 
- Deus me deu você de presente, Marco. – Afirmou Lucas - tudo o que existir dentro deste quarto você pode considerar também seu.
- Inclusive você ? - brincou Marco.
- Sim, inclusive eu...
Ambos sorriram, no entanto o sono os dominou e adormeceram profundamente. No dia seguinte acordaram cedo. Lucas abriu os olhos e notou que Marco já estava acordado. 
- Bom dia, irmão! - Cumprimentou Lucas.
- Bom dia! - Marco respondeu.
- Vá tomar seu banho, Marco, enquanto preparo a mala para levarmos à praia. Você gosta de praia ?
- Adoro! - Respondeu Marco - só não sei nadar.
- Nem eu...
Marco levantou-se, despiu-se e entrou no banheiro. Tomou um gostoso banho. Quando retornou, Lucas já preparara a mala e estava pronto para tomar o banho dele.
- Espere aqui. Logo que terminar meu banho, dou-lhe roupas para vestir.
Logo voltou e passou para Marco vestes limpas e elegantes. Depois vestiu-se, pegaram a mala e desceram. Flávio e Margarida também estavam a caminho da copa para o café da manhã. Cumprimentaram-se e se sentaram à mesa.
- Dormiu bem, Marco? - Indagou Margarida.
- Muito bem. Sono bom, obrigado!
Após o desjejum, todos foram para o carro e se iniciou a viagem com destino à casa de praia. Três horas de estrada e chegaram a um litoral distante, numa praia quase deserta. 
- Adoro este mar - Disse Flávio - um final de semana aqui e recupero todas as minhas energias.
- Realmente é muito bonito. – Concordou Marco - mas há poucas casas por aqui.
- Por isto mesmo - Retrucou Flávio - não gosto de tumulto ou de onde há muita gente. Gosto de tranquilidade.
Logo arrumaram as coisas dentro de casa e foram caminhar pela areia e cair na água. O dia estava lindo, um sol causticante para queimar e bronzear a pele. Havia uma pequena palhoça à beira-mar, era um improvisado restaurante, lugar onde almoçaram e retornaram à praia e ficaram até 17 horas.
A casa de praia de Flávio Vasconcelos era luxuosa. Na parte térrea apenas salas, terraços, um banheiro, copa-cozinha, biblioteca e área de serviço. O dormitório ficava no primeiro andar e em todos os quartos havia suíte.
- Quer ficar sozinho num quarto ou fica comigo ? - Perguntou Lucas.
- Não há mais de uma cama em cada aposento? - Questionou Marco.
- Sim - disse Lucas - em todos há três camas, só no quarto de meus pais que há uma cama só - de casal! 
- Então fico com você - Respondeu - já estive muito tempo sozinho.
E entraram de uma só vez debaixo do chuveiro. Posteriormente se vestiram e desceram para o jantar.
- Gostou daqui, Marco? - Interrogou Flávio.
- Tudo aqui é lindo! - replicou - natureza pura.
- Vá desculpando - preveniu Margarida - aqui na praia eu sou a cozinheira e a comida não é saborosa quanto à da cidade.
- Não se preocupe com isto, mamãe...
Marco disse, assim, sem pensar no que afirmara. Margarida ficou paralisada, surpresa...
- Você me chamou de mamãe, Marco...
Só então Marco se deu conta do que dissera. Ficou vermelho de vergonha.
- Desculpe-me... saiu sem eu perceber.
Margarida, então, abraçou-o, beijou-lhe as faces e, assim, descobriu a maciez de sua pele.
- Eu que digo, Marco - não se preocupe. Adorei como se expressou.
Ambos choraram abraçados.
- Que comovente! - Aplaudiu Lucas - você nos conquistou a todos, Marco.
- Positivamente eu lutarei para adotá-lo - frisou Flávio - em tão poucas horas você está conseguindo transformar uma família inteira.
- Estou feliz - gritou Lucas - ganhei meu irmão!
- E eu estou ganhando uma nova família - completou Marco Aurélio - como são interessantes os desígnios de Deus!
Flávio não se segurou e apertadamente o abraçou.
- Já posso dizer-lhe que o amo como filho - confessou - segunda=feira, sem perda de tempo, colocarei meus advogados em ação. Quero-o logo oficialmente como membro da família, afinal, você precisa estudar e ter tudo quanto possui Lucas, sem distinção.
Lucas roubou-o de Flávio para um abraço. O abraço foi forte e se beijaram nas faces.
Acabaram de jantar e foram para o alpendre, onde conversaram até uma hora da manhã. Havia entre eles intensa e inexplicável afinidade, como se conhecessem há muito tempo. 
Da cama em que estava, Lucas Vasconcelos disse baixinho até à cama vizinha...
- Marco, meu irmão, eu amo você!
Marco Aurélio, com os olhos úmidos de lágrimas sinceras, respondeu-lhe:
- Lucas, meu mano, eu também amo você!
No domingo à noite, já bem tarde, por volta das 20 horas, o carro tomou a estrada no retorno à cidade. 
Primeira providência de Flávio Vasconcelos na segunda-feira em seu escritório:
- Senhores meus advogados, desejo que resolvam isto o quanto antes. Tenho pressa!

FIM DO CAPÍTULO ii

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