quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

NA DOIDA...


                               
                                                    -CONTO-




          Era muito linda a cidade de S. Bem cuidada, limpa e bastante organizada. Não era à toa que a ela chegavam inúmeros turistas dos mais variados recantos do país e, até, do exterior. Havia bastantes praças, todas arborizadas e demasia-damente frequentada. Todos para corriam todos os dias, especialmente à  tarde  e à noite, quando o calor se fazia insuportável.
          Apesar de bastante aprazível o lugar, a cidade não contava com  a  existên- cia de hotéis. Havia, em derredor do Centro, como chamavam,  algumas  pousa-das, todavia todas asseadas e concorridas.
          Chegou  numa   determinada   tarde   à  cidade,   um   jovem  casal. Vieram conhecer o município e fazer uma reserva na mais  famosa  pousada  que ali  ha- via: a Pousada Requinte. Era ali que passariam a lua de mel.
- Boa tarde! – Cumprimentou Anderson, o noivo -.
- Boa tarde! – Respondeu D. Orquídea, proprietária do estabelecimento -.
- Meu nome é Anderson e esta é minha noiva, Salete. Somos da Capital.  Estare-mos nos casando no próximo sábado, às 16 horas. Estamos aqui para fazer  uma reserva, posto que será aqui na cidade de S onde vivenciaremos a lua de mel.
- Pois não! – Retrucou  D. Orquídea –  Com  certeza,  fizeram  a melhor  escolha. Nossa pousada é a melhor e a mais confortável da cidade.  Obrigada  pela  prefe- rência.
- Ah – Disse Salete – Nós já passeamos muito pelos arredores e nos informamos
de tudo. Todos a quem indagamos sobre alojamentos, foram  unânimes:  indica-caram a Pousada Requinte para que nos hospedássemos.
- É porque o povo reconhece o quanto prezamos por nossos hóspedes,  o  quanto  os tratamos bem. Sejam bem-vindos! – Finalizou D. Orquídea.
          E preencheram as fichas de hospedagem e fizeram o pagamento  adiantado de 5 diárias. Tudo ficara acertado. O  casal  saiu  e  ainda  continuaram a passear por mais algum tempo. Depois, entraram no carro e retornaram à Capital.
          Quem ficou um pouco nervosa com a presença dos noivos foi Nadege, filha  de D. Orquídea. Nadege contava 22 anos e era filha única  da  dona  da  pousada, contudo era uma moça que havia em si  problemas  mentais.  Ela  era  conhecida  como “a doida”.  E Nadege assistiu à entrevista de sua genitora com o  casal  que viria no próximo sábado ali hospedar-se. Ficou eufórica, porquanto não  sabia  o que era lua de mel e, agora, havia diante de si a possibilidade de uma vez por  to-  das de tirar isso a limpo. Mentalmente tudo planejou,  não  poderia  perder  esta  magnífica chance que a vida lhe oferecia. “Agora ou nunca”, matutava, feliz.
          Logo chegou o tão esperado sábado. Nadege olhava o tempo inteiro para  o  relógio, a ponto de D. Orquídea perceber uma certa ansiedade em si.
- Por que está tão nervosa, minha filha? – Interpelou sua mãe –  Está esperando alguém?
- Oh! É claro que não, mainha. Por que me pergunta?
- Porque você está o tempo inteiro a olhar para o seu relógio como se estivesse  a  aguardar algum horário especial. Nunca a vi assim, filha.
- Ah, mainha, não é nada, você não sabe que sou “doida”?
- Pare  com  isso! – Repreendeu  D. Orquídea – Já  a  proibi  de  prolatar   esta  palavra.
- Está bem, mainha, desculpe. Foi um lapso, não tornarei a falar esse termo.
- Assim espero!
          E, assim, desligou-se de tudo em derredor. Esperou  pacientemente   a  ho-
ra a fim de colocar em prática os seus planos. Ela ouvira   bem:  o casamento  se-   ria na Capital e às 16 horas. Como a cidade de S ficava a   umas  2 horas de carro,
Nadege imaginou o seguinte: “Acredito que as  festividades  devam terminar   aí  em torno das 18 horas e deverão chegar aqui,   no máximo, às 20 horas.  Quando  for 19,30h, eu entro no quarto onde eles   ficarão hospedados e  me  escondo  de- baixo da cama, então saberei, de uma vez por   todas, o que é essa danada  de lua de mel”.
          Da maneira  como planejou, executou. Às sete  e meia  da noite,  Nadege se
dirigiu para os  aposentos onde Anderson e Salete ficariam. Até  ali,  tudo  estava  dando certo, não poderia falhar estes seus planos. Aboletou-se embaixo da cama  e aguardou, tranquilamente, e de olhos bem abertos.
          Para uma “doida” arquitetar um plano desses, era necessário que não fosse  assim tão “maluca”, haja vista que tudo aconteceu conforme previra. Anderson e   Salete chegaram no horário aprazado e  logo  estavam  no  quarto,  ansiosos,  um  pelo outro. Despiram-se totalmente e se jogaram sobre a  cama,  onde  se  derra- maram em carícias mil. Era um tremendo folguedo sobre o colchão,  total  reme- lexo... Nadege, debaixo da cama, tudo ouvia  e  ficava  arrepiada,  da  cabeça  aos  pés. Só que, por mais que tentasse, Anderson não conseguia atingir o ponto cru- cial da questão e Salete já estava angustiada, suados ao extremo, ambos.
- Ah, Anderson, meu amor – Disse a noiva – bota isso de qualquer jeito, bota na  doida mesmo...
          Ao ouvir estas últimas palavras, Nadege se desesperou. Plenamente  amas-sada e despenteada, saiu debaixo da cama e perturbada como era, retrucou:
- Oh, não! Sem essa... Em mim mesmo, não!


                                                                  FIM



                                                       DE  Ivan de Oliveira Melo

O CAMINHONEIRO

                           O CAMINHONEIRO
                                          -CONTO-




          Fernando trabalhava com um velho caminhão. Entregava fretes. Saía de casa na segunda-feira pela manhã bem cedo e apenas retornava na sexta-feira, e tarde da noite. Sempre havia serviço e ele viajava por longas  estra-das. Certamente, era uma faina  cansativa, porém  ele  já  estava  habituado, pois há anos se entregara a esse  tipo  de  trabalho.  Cobrava  bem,  ganhava dinheiro. Já trocara de caminhão umas três vezes. No momento,  seu  trans-porte estava “novo em folha”, fazia poucos  meses  que  o  recebera.  Estava feliz.
             Fernando era casado com  D. Neusa há 18 anos. Tinha 3 filhos:  duas moças ( Sandra, 17 e Regina, 14) e um  rapaz ( Rainer, 13). Seus filhos   eram exemplos, muito educados e estudiosos.
             Uma pergunta que, talvez, mereça de pronto uma  resposta:  Por que Fernando só chegava tarde da noite às sextas-feiras? Bem, o  caso  era  que o caminhoneiro  descobrira  um  posto de gasolina à  beira  da  estrada  e, lá, um ambiente festivo, porque havia um  restaurante-bar,  onde  ocorriam  co-mes e bebes e uma boa música. E Fernando adorava dançar...
             Numa das sextas-feiras, aconteceu algo diferente. Fernando já  ha- via ingerido algumas cervejas e  estava  “louco”  para  dançar.  Deixou  que  o olhar vasculhasse o recinto até que desvendou  uma  “loiríssima”  garota  que  estava solitária numa mesa. A moça bebia uísque e fumava um  cigarro.  Fer- namdo resolveu aproximar-se.
- Permite-me que me sente ao seu lado? – Indagou.
             Pega de surpresa, a moça respondeu:
- Fique à vontade. Estou mesmo  precisando de uma companhia. Obrigada!
- Obrigado digo eu – Disse Fernando.
             Logo entabularam conversa. Ambos se  deram  bem,  porquanto riam demasiado.  Pouco  tempo  depois,  lá  estavam  “agarradinhos”  no  meio    do  salão, dançando efusivamente. Terminaram a noite  num  pequeno  quarto  de aluguel que o posto oferecia aos que desejavam entregar-se de corpo e    al- ma aos prazeres do sexo. Estava amanhecendo quando se despediram e cada qual seguiu seu destino.
             Fernando estava  deslumbrado  com  Iracema,  a “loiríssima”  garota  que conhecera. Todas as sextas-feiras se encontravam ali no mesmo local   e a vida e o tempo eram poucos para eles. Na verdade, o caminhoneiro se  dei-
xou  apaixonar  por  Iracema, moça que era desconhecida do local. Todos fo-
ram unânimes em afirmar e a concordar com  Fernando:  tratava-se  de  belo exemplar feminino, provavelmente nunca antes visto naquelas redondezas.
             Dois meses se passaram. Estavam  mais do  que  felizes, Fernando e Iracema. Nesta sexta-feira, o caminhoneiro chegara com um firme  propósi-
to, logo comunicou à amante sobre seus planos:
- Não estou mais a suportar, Iracema – Confessou – Estou disposto a pedir o divórcio à Neusa e casar-me com você... Você aceita?
- Deus meu! – Replicou a loira, assustada – Tem certeza do que está a me di- zer?
- Absoluta! – Confirmou Fernando.
- Bem, seja feito como planeja – Colocou.
- E hoje vou deixá-la em casa, quero conhecer seus pais, sua família.
- Terá coragem para tal? – Indagou Iracema.
- Por que não? Gosto de assumir meus compromissos...
             E  eram 3 horas da manhã  quando  abandonaram  o  pequeno  quarto onde se entregavam ao amor. Foram até  o  caminhão,  entraram  e  seguiram  o destino traçado por Iracema.
- Mas tem certeza de que é por aqui sua  casa? – Perguntou  Fernando,  meio nervoso – É que não vejo qualquer habitação nesta escuridão.
- Claro, meu amor. Pode parar, chegamos – Disse a moça.
- Aqui? Mas só há mato... E o cemitério do outro lado – Falou Fernando.
             Não houve tempo para que Iracema respondesse, apenas se  despe- diu assim:
- Até a próxima sexta. Tenha uma boa semana.
              Apressadamente caminhou em direção ao muro do cemitério e  nem foi necessário escalá-lo, passou por dentro dele...
              Atônito, o caminhoneiro a tudo assistiu e, antes de desmaiar, disse:
- Santo Deus! O que é isso?

                                                       FIM


                                                          De  Ivan de Oliveira Melo     


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

CANASTRA



Só meus gestos salpicam inquietude,
Os pensamentos alardeiam os sonhos
E eu, canastra real, não sei onde ponho
Os retalhos da consciência que se ilude.

Meu olhar esbraveja diante da sinestesia,
Os desejos se rompem enquanto choro,
Pois em meu inverno só vejo água e cloro,
Inseticida que alveja por onde eu pensaria.

Minha vontade se alquebra perante o sono,
A inconsciência reflexiona a canastra suja
Enquanto a razão recebe assaz de lambuja
O itinerário duma viagem em papel carbono.

Meus passos retroagem... vaivém de tiracolo
E, finalmente, mesmo atordoado, eu decolo!



DE  Ivan de Oliveira Melo 

MITOLÓGICO



Enalteço os deuses , abomino os demônios...
A Grécia aflora dentro de mim, viajo no tempo,
Desembaraço-me da correnteza dos ventos
E vou em busca, em meio à arte, dos hormônios
Que transmutam da sensibilidade, o êxtase...

Deliro com a Antiguidade... O Olimpo me convida
A descrever as aventuras e as desventuras das peças
Que singram através do cosmos, as horas imersas
Nos paredões donde a poesia nocauteou a vida
E trouxe, lentamente, um cardápio de perífrases...

Simplesmente, da mitologia confecciono tragédias
Que se incorporam a um dossiê repleto de dramas...
É a existência que não dorme, salpica o que se emana
Da inspiração e da apoteose... toda a enciclopédia!



DE  Ivan de Oliveira Melo  

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

ANTAGÔNICOS




Somente a dor ensina a viver,
Apenas o choro ensina a sorrir...
Só a saudade não deixa partir
O sentimento que pode morrer.

Somente a tristeza faz entender,
Apenas no sonho se quer dividir...
Só o medo é que provoca sentir
A coragem que busca sobreviver.

Somente a mentira faz entristecer,
Apenas a covardia alimenta trair...
Só o que é fidelidade faz permitir
O ideal esperança não envelhecer!

Somente a guerra é que faz lutar
Os apenas que a vida quer apagar!



DE  Ivan de Oliveira Melo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

LIAMES




Nuvens de chumbo desabam sobre a terra
E deixam sequelas sobre cerrados e campos...
Quando viaja, a madrugada acende o dia,
Ofuscando a noite diante do febril horizonte.

O Sol dardeja sua luz dentre mares que choram
A impossibilidade de umedecer o chão gretado,
É como se fosse proibido gotejar sobre a vida
E alimentar a natureza que ruge e ruge, sedenta!

O tempo, amiúde, resvala-se nas horas cansadas,
Oblitera-se na vaidade das paisagens, o espaço vazio
Que, retém do solo, o húmus restaurador do enlevo
Edificador da saúde e das peripécias oníricas...

Traduzem-se as liberdades, enterra-se a escravidão
E tudo se metamorfoseia perante odisseias sutis!



De  Ivan de Oliveira Melo

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

ARQUIVOS



Os pensamentos que voam sem destino
São transeuntes na esplanada dos astros
Que os recolhem incólumes, sem rastros
Do engarrafamento trépido do desatino.

As consciências que navegam no infinito
São criaturas endógenas do viver incerto
Que trucidam os reflexos que estão perto
Do tímido arrebol que macula o psíquico.

Os prazeres desnudam da alma a volúpia
Que submerge diante da inconsciência vil
E leva até o palco da turba a foto do perfil
De uma individualidade carente, estúpida!

Da indigestão onírica que perfura a mente,
Há uma fantasmagórica imagem, somente!



DE  Ivan de Oliveira Melo