quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Crime e Castigo

De vez em quando surro minha consciência...

Dou-lhe coça com a força do pensamento
E a abandono no sótão do esquecimento...

Ignoro se alguma energia a faz minha memória
E trabalho o raciocínio na linha transcendental
A fim de que a reflexão seja efeitos metafísicos...

No campo infinitesimal alavanco o inconsciente
E o cérebro funciona a mercê dum esforço mental
Que põe em atividade uma imaginação ilusionista
Que cria situações em parceria com tons oníricos.

Ondas etéreas buscam resgatar a faina vascular,
Todavia enclausuro qualquer resposta inteligente,
Pois, minha razão não aceita indícios que maculem
A caixa de ressonância onde guardo sutis predicados
Que tornam meu caráter uma personalidade ímpar!  


Prece Marinha

Vislumbro no mar salgado de Fernando Pessoa
O voo solitário e acrobático da sensível gaivota,
Meu pensamento é canteiro de imensa horta
Onde cultivo perspectivas que o tempo destoa...

Singro ondas senis dum olfato assaz augusto,
Salpico em mim  gotas do orvalho das procelas,
Elevo as mãos às nuvens que correm paralelas
E delas retiro átomos enfeitiçando meu discurso.

Seduzo a natureza tecendo ladainhas aos ventos
E no coro angelical que suntuosamente contemplo
As gaivotas sibilam sublimes cânticos ao mar...

Conluio divino que de mim cerceia iniquidades,
Então volito às águas preces e prosperidades

Que me fazem adormecer ungido e devagar...

Garimpeiro das Madrugadas

Sinto-me moleque a garimpar ilusões,
A travestir-me de Dom Juan e caçoar raparigas,
Plenamente indiferente ao ribombar das intrigas
E mercenário das palavras que entortam corações.

Vejo-me caduco ao recordar tais intrujices
Que fizeram de mim mancebo de mil faces,
Usei a inteligência como símbolo dos disfarces
Que interpretei cabalmente em minha meninice.

Os anos deixaram no tempo dissabores profundos
E ainda me rio ao lembrar que fui o vagabundo,
Estertor das madrugadas e lampião das donzelas...

Tudo se renova... Hoje outros fazem o papel
Que trilhei pelas noites como adubo de bordel
A destilar peçonha malvada às moças tagarelas!


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Violência gera Violência

Às vezes os mosquitos fustigam minha pele
E fico a coçar-me freneticamente...
Tento pegá-los, devolver-lhes a ousadia...
Eis que fogem, escondem-se, riem-se de mim...

Raciocino... Vingança impossível! São miúdos
E não possuem tecido para restituir-lhes o atentado,
Apenas os matando posso replicar-lhes tais ofensas...
É quando compreendo os sintomas da minha covardia!

Assim se comportam determinadas criaturas,
Buscam no golpe letal responderem as injustiças
Que seus semelhantes impõem em horas incertas
E deixam à mostra o caráter homicida que há em si...

Enquanto no mundo houver indivíduos inconscientes,

Jamais se poderá debelar os requintes de violência!

Incertezas

A chuva cai...
Ressabiado é o tempo
Que inexoravelmente avança
Sem deixar rastros na areia.

As horas consomem
A agonia que chora
O passado estéril
No presente adormecido.

Calor intenso,
Abundante suor...
É o sol que perfuma
A angústia esmaecida.

Silêncio da noite...
A lua escondida
Entre nuvens de algodão
Sorri para a estrela solitária.

Orvalho insípido...
Amor travestido
Pela âncora do deserto
E pela língua que se cala.

Medo da mentira...
A toalha despenca no tapete
Onde ressona a verdade
Úmida por transparências.

A coragem desperta
Dentre anseios mais profundos
E transforma uma atmosfera
Blindada pela esperança.

Cai a máscara...
O dia soterra a noite
E o princípio que era fim
Metamorfoseia as dúvidas...



Rebeldia

Sou rebelde de mim mesmo,
Mentecapto às avessas...
Torturo as tristezas
E não tenho em mim um enredo...

Sou uma tipologia sem rótulo,
Epopeia do meu destino...
Do mar bravio sou torvelinho genuíno,
Cético desprovido de senso ótico...

Sou ziguezague dum tecido incerto
E meus passos perambulam o deserto
Onde no oásis das ingratidões desfaleço...

No tique-taque do relógio que me desperta
O tempo é unilateral, a hora não é concreta

E eu um transeunte sem trilha e sem endereço!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Libido Cultural

A inspiração é orgasmo da sensibilidade...

O gozo artístico é um deleite passional
Que envolve uma sensualidade substrato do prazer

Que as alegorias tecem pelo engenho de criar
Uma supra realidade manipulada pelo exótico exercício
De aconchegar frenéticas sensações do mundo ilusório.

Destarte haja um equilíbrio suntuoso de emoções,
A imaginação contempla cenários de fantasmagórica simbiose
Em que ingredientes da satisfação duplicam-se em overdose
Produzindo efeitos que ludibriam o raciocínio no viés das estações...

O libido cultural alimenta um tabernáculo de reações
Que cintilam jucundas perante a atmosfera do infinito
E adornando o espaço talhado pela  criatividade...
Átomos em cadeia desenham uma apoteose multicor

Onde sublimemente nascem manifestações de amor!

Patologia Artística

Minhas palavras se tornam afecções vocais,
Argumentos temáticos hoje são vírus
Que fazem de vogais e consoantes ruídos
Prolatados na fala e na escrita, expostos em murais.

Meu vernáculo afugenta torneios depreciativos,
É contundente antialérgico do pensamento nefasto,
Mas ainda me restam vales onde há pastos
Que saciam a fonte do saber com aperitivos.

Perante o instrumental que a linguagem concede
É necessário ser matriz e alimentar a sede
A fim de que o idioma combata o mal...

Doravante ser um texto assaz anti-inflamatório,
O mundo não reage por ser ainda ínfimo auditório
Para conceber a arte como realidade universal!


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Evidências

Somos patifes edificadores da solidão...

Nosso ego é egoísta e paupérrimo de valores,
Somos mistificadores de nossa própria consciência

E profundamente ingratos perante as coisas do mundo...
Muitos se proclamam materialistas e deveras ateus,
Mas a verdade é uníssona em relação a todos...

Vivemos driblando o raciocínio por interesses pessoais,
A inteligência é um atributo comum às criaturas
Que a renegam para livrarem-se das responsabilidades
E não assumir compromissos por puro comodismo...

Permitimos que a hipocrisia recalque nossa existência
E nos fazemos de surdos-mudos por infidelidade...
Não há carência em nós, temos vida em abundância
E autossuficiência para vencermos as adversidades...
Somos ricos por natureza, porém pobres por opção!

Os pedregulhos da estrada testam nossa paciência,
Então os transformamos em obstáculos intransponíveis...
Somos, na realidade, enfermos e cruéis mentecaptos
Do nosso eu que a tudo espera sem devidos esforços
E nos coloca, inadvertidamente, nos pedestais da luxúria...

Cegos estamos porque fechamos o olhar às evidências,
No mais fundo do nosso íntimo sabemos que há um Deus,
Que nada se fez ao acaso, nem mesmo nós...
Cabe-nos elucidar a preguiça e assassinar o orgulho

Que corrói nossas vísceras e nos põe ao relento...
Devemos nos envergonharmos de não sermos humildes
E consentir que a ambição nos tolha a inteligência...

Basta visualizarmos de soslaio o que nos rodeia,
Só uma sapiência Única para desenhar a perfeição universal


Dum orbe ainda primitivo, mas eloquentemente arquitetado!

domingo, 17 de agosto de 2014

Sensatez

O mundo surra a covardia
E soterra o sorriso hipócrita,
A fantasia é síndrome despótica
Do pensamento vitrine da utopia...

A brejeirice não acolhe desenganos
Forjados por trás das cortinas,
O pseudo padre tem suja a batina
Que endossa o cartel do cotidiano.

Volúpia política massacra ideais
Que perecem tímidos em sua orla,
Vexames vigaristas descontrolam
Anseios afetivos anelados pela paz.

Perante o cordão dança-se ciente...
Nem tudo a olho nu é transparente!


sábado, 16 de agosto de 2014

Efeitos Colaterais

Há um ziguezague unicelular em meu sentimento...

Xique-xiques enfeitam o bater uníssono do coração
E nas paredes do organismo o tique-taque é laxativo

Na execução dos efeitos fisiológicos do ciclo vicioso...
Há ondas perimetrais que coordenam os músculos
Liberando gases rarefeitos nas manifestações do ar...

Esdrúxulas simbioses sugam da atmosfera um olfato
Que é perpendicular às aurículas do majestoso tédio,
Semáforos que controlam tons roucos dos hemisférios
Sinalizam na imensidão transeuntes febris e opacos...

As estações permanecem reiteradas e desconexas
Perante o atrito pastoso que corre livre por artérias
Até desembocar no hidrogênio líquido dos pântanos
E semear no lamaçal das urtigas o indesejado pranto

Salpicado do húmus que fertiliza o solo das quimeras!

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Legado

Ouve-se a chuva cair
Dum céu sem plumas,
Dum agosto, em suma,
Que macula o porvir...

Escuta-se partir o chão
Que geme forte alarido,
Terror cinzento esculpido
Pela fumaça do Boqueirão...

Para sempre a voz se cala,
Fenecem discursos de gala
Que ensinam jamais desistir!

Restam axiomas dum legado,
Exemplos adrede desenhados
Que evocam eterno progredir!




sábado, 9 de agosto de 2014

Muro de Arrimo

O passado pariu meu destino,
No presente ando meio bambo,
Do futuro nem espero tanto,
Incógnita do mundo, sou arrimo...

Sim, vejo o quanto cresci,
Na vida não me dei assento,
Luto deveras, vencer eu tento,
Mas perante as horas sou guri...

Veredas sinuosas e sem espaço
Torturam anseios, vitaminam o cansaço
E já não enxergo mais nada...

Ainda trôpego, busco um oásis
Onde possa beber dos ventos a amizade

Que me abrace no estertor da madrugada!

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-9-EPÍLOGO

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
IX
EPÍLOGO
Ilustre Personagem

Tiraram um mês de férias para que pudessem descansar. Passearam, visitaram antigos lugares e se renovaram. Decidiram aceitar os convites do Governo brasileiro. Rumaram, então, para Brasília e lá foram residir num dos apartamentos da Nação.
Brilhante o desempenho de Matheus Cintra como Ministro das Relações Exteriores. Era mesmo muito querido e festejado. Viajava muito e, também, recebia em nome do Governo ilustres convidados. Seu nome passou a ser ventilado para concorrer às eleições presidenciais que se aproximavam, porém descartou qualquer possibilidade neste sentido. Já ultrapassara os 60 anos e se sentia cansado. Era o momento de parar. Enquanto isso, Lucas travou conhecimento com Mariana, igualmente médica. Os dois, solteiros, estariam em namoro e, dois anos mais tarde, noivaram. Lucas, além do Hospital de Base de Brasília, também se tornara cirurgião de importante complexo hospitalar da Capital Federal. Era um cirurgião de mão cheia, sempre salvando através de suas memoráveis cirurgias, pacientes tidos como praticamente mortos por outros colegas de profissão. Seu amor por Matheus crescia, sempre!
Matheus resolvera vender o apartamento de Porto Alegre e se estabelecera definitivamente em Brasília. Escreveu um livro de memórias, em que relatou toda a trajetória de sua vida, esquivando-se de retratar sua vida íntima e particular. O livro tornou-se Best Seller, vendendo mais de 40 milhões de exemplares em todo o mundo, tamanho era o seu prestígio. Com o sucesso do primeiro livro, enveredou de forma definitiva como escritor e poeta, publicando romances e livros de poemas. Em todos os livros que escrevia, sempre aparecia logo na primeira página: In Memorian de Fernando Cintra Oliveira de Souza. Seu nome foi indicado para concorrer a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e ele conseguiu, tornando-se imortal. Assim levou adiante o restante dos seus dias, vindo a falecer aos 84 anos de idade. O mundo chorou a perda do ilustre escritor, político e projetista de automóveis. Lucas casara-se com Mariana e, do casamento, tiveram 3 filhos: duas moças ( Rita de Cássia e Maria Madalena) e um rapaz ( Lucas Júnior ). Foi muito feliz em seu matrimônio e, profissionalmente, chegou a ser considerado, por várias instituições, como o mais competente cirurgião do mundo.
Certa vez, disse numa entrevista para uma rede de televisão e para os principais jornais e revistas da mídia nacional:
- Com a partida de Matheus Cintra, positivamente foi com ele mais de 50% de mim mesmo... Estive com ele em todos os instantes até seu último suspiro... Sou casado, tenho filhos, amo e adoro minha família, não obstante nada nem ninguém pode ser comparado ao que meu pai representou e representa em meu coração... Nenhum amor que possa eu sentir, jamais poderá ser equiparado ao amor que tive e tenho por ele... Amo-te, meu pai, agora e sempre e por todos os séculos!
FIM

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-8

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
VIII

Na Velha Política...
Algumas semanas se passaram. Apesar de mais velho um pouco e de guardar em si um problema cardíaco, Matheus se sentia bem. Estava feliz! Acordava cedo todos os dias e, na hora em que o filho descia para ir à escola, ele também ganhava a rua. Dava longos passeios às margens do Guaíba e contracenava com a natureza o espocar das horas. Às vezes cansava um pouco, então buscava um lugar para sentar e respirar o ar da manhã. Enquanto repunha suas energias, seu pensamento viajava quilômetros, milhas... atravessava as fronteiras metafísicas, tentava entender as coisas astrais. Evidentemente era Fernando Cintra o motivo de suas reflexões. Como pode o amor vencer as barreiras da morte? Como pode o amor vencer ao tempo e transformar-se num sentimento inquebrantável e lúcido, presente, embora a morte o tenha carregado para o infinito dos infinitos? Simplesmente não compreendia... Assim permanecia seu amor por Fernando Cintra, agora resplandecente plenamente em Lucas...Fisicamente o sentimento havia se metamorfoseado, mas era o mesmo, até mais forte, e estava mais vivo do que nunca em seu âmago... ardia feito brasa!
Sentiu-se descansado e retornou para casa. Tomou um banho e pôs uma roupa leve, ligou o som e se iniciou a escutar música erudita. Nestes momentos era como se desprendesse do corpo e ganhasse as alturas do espaço. Sentia-se leve, flutuava no pensamento e beijava o éter
com o carinho dos seus desejos. De repente, foi bruscamente interrompido em seus devaneios pelo tilintar do telefone que tocou seguidas vezes. Pensando tratar-se de alguma coisa relacionada a Lucas, brecou o êxtase e atendeu a chamada.
- Sim, pois não, quem é?
- Sou eu Mat, Johnny Campbell.
- Olá – disse em inglês – que surpresa, meu amigo. Como está?
- Estou muito bem, e você?
-Levando a vida...
- Estou ligando para você vir levar a vida por aqui e ao redor do mundo...
- Como assim? – Quis saber Matheus.
- Não tem acompanhado os noticiários? – Indagou Johnny.
- Confesso que muito pouco. Ando meio desatualizado das coisas. Mas, o que houve?
- Acabo de ser eleito Presidente dos Estados Unidos... Quero-o aqui, ao meu lado.
- Meus parabéns! – disse Matheus – Para quê quer um velho ao seu lado?
- Deixe de ser cretino, Mat... Você só tem 51 anos, está muito novo ainda e, um homem como você, não pode parar.
- Estou aposentado devido à minha saúde, bem sabe disto...
- Claro que sei, porém você pode submeter-se a uma série de exames e ver qual o papel que pode assumir em meu Governo.
- Faz tempo que deixei a política, Johnny, estou plenamente desatualizado das coisas recentes.
- Isto é apenas um fato e é tolice. Nós o colocaremos a par de tudo em poucos dias. Ninguém melhor do que você para ser meu Secretário de Estado...
- Você está bem dos miolos? – Inquiriu Matheus – este é um cargo de supra confiança e de alguém que seja jovem...
- Deixe de ser tolo! Por mais doente que possa estar, mesmo assim, é o mais competente político que conheci até hoje, portanto, trate de arrumar as malas e desembarcar por aqui o quanto antes – exigiu Johnny.
- Posso ter sido competente um dia, hoje não o sou mais. Não perturbe minha tranquilidade.
- Não aceito recusas, Mat. Em meu programa de governo você cai como uma luva. Espero-o por aqui o quanto antes. Passar bem!
Nem deu tempo para que Matheus argumentasse mais nada. Céus! Aquela ligação o tirara de suas reflexões e lhe trazia uma série de apreensões. Por outro lado, Johnny Campbell havia sido seu melhor amigo enquanto esteve nos Estados Unidos, não podia virar as costas para ele. Absorto nestas reflexões, não percebera que Lucas acabara de chegar e trazia almoço para dois.
- Oi, pai, não está com fome?
Despertou, então, de mais um êxtase.
- Acabo de receber um telefonema dos Estados Unidos. Johnny Campbell.
E tudo relatou a Lucas. Queria ouvir a opinião dele.
- Grande responsabilidade este homem quer colocar em suas mãos – disse Lucas – você ainda se sente disposto a encarar tamanho compromisso?
- Para ser sincero, sim, mas não gostaria. Tenho você e minha tranquilidade para viver bem – respondeu Matheus.
- Se você se sente capaz, aceite o desafio – aconselhou Lucas – certamente levar-me-á junto, não?
- Lógico! Jamais o deixaria sozinho.
- Além do mais, pai, lá eu poderia entrar numa universidade sem ter que me submeter ao estresse de um vestibular.
- Está bem – disse Matheus – vou topar o desafio... O que não faço por você?
Preparou tudo para a viagem e seguiu de retorno aos Estados Unidos ao lado de Lucas. O apartamento ficaria fechado, um dia voltaria e seguiria até o final dos seus dias.
Ao chegarem na América do Norte, hospedaram-se num hotel e Matheus buscou contato com os filhos. Dois estavam viajando em negócios no exterior, dois foram visitá-lo no hotel e conheceram Lucas. Mil perguntas fizeram sobre Lucas e se acomodaram quando tomaram conhecimento de que Matheus o adotara.
Alguns dias depois, Matheus já estava enquadrado no esquema político de Johnny Campbell e em janeiro assumiria a Secretaria de Estado do Governo. Seu nome fora muito bem recebido em todo o país, na verdade gozava de intenso prestígio. Fizera os exames e os médicos diagnosticaram que ele estava muito bem e pronto para assumir o cargo. Por influência do Governo, Lucas conseguira matricular-se em uma universidade e já estava a estudar Medicina, seu grande sonho profissional. Estavam, ambos, intensamente felizes!
Ano Novo, vida nova! Foi desta forma que Matheus encarou suas novas responsabilidades. Passou a habitar uma luxuosa casa de propriedade federal, ao lado de Lucas. Os dois pouco se viam, pois, Matheus viajava muito e, como sempre fora, isso o aborrecia profundamente.
Os anos se passaram num abrir e fechar de olhos. Matheus conseguiu realizar extraordinário trabalho a serviço do governo americano. Em muitas ocasiões, deixava-se levar por suas inspirações próprias e, assim, conseguira apaziguar várias revoltas e guerras ao redor do mundo. Tão intenso e brilhante se houve em seu desempenho, que foi agraciado com o Nobel da Paz, no último ano de Governo.
Estavam em plena campanha pela reeleição, porém Matheus estava decidido a parar por aí, já dera sua contribuição à Nação Americana. Apesar do excelente Governo, Campbell não foi reeleito e este fato fez com que Matheus resolvesse pelo seu retorno a Porto Alegre. Contava
56 anos e, agora, queria parar de vez. O candidato vencedor nas eleições teve a petulância de contatá-lo para que seguisse no cargo, entretanto elegantemente ele desviou-se do convite, alegando seu problema de saúde. Apenas aguardaria que Lucas concluísse o curso a fim de volver à capital do Rio Grande do Sul. Passaram-se mais três anos e, finalmente, Lucas diplomou-se e conseguiu junto à Embaixada do Brasil, o reconhecimento de seu diploma de médico. Voltaram a Porto Alegre e lá tiveram grandes surpresas. Matheus e Lucas foram recebidos com honras militares e dois convites esperavam por eles: Lucas fora convidado a integrar a equipe médica do Hospital de Base de Brasília, com um contrato especial dentro de sua especialidade, cirurgia geral, Matheus recebera o convite da Presidência da República para ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Grande número de jornalistas estavam em seus encalços e, eles, para terem direito à paz, deram entrevistas coletivas.
- É uma honra para mim assumir este ministério, todavia tenho de pensar primeiro em mim. Não ando bem de saúde e, devido a este problema, recusei continuar no posto de Secretário de Estado dos Estados Unidos. Por enquanto não posso dar uma resposta definitiva, pensarei carinhosamente sobre o assunto – disse Matheus Cintra.
- O convite que recebi para assumir o Hospital de Base de Brasília está em aberto. Só irei residir na Capital Federal se meu pai aceitar o convite feito a ele, pois, deixá-lo só, nem pensar... É uma questão de não saber ficar distante dele e não deixá-lo sozinho na idade em que se encontra. É tudo! – Colocou Lucas.
Finalmente conseguiram chegar em casa. Dias antes, Matheus telefonara para o síndico e pedira para que usassem as chaves reservas e preparassem o apartamento para ele. Fora prontamente atendido, aí incluindo uma grande faxina e o abastecimento de sua geladeira. Tudo fora providenciado.
Chegaram, tomaram o banho de sempre e se alimentaram. Arrumaram suas bagagens e, na varanda do apartamento, iniciou-se um diálogo.
- Você vai aceitar o convite do governo brasileiro, pai?
- Não sei, penso em você. – disse Matheus – você necessita de iniciar-se em suas atividades médicas e eu não medirei esforços para vê-lo vencer como tenho vencido até hoje. Amo-o!
- Em primeiro lugar de tudo está você. – colocou Lucas – depois é que se pensa em mim. Amo-o também e você sabe o quanto...
-Quando o amor está escrito nas estrelas, tudo se resolve e se entende... Vamos descansar, meu filho. A viagem foi longa e teremos bastante tempo para resolvermos estas pendengas.
- Concordo com você – disse Lucas.
FIM DO CAPÍTULO VIII
AMANHÃ O CAPÍTULO IX - EPÍLOGO DESTE ROMANCE.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-7

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
VII
O amor rompe as barreiras da Eternidade!
Lindas são as flores da primavera! No perfume inebriante que acaricia o olfato, tem-se o cheiro do orvalho da vida. Assim estavam os campos, os jardins, as praças públicas. Por onde se caminhava, sentia-se o doce aroma das rosas, das dálias que massageava os pulmões e havia um colorido que enfeitava a existência.
Lucas aceitara ser adotado por Matheus Cintra. Levou-se algum tempo até que todas as formalidades fossem cumpridas, todavia finalmente Matheus o tinha ao seu lado. Lucas era carinhoso e atencioso. Menino de bons costumes e bem educado. Não era muito alto: 1,65 cm de altura. Nem era magro, nem gordo. Porte atlético, cabelos e olhos negros, pele alva. Uma doçura de criança.
- Então quer dizer que hoje está completando 14 anos – perguntou Matheus.
- Sim, hoje – replicou o menino.
- E o que gostaria de ganhar de presente? – Indagou Matheus.
- Já ganhei – falou – você!
E se abraçaram. Matheus o beijou no rosto e o convidou para sair.
- Vamos fazer um programa especial de aniversário – propôs Matheus – vamos passear, almoçar fora, comprar coisas para você.
- Estou à sua disposição- concordou Lucas – iremos aonde você desejar.
Saíram. Curtiram aquele sábado e foi um dia para nunca mais apagar-se do calendário . Lucas voltou para casa carregado de sacolas e dentro delas havia roupas, sapatos, brinquedos, relógio, boné, um notebook, uma pulseira de ouro... Na orelha direita do garoto viam-se dois brincos dourados.
- Obrigado, Matheus , quer dizer, meu pai Matheus. – agradeceu – você não está zangado comigo por que pedi para colocar estes brincos?
- De forma alguma – respondeu Matheus – você é muito belo e os brincos contrastam com sua beleza.
Lucas era um menino adorável, no entanto parecia muito seguro em relação ao seu íntimo, não era de dividir tudo com Matheus, com certeza havia muitos segredos ali camuflados...
Numa determinada noite, Lucas estava aflito por causa de umas questões de Matemática que não conseguia resolver e, no dia seguinte, haveria prova, exatamente sobre a matéria. Matheus notou sua angústia e se aproximou.
- O que há? – Perguntou – Por que está chorando?
- Estas questões de Matemática que não consigo encontrar soluções para elas... parece grego!
Lamentou-se.
- Deixe-me vê-las – pediu Matheus.
Matheus pegou o livro e leu as questões. Nunca fora tão bom em Matemática, porém o assunto parecia fácil ao seu entendimento.
- Observe, Lucas – pediu atenção – são equações biquadradas, basta aplicar esta fórmula, por ela tudo se resolve.
E mostrou a Lucas como ele deveria proceder e o garoto ficou encantado com as explicações. Compreendia tudo agora.
- Oh... como não me liguei no emprego da fórmula... Que tonto que eu sou! – Criticou-se.
- Você não é nada de tonto, apenas não estava a entender – Disse Matheus. – Agora será capaz de resolver qualquer problema dentro desta matéria.
- Muito obrigado! – agradeceu.
- Não há de quê! Contudo percebo que há outras coisas que não divide comigo, como se fossem segredos os quais não posso ter acesso.
Lucas ficou bem vermelhinho. Era muito tímido e Matheus tocara em uma de suas feridas.
- Desculpa ! É que sempre fui assim, sou bastante introvertido.
- Pode conversar sobre o quiser comigo, estarei aqui para dar atenção e sentido à sua vida. – Colocou Matheus.
- Está bem, tentarei abrir mais meu coração para você, prometo!
Voltou-se para as questões de Matemática e ficou até quase meia noite estudando. Matheus já se recolhera ao seu quarto e estava dormindo, tranquilamente.
Lucas fechou o livro, arrumou a bolsa e também foi deitar-se. Logo adormeceu. No dia seguinte estava cedo na escola, Matheus o levava e ia buscá-lo, diariamente. Na saída, como de costume, lá se encontrava Matheus à sua espera.
- Por que não consegue andar direito? – Matheus indagou.
-Levei uma forte pancada na coxa quando estava a jogar bola no intervalo – justificou Lucas – mas não é nada demais.
- Quero ver isto quando chegarmos em casa – disse Matheus.
- Mas não é nada demais...
Matheus nem disse mais nada. Colocou-o nos braços e o levou para o táxi que os esperava. Ao chegar no prédio em que moravam, ainda nos braços carregou-o até dentro do apartamento, pois, era visível que Lucas não conseguiria andar. Dirigiu-se aos próprios aposentos e o deitou sobre sua cama.
- Que vai fazer? – questionou Lucas.
- Ver o tamanho desta pancada e o que posso fazer para sanar seus efeitos. E não me diga que não é nada, porque nem está conseguindo andar.
Retirou as vestes de Lucas e os sapatos, deixando-o apenas de cueca.
- Onde foi a pancada? – Matheus perguntou.
- Aqui... e apontou a coxa da perna esquerda, bem na altura das nádegas.
- Vou ter de retirar sua cueca, assim divisarei melhor o local – avisou Matheus.
Lucas estava, envergonhadíssimo, mas nada falou e cobriu o rosto com o travesseiro.
- O local parece inchado – disse Matheus – vou precisar dar-lhe um banho e depois fazer aplicação de pomada. Você está morrendo de vergonha, não é?
- Estou sim – respondeu – sou muito tímido e introvertido.
Matheus o colocou dentro do box e o banhou carinhosamente, lavando-o em todas as suas partes. Depois enxugou-o, enrolou-o na toalha e o trouxe de volta para o quarto, depositando-o novamente sobre a cama.
- Não precisa ter vergonha de mim. Estou aqui para ajudá-lo, sempre.
Retirou a toalha de seu corpo, levou-a e a estendeu no banheiro. Trouxe de uma pequena farmácia um vidrinho com uma pomada preta e fez a aplicação no local inchado e dolorido.
- Esta pomada é muito boa – disse – com três aplicações você estará quase bom.
- Ei – chamou Lucas – aonde você vai?
- Vou ao seu quarto pegar uma cueca limpa para vestir em você – respondeu Matheus.
- Não me traga cueca para não apertar, traga-me um calção de algodão que é leve... – Pediu Lucas.
- Pois não, senhor – brincou Matheus – assim será feito.
Procurou o tal calção no armário de Lucas e o encontrou, volveu ao quarto e o vestiu, beijando-o no rosto.
- Quando puder andar, vou levá-lo a um endocrinologista , você precisa de uma consulta – falou Matheus.
- O que é endocrinologista?
- Médico especialista. Precisamos entender o desenvolvimento do seu corpo. Em sua idade, minha região púbica era repleta de pelos, com você dá-se o contrário, é completamente liso, parece um menino de 8 ou 9 anos.
- Era disso que eu não queria que você soubesse – disse – enquanto meus amigos da sala são ricos neste aspecto, eu sou pobre e eles tiram muito sarro com minha cara.
- Aí que eu deveria saber – disse Matheus – pois, caso já soubesse, você já teria ido ao médico e já estaria no tratamento hormonal.Você imaginava que eu fosse tirar sarro com sua cara também?
- Imaginei...
- Prova de que não me conhece bem, ainda. Eu jamais tiraria sarro com sua cara por causa disso, mas o levaria ao especialista para tratar-se. Bobão!
Abraçaram-se e trocaram beijos no rosto.
- Obrigado – agradeceu Lucas – agora sei que posso confiar tudo a você.
- Não era nem para ter tal dúvida. No momento em que resolvi que iria adotá-lo, fi-lo por puro sentimento e não para gracejar de você. – Explicou Matheus.
Lucas nada mais falou.
- Vou ligar – disse Matheus – pedir almoço para nós dois. Quer comer o quê? – Matheus perguntou.
O almoço chegou e se fartaram. Matheus o deixou em sua cama e foi tomar banho. Depois, só de bermuda, deitou-se ao seu lado e ambos adormeceram.
Três anos se passaram. Lucas chegara aos 17, quase 18. Matheus se preparava para festejar seus 50 anos. A convivência estreitou-se, não obstante ao coração de Matheus ninguém nunca havia conseguido apagar a chama do amor que nutria por Fernando. Conversava abertamente com Lucas sobre o pai, como viveram felizes naquele apartamento até o dia de sua morte. Lucas bebia suas palavras e passava a admirar Fernando, embora não o tivesse conhecido, porém havia bastantes fotos para que pudesse imaginar o quanto teria sido bom aquele homem.
- Ele foi tudo para você, não foi?- Indagou Lucas.
- Sim, a pessoa mais importante que já houve em minha vida. Eu amo você e, às vezes, fico confuso, pois, percebo que em muitas coisas você faz-me lembrar dele... Seu jeito de falar, de me abraçar, de beijar meu rosto, de acariciar-me os cabelos... você me faz volver-me ao passado e uma grande parte daquele amor que senti um dia, parece-me vivo quando tenho você comigo... Amo muito você... você, de certa forma, fez-me renascer... Muito obrigado! Matheus estava chorando...
- Se você tinha alguma dívida para com a natureza, certamente a liquidou no instante em que me adotou. – Disse Lucas.
- Eu peço desculpas a você por este desabafo, Lucas... É que estou tão frágil! E em você reencontrei uma parte de minha alegria de viver. Hoje você é meu tudo! Mais uma vez: obrigado! Você tem amor por mim, Lucas?
- Infinitamente! O que sou hoje e o que serei amanhã, obviamente deverei a você. Sei que você me ama, mas seria muita ousadia de minha parte esperar que me amasse como amou Fernando um dia...O que me importa é que conheci você, fui adotado por você e sou feliz!
- Eu também estou feliz, Lucas!
- Um dia eu quis levá-lo ao endocrinologista... mas foi você quem me levou...
- O quê? O que foi que você disse?
Matheus estava estupefato... Não podia crer no que acabara de escutar... Chorava abundantemente.
- Repita, por favor... o que você disse...
- Eu não disse nada!
- Você disse: “Um dia eu quis levá-lo ao endocrinologista...mas foi você quem me levou...”
- Eu disse isto? Tem certeza?
- Sim, você disse... Meus Deus! Será possível? Eu não entendo destas coisas... Meus Deus clareia minha mente... Que se passa, meu Deus? Que se passa?
- Se você está dizendo que eu disse... porém não lembro de ter dito isto... juro que não lembro... Estarei enlouquecendo?
- Não, meu filho, não está... quem está enlouquecendo sou eu, ouvindo coisas...
- Vamos tomar banho juntos como nos velhos tempos?
- O quê? Não! Isto não pode estar ocorrendo... não pode!
- O que foi agora, meu pai?
- Você disse: “Vamos tomar banho juntos como nos velhos tempos?”
- Sinceramente... Não sei o que se passa comigo neste instante... Estou meio tonto, vejo-me num corpo de homem mais velho... Pai, será que estou ficando maluco?
Matheus soluçava... Fenômenos estranhos estes, desconhecia-os por completo... Emocionadíssimo, ajoelhou-se, levantou as mãos para o alto, rendeu graças ao Pai Celestial e disse:
- Senhor meu, é crível o que passa aqui neste momento? Creio em ti, Senhor, creio em ti... Se for o que penso, abençoa-me, abençoa-o igualmente...
Trouxe Lucas ao seu abraço, beijou-o repetidas vezes no rosto, nas mãos, no ombro, no peito, nos cabelos... falou-lhe:
- Não entendo o que acontece aqui, meu filho... porém sei ser coisa de Deus e coisa muito abençoada... Deus seja louvado!
- Estou tomado de forte emoção, pai. Também não compreendo... todavia, posso mensurar o tamanho de meu amor por ti... equivale ao infinito da imensidão universal. És tudo para mim, tudo quero da vida ao teu lado, sempre ao teu lado... e nada mais importa!
Matheus não havia em si mais dúvida, embora nenhum conhecimento houvesse sobre tais fenômenos... Suas lágrimas eram abundantes, sua sensibilidade emotiva estava sem controle, mas logo conseguiu dominar-se...
- Sim, vamos... estou louco de saudade...
Lucas encostou sua cabeça no ombro de Matheus e o beijou ternamente em seu rosto, seguidas vezes. Acariciou-o na face e nos cabelos e ambos foram, pela primeira vez em suas vidas, tomar um banho juntos... Depois foram dormir na cama de Matheus e a noite de sono só foi interrompida com o badalar do tique-taque do relógio na parede. A manhã seguinte anunciava um belo dia. Estaria Lucas a completar 18 anos nesta data e desejava compartilhar com Matheus a intensa felicidade de tê-lo ao seu lado.
Levantaram-se, tomaram banho e saíram. Era domingo e muito havia o que ser feito. Queria aproveitá-lo, porque em sua data natalícia o dia estava lindo e outra vez as flores da primavera enchiam os olfatos do gozo íntimo e de beleza. A natureza é assim, ela ali está sempre todo o ano e em suas estações, mas é o ser humano quem envelhece...

FIM DO CAPÍTULO VII

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-6

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
VI
Saudades: Retorno ao Passado...
Seu sonho de tornar-se Presidente dos Estados Unidos esbarrava na Constituição do país, porque para ocupar tal cargo, era necessário ser natural da nação, ou seja, lá ter nascido: ele era tão somente naturalizado. Contentou-se em chegar, no máximo, ao cargo de Senador pelo Estado em que residia. Seu nome correu nos meios políticos como portador de grande inteligência, eficiência e dedicação ao trabalho, bem como o de ser um homem honesto em tudo o que fazia e dizia. Nada havia que manchasse sua reputação. No lar era atencioso e carinhoso com a esposa e os filhos, todos o amavam com profundidade. Certo dia, após o costumeiro almoço dos domingos, buscou o isolamento do terraço e se pôs a recordar tempos felizes de sua vida, em especial, dias vividos ao lado de Fernando Cintra. Grande saudade trouxe-lhe o pranto e, dos seus olhos, as lágrimas banharam sua face. Estava tão absorto nas reminiscências, que não percebeu a presença do primogênito ao seu lado.
- Por que chora, meu pai? – Perguntou Louis.
- Uma grande saudade se instalou em meu coração, filho – respondeu.
- De quem sente tanta falta?
- De meu pai. Estava aqui a lembrar-me dele, dos momentos felizes que vivenciamos juntos. Foi o melhor amigo que tive na vida, o homem que fez de mim, o que sou hoje.
- Lamento não haver conhecido meu avô – disse – deve ter mesmo sido uma homem excepcional.
- Certamente! - Foi tudo o que disse.
Pediu licença a Louis e se retirou. Seu coração batia forte, a saudade o remoía por dentro. Entrou no quarto e viu que Sara estava a dormir. Trocou de roupa e, sem que ela o percebesse, saiu na ponta dos pés, pegou o carro na garagem e ganhou a estrada. Estava precisando de solidão, necessitava curtir com toda intensidade aquela saudade. Tudo daria do que havia construído até então para ter outra vez ao seu lado, o inesquecível amor de sua vida. Deixou que o carro ganhasse velocidade e descobriu, à beira da estrada, a entrada de um bosque. Por este caminho seguiu até não ter mais onde colocar o carro. Estacionou debaixo de algumas árvores e abandonou o veículo. Andou que andou e chegou a um lugar cheio de belas folhas e protegido pela sombra. Sentou-se, elevou o pensamento ao alto e fez sentida prece : “Os anos passaram, eu envelheci, mas aquele menino que contigo conviveu, Fernando Cintra, ainda vive dentro de mim, assim como vivo estás em minhas lembranças. Meu amor é o mesmo, nada mudou...Ah, se pudesses romper as barreiras da Eternidade e voltar para mim... Juro, Fernando Cintra, tudo o que realizei até hoje foi puramente mecânico, sem ti ao meu lado nada me importa. Eu trocaria emprego, família, posição social, tudo, apenas para ter-te ao meu lado. Por que me abandonaste? Por que não venceste ao terrível mal que te vitimou? Por quê? Meus dias são escuros, minha vida é um fantoche... Mesmo assim, prossigo te amando e assim será até o final dos meus dias... Vem pelo menos em meus sonhos dizer-me que me escutas, se ainda em teu peito reside o amor que tiveste por teu filho... amo-te! Que Deus te tenha e cuide de ti... Amo-te!”
Permitiu que as lágrimas lavassem seu rosto. Longo tempo depois olhou o relógio e viu o adiantado das horas. Volveu ao carro e retornou para casa, já noite.
- Onde esteve, homem? – questionou Sara – Não vi quando você saiu.
- Fui dar uma volta – respondeu – intenso banzo apoderou-se de mim e eis que venho decidido a tomar uma resolução.
- Sobre o que decidiu? – Interrogou Sara.
- As empresas voltaram a fuçar-me em meu aspecto profissional – disse – eis que abandono a política e volto às minhas origens.
- Mas você é o Governador do Estado e tem o nome pleiteado para tornar-se Senador – Sara argumentou.
- Renuncio... não estou em paz comigo mesmo, além do mais a oferta de salário é irrecusável.
- Você sempre me ouviu antes de tomar suas decisões...
- Não desta vez. Amanhã mesmo entro com a carta de renúncia, nem sei mesmo porque me meti em política – concluiu.
Fez, no dia seguinte, como dissera a Sara no dia anterior. Com a família voltou a habitar a antiga residência, por sinal, uma enorme e confortável casa, propriedade que comprara há alguns anos . Voltou aos escritórios onde trabalhara como arquiteto projetista.
Não estava feliz, porém era o que gostava realmente de fazer.
Mais alguns anos se passaram. Há um ano estava viúvo, Sara morrera vitimada por uma mordida de cobra, não fora socorrida adequadamente. Seus filhos cresceram, casaram-se e ele estava só, vivia só, morava só.
Apesar de ser jovem, ainda, aposentara-se por problemas de saúde. Passou a sofrer do coração, pois, tivera um princípio de enfarte. Estava rico, quase milionário e poderia viver da maneira que melhor o aprouvesse. Contava 46 anos e pretendia colocar alguns planos em prática. Resolveu, de repente, retornar ao Brasil, mesmo contra a vontade dos filhos. Buscou em seus antigos papeis, documentos que lhe informassem o nome do banco e a conta poupança um dia aberta para si por Fernando Cintra. Encontrou-os. Descobriu através da internet o número do telefone da referida agência bancária e ligou. Queria falar com a gerência.
- Eu gostaria de saber se minha antiga conta ainda existe – pediu.
A gerência solicitou detalhes da conta e, em poucos minutos, obteve a resposta.
- Sim...- disse o funcionário – conta parada há muitos anos, mas com um grande saldo: 200 mil!
- Esta conta voltará a ter movimento. Estarei transferindo para ela neste instante o valor de 800 mil dólares. – Informou.
- Está bem, senhor. Pode fazer a remessa. Depois, quando possível, compareça à agência para fazer a atualização de seus dados cadastrais.
- Perfeito – concordou Matheus – quando eu puser os pés em Porto Alegre, farei isso. Muito obrigado pela atenção.
Depois que desligou o telefone, fez o que pretendia, transferiu o dinheiro. Posteriormente saiu, foi aos escritórios de sua Previdência e comunicou que estaria embarcando e que passaria a viver no Brasil. Solicitou que seus vencimentos fossem depositados na conta do banco em Porto Alegre.
Resolvidos tais trâmites, dirigiu-se a uma agência de viagens, levando consigo o passaporte. Comprou passagem e marcou a data da viagem: dois dias depois!
Um dia antes da viagem, convocou os filhos para uma reunião em sua casa. Fez a devida comunicação do seu retorno ao Brasil e deu a eles os documentos da residência, passando-a em seus nomes.
- Só levarei minhas roupas e objetos pessoais. Sobre os móveis e a própria casa, façam o que bem entenderem. Aos Estados Unidos não venho mais.
- Por que isso, pai? – Interrogou Ligia, a filha caçula.
-Motivos que somente eu posso compreendê-los. Caso sintam saudades de mim e queiram visitar-me, mandarei depois meu endereço fixo. Minha casa também será casa de vocês.
Dia seguinte, à noite, embarcava. Viagem cansativa e com várias escalas. Chegou em Porto Alegre quase ao anoitecer do dia seguinte. Hospedou-se num bom hotel e descansou. Despertou às 9 e meia do dia posterior. Tomou banho, arrumou-se, tomou no hotel mesmo o desjejum e saiu. Tinha em mente uma ideia fixa. Pegou um táxi e se encaminhou até o prédio onde, um dia, vivera com Fernando Cintra. Pagou a corrida e desceu. Foi até a portaria e falou com o zelador.
- Há algum apartamento aqui para alugar? – Indagou.
- Não há nada para alugar – disse o empregado – temos dois apartamentos vagos, mas que estão à venda.
- Em que piso ficam? – Outra vez perguntou.
- No último andar. Gostaria de vê-los?
No último andar... Certamente um deles era o apartamento em que residira um dia.
- Gostaria.
O funcionário do prédio o levou. Um dos apartamentos estava sujo e abandonado e, deste, Matheus logo desistiu. Foram olhar o outro, exatamente o que havia morado.
- Hum... disse – este está muito limpo e mobiliado...
- É. Esteve alugado até duas semanas atrás, quando o inquilino desocupou. O proprietário mandou limpá-lo todo e o mobiliou, totalmente. É uma mobília fina e é deste jeito que o quer vender. – esclareceu o zelador.
- Quanto ele pede pelo apartamento?
- Oitocentos mil, mas só vende à vista.
- Sem problemas. Você sabe como posso contatar o dono?
O zelador tudo forneceu a Matheus sobre o proprietário do imóvel. Imediatamente entrou em contato e, no dia seguinte, já estavam no cartório fechando negócio. Recebeu as chaves e retornou para o hotel. Pagou a hospedagem, pegou as malas e voltou ao apartamento, agora inteiramente seu.
“Que bom!” – pensou – “não preciso comprar nada, tem tudo, até tudo de cama, mesa e banho e tudo novo em folha.” Alojou-se nos aposentos que, um dia, dormira muitas e muitas noites com Fernando Cintra. Estava emocionado. Chorava. “Eis que retorno às raízes, pai. Pena não estares aqui ao meu lado para que minha felicidade seja completa.” Foi tomado de súbito por um sono incontrolável. Adormeceu. Sonhou. Sonhou com ele, com Fernando Cintra. O sonho tornar-se-ia, depois, vivo em sua mente. Como Fernando estava lindo!
Disse Fernando a Matheus no sonho:
“Meu amor por ti jamais se extinguirá. Voltaste às tuas origens, fico feliz com isto. Tens muito o que viver ainda. Algo muito importante acontecerá em tua vida, não renegues e nem tenhas dúvidas na hora de dizer um sim a ti mesmo no momento em que ocorrer. Espero isto de ti. Amo-te!”
Despertou com lágrimas nos olhos. Levantou-se. O sonho fora tão real que Matheus vasculhou todo o apartamento à procura de Fernando.
Decidiu tomar um banho, vestiu-se e saiu. Foi ao supermercado, porque precisava abastecer a geladeira. Logo retornou, comeu alguma coisa e ligou a tv a fim de assistir ao noticiário. Violência, esportes, política, coisas do cotidiano, porém uma reportagem mexeu com seus brios: “... toda a família pereceu no naufrágio, apenas escapando Lucas, um garoto de 13 anos, que não tem quem cuide dele.”
Então o repórter entrevistou o menino desamparado.
- Não há qualquer pessoa da família para cuidar de você, Lucas? – Indagou o repórter.
- Não! Meus pais eram filhos únicos, todos os meus avós são falecidos... – disse o menino.
Matheus encantou-se com a criança. Agora compreendia o recado de Fernando em seu sonho: “Não há dúvida, é para eu adotar este garoto.” – pensou. Como não havia trocado de roupa, desligou a tv e saiu. Pegou um táxi e se dirigiu à emissora que fizera a reportagem. Lá chegando, foi atendido por uma recepcionista.
- Boa noite – cumprimentou – como faço para falar com o repórter que fez a reportagem...?
- Se o senhor aguardar um pouco, logo o terá em sua frente. A equipe que fez este trabalho estará aqui dentro de poucos instantes. – esclareceu a recepcionista.
Esperou. Pouco tempo após, a reportagem externa chegava.
- Rui – disse a recepcionista – este senhor quer falar com você.
Matheus foi atendido pelo repórter e disse do que se tratava e do seu interesse em adotar Lucas.
- Mas que coisa boa – disse Rui – vamos, vou levá-lo até ele, agora mesmo.
Matheus entrou no carro de Rui que o levou até onde estava o garoto, internado num orfanato.
Desceram. Falaram com uma mulher que tomava conta das crianças que ali viviam e trouxeram Lucas à presença de Matheus.
- Lucas – falou Rui – este senhor quer conversar com você, ele tem interesse em sua adoção.
Lucas se aproximou ressabiado e sentou-se lado a lado a Matheus.
-Vi a reportagem, Lucas – Matheus disse – estou disposto a levá-lo para morar comigo, se assim for o seu desejo.
Lucas nada respondeu. Fitava-o da cabeça aos pés e tinha os olhos molhados por lágrimas que teimavam em não cair.
FIM DO CAPÍTULO VI

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-5

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
V
Amor e Morte... Transformações!
Chegaram as férias. Viajaram para os Estados Unidos. Durante 25 dias percorreram New York, San Francisco, Washington, Los Angeles, Las Vegas e Dallas. Foram à Flórida e conheceram a Disney e ficaram encantados. Conheceram bastantes pessoas e fizeram novas amizades. Sobre o diálogo daquela noite, não tocaram mais no assunto, o tempo se encarregaria de resolver as circunstâncias. De fato, estavam profundamente felizes. Agora um conhecia na íntegra o outro, sabiam da intensidade sentimental que os envolviam. Conheciam os limites. Não se passava em suas mentes o teor da aventura, tampouco se imaginavam amantes vulgares e, em seus corações, não se cogitava uma entrega total, até porque, não estavam ligados em apetites sexuais... Verdade que havia uma certa sensualidade, contudo de uma sensualidade que é própria do ser humano e mais diretamente controlada pelas emoções. O amor que os unia era embalsamado, acima de tudo, pelo respeito mútuo e pela admiração. Pode-se dizer, amor no verdadeiro sentido da palavra, totalmente imune às agressividades da sexualidade doentia.
Retornaram da viagem. Matheus estava mais adulto, amadurecia com cada passagem de sua vida.
A rotina voltara e os dias se iam em sequência.
Mais um ano se passou. Matheus completara 18 anos e 4 anos era o tempo que convivia com o pai, Fernando Cintra. Continuavam os mesmos: o mesmo amor, os mesmos abraços, os mesmos banhos juntos, o mesmo carinho. Era evidente que mais e mais Matheus se prendia a Fernando, mais e mais o amava, mais e mais o desejava só para si. Por outro lado, Fernando o entendia, sabia tratar-se de um sentimento igualitário ao seu, sem as nuances da promiscuidade, sem o tempero da maledicência, embora se tocassem e trocassem as mais efusivas carícias.
Resguardavam-se, evitavam tocar num assunto em que já se conheciam seus patamares e onde os alicerces se encontravam bem sedimentados e ancorados ao coração.
Era mais um dia de sábado, ambos estavam em casa. Matheus conseguira a habilitação e, agora, já dirigia o carro, contudo o caminho era sempre o mesmo, todos os dias: de casa para a universidade e da universidade para casa., ou então, quando saíam juntos para longos passeios aos finais de semana.
Foi o que propôs Fernando.
- Vamos dar um passeio?
- Vamos. Aonde iremos?
- O destino você escolhe – colocou Fernando.
Aprontaram-se e saíram. Percorreram cidades da área metropolitana , almoçaram na estrada e voltaram para casa. O tempo ameaçava chuva e concordaram que em casa estariam melhor. Eram 15 horas quando puseram os pés no apartamento. Logo Fernando o chamou para tomar banho. Após, puseram apenas uma cueca e se deitaram na cama de Fernando.
- De uns dias para cá – revelou Fernando – não ando me sentindo muito bem. Um constante mal estar me acompanha.
- Não é o estresse de trabalho? – Matheus perguntou.
- Pode ser... Não há de ser nada.
- Assim espero – disse Matheus.
- Coloca tua cabeça em meu tórax – pediu Fernando – assim posso acariciar-te os cabelos.
Matheus atendeu, porém seu coração pulsava forte.
- Sabe, pai, está aqui com você neste aconchego é algo muito gostoso. Esqueço-me de tudo...
- Eu digo o mesmo. Colocar a mão sobre seu peito e sentir seu coração pulsar alucinado como está, é algo indescritível para mim...
Entregaram-se a um momento singular, nunca antes vivenciado por eles. Tinham consciência de que havia entre eles um sentimento muito puro, sublime, verdadeiro. Um sentimento que não podia, jamais, ser comparado aos momentos fortuitos da vida, quando as pessoas se entregam apenas em busca das sensações que o prazer oferece, na maioria das vezes, de forma promíscua. Entre Fernando Cintra e Matheus havia um elo inexplicável, algo que o tempo edificou e que não havia palavras para dissertar a medida exata do amor que os unia.
Dosaram as tenções dentro das responsabilidades e do respeito que havia em si, um pelo outro. Permitiram-se acariciar livremente e percorreram de forma incondicional, seus corpos que sorriam felizes e que recebiam, em todos os pontos, o toque mágico da ternura. Não ultrapassaram, jamais, os limites da decência e do pudor, pois, sabiam ser infinitesimal o sentimento que os absorvia. Trocaram beijos no rosto e nas mãos, aos milhões. Horas e horas ali permaneceram até que, por impulsividade dos próprios organismos, houve a eclosão que sacia, de maneira incomparável, a sede do amor.
- Estou muito feliz... disse Matheus... só Deus sabe o tamanho do amor que tenho por você...
- Não estou em seu íntimo para mensurar, mas posso imaginar esta intensidade. É tão infinita quanto a imensidão do universo. Assim também é este amor que o devoto e que só o Altíssimo entende e abençoa! - Explicou Fernando Cintra.
Levantaram-se e foram tomar banho. Depois saíram para jantar fora. A partir de então, estavam entrelaçados na mesma corrente que tinha ligação com a divindade.
Alguns meses se passaram após esses momentos iniciais da intimidade que nascera entre eles. Muitas e muitas outras vezes repetiram, sempre na mesma sintonia e com a mesma força emotiva. Amavam-se!
No entanto, Fernando adoeceu. Estava fraco e prosseguia a reclamar do constante mal estar que o incomodava. Matheus levou-o ao médico, exames foram feitos, aí incluindo uma ressonância magnética. Fernando estava condenado: sofria de câncer e seu estado era terminal. Profundo abatimento se apossou de Matheus. Seu pai estava morrendo!
Duas semanas depois Fernando falecia para o desespero de Matheus. Em estado de choque, nem pôde comparecer aos funerais e não foi dar-lhe o último adeus. Internou-se em casa e, temporariamente, abandonou seu curso na universidade. Estava sem saber o que fazer, nem aonde ir, totalmente desorientado. Deixou o tempo seguir. Jamais iria superar a perda daquele que lhe dera um nome e, afinal, daquele a quem profundamente amara.
Três meses após o desenlace de Fernando foi que tomou consciência de que muito havia a ser feito. Buscou os documentos que Fernando lhe deixara e se inteirou da poupança e recebeu o seguro de vida: 500 mil. Tudo depositou e voltou a frequentar normalmente o curso de Arquitetura. Precisaria de conclui-lo e, para isto, não mediria esforços. Faria isto em memória de Fernando.
De fato fez. Contava agora, 22 anos, prestes a completar 23. Não saiu do apartamento em que residira com o pai, renovando sempre o contrato para dele ter a mais viva lembrança. Compareceu à Colação de Grau por uma questão de ser uma imposição de formatura, porém não tomou parte de mais nenhum evento a respeito. Estava graduado e isto era o que importava.
Três meses após a graduação, recebeu um convite para fazer parte do quadro de funcionários de importante representante de uma montadora de veículos. Aceitou, o salário era tentador e ele trabalharia com arquitetura, desenhando modelos de automóveis. Seu trabalho impressionou tanto que foi convidado a trabalhar nos Estados Unidos, diretamente com a própria empresa. Desfez-se de tudo, entregou o apartamento e viajou. Uma nova etapa estava a surgir em sua vida. Na terra de Tio Sam conheceu Sara, uma americana belíssima que por ele se apaixonou à primeira vista, e vice-versa. Casaram-se, montaram um lar e uma nova existência se descortinava diante dos seus olhos. Antes mesmo de completar um ano de matrimônio, Sara trazia ao mundo Louis, seu primeiro filho. Pela ordem chegariam: Carol, Andrew e Ligia.
Estava aparentemente feliz. Sara não poderia mais engravidar e, agora, sua missão era cuidar da educação dos rebentos. Jamais contou a Sara qualquer coisa em relação ao seu passado, isto ele levaria para o túmulo, todavia nunca se esqueceria de lembrar Fernando, para ele, o único e verdadeiro amor de sua vida. Mentalmente lhe dirigia preces e pedia ao seu espírito que o abençoasse e o protegesse durante sua permanência na terra.
Os anos correram. Matheus acabara de completar 30 anos. Há algum tempo houvera conseguido o Green-Card e se naturalizara cidadão americano. Fora convidado a enveredar pela política e impôs uma condição ao chamado: que sua atuação política não interferisse em sua vida profissional, pois, amava o cargo de projetista que desempenhava na empresa onde trabalhava. Fez tanto na política que findou tendo que optar: ou a política ou projetista de automóveis. Optou pela política e logo se tornou Prefeito de importante cidade americana. Sua ambição nos meios políticos era estar perto da Casa Branca, menos tornar-se Presidente, pois, sua condição de naturalizado não o permitia realizar tal sonho. Enquanto isso, seus filhos cresciam e Sara, a cada dia, mais era apaixonada pelo marido. Após o período na Prefeitura da importante cidade, tornou-se Governador do Estado e, de passo em passo, lentamente, via seus planos se concretizarem.
FIM DO CAPÍTULO V

domingo, 3 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-4

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
IV
Alegrias e Confissões...
Dias depois seguiram para Santiago, Chile e Montevidéu, Uruguai, encerrando o período de férias. Retornaram num sábado, chegando em Porto Alegre, exatamente às 17 horas. Teriam, então, o restante do sábado e o domingo inteiro para descansar e se prepararem para o reinício das atividades na segunda-feira. E o retorno os pegou cheios de preguiça, embora só no horário da tarde devessem enfrentar os compromissos, rotinas da semana.
Fernando Cintra andava meio preocupado. Matheus, aos poucos e através de suas palavras, ia aprendendo coisas novas, ia aprendendo a lidar com a realidade. Realidade que em muitas situações é gratificante, mas, noutras, plenamente desconfortáveis. Por diversas vezes Fernando o orientou a não aceitar, de quem quer que fosse, caramelos, chocolates, refrigerantes abertos sem ser em sua presença. Com isto, Fernando o preservava das drogas, mundo cão que assedia e arrasa os jovens em clubes, escolas, academias e outros recintos. A recíproca por parte de Matheus sempre fora excelente, posto que obedecia na íntegra tudo o que Fernando o instruía. Por que, então, Fernando se mostrava preocupado? Que razões tinha ele para manifestar-se tão apreensivo? Simples! Matheus era um garoto belíssimo: boa altura ( 1,77 cm), pele clara, cabelos castanhos ondulados que causavam inveja, olhos cor de mel. Tinha o peito largo e liso e todo o corpo bem dividido. Este era o seu medo! Matheus chamava bastante a atenção de ambos os sexos e, numa dessas seduções que a vida coloca, poderia ver-se ele, de repente, presa fácil para os seus admiradores, entretanto, os dias se passavam sem quaisquer novidades quanto a estes aspectos... De qualquer modo, era bom sempre estar atento às coisas que surgiam. O que finalmente o tranquilizava, era ser Matheus positivamente confiável e não guardar dele, Fernando, segredos de espécie alguma. Tudo lhe contava, pedia opiniões, dividia, compartilhava, fosse qual fosse a temática.
Assim as etapas foram sendo vencidas e mais um ano se passou. Contava, agora, Matheus, 16 anos. Estava mais lindo e encantador e, também, mais esperto e experiente, apesar de prosseguir mantendo a sete chaves sua virgindade. Seu corpo era um mistério que deixava atônitos meninos e meninas. Driblava-os com argúcia e apenas Fernando, seu pai, tinha acesso a estes enigmas tão desejados... tão ardentemente desejados e sonhados!
Certa noite, Fernando o encontrou em casa profundamente pensativo. Não arriscou nada perguntar, sabia que ele, vinha lá, vinha cá e terminaria por abrir seu coração, já que por íntimo que fosse, não escondia segredos de Fernando.
- Acabei de chegar, já tomou banho? – Perguntou Fernando.
- Ainda não – respondeu – estava esperando que você chegasse para tomarmos juntos.
- Então vamos, pois, estou morto de fome e quero comer. Há algo especial para nós hoje?
- Comprei tapiocas com queijo numa padaria que fica perto da escola e bolo de milho, sei que você adora. – Respondeu Matheus.
Despiram-se e entraram no banheiro e, durante o banho, Fernando observava atenciosamente o quão belo que ficava a cada dia.
- Você está muito lindo, sabia? Seu corpo é de fechar o comércio, é de encantar qualquer cristão. – Falou Fernando.
- Só você eu permito ter olhos para ele, das outras pessoas morro de vergonha, como você está careca de saber.
- É, sei disso. Você está se guardando para o amor de sua vida.
- O amor de minha vida é você... sempre será!
Terminado o banho, colocaram cuecas e foram à cozinha. Lá se fartaram e vieram para a sala, onde começou a rolar o diálogo que Fernando já esperava.
- Preciso dizer uma coisa a você e pedir orientação – Falou Matheus.
- Fale – disse Fernando – você sabe que estou sempre à sua disposição.
- Estou entre a cruz e a espada – confessou – com o coração dividido.
- Paqueras? Namoro à vista? Quem são as gatinhas?
- Antes fossem duas gatinhas – colocou – uma é, mas o outro lado é um garoto. Por favor, não me crucifique...
- Nunca o crucificarei, Matheus – falou Fernando – seja lá quem você escolher, terá meu integral apoio. Não tenho preconceito, o amor é livre, devemos seguir o que o coração deseja. Quem são eles?
- A garota é Fátima, uma novata que entrou na escola este ano. Ela é linda, mexe muito comigo. O garoto é Demetrius, de outra turma e um ano mais novo que eu. Ele é lindíssimo e, também, mexe muito comigo. Não sei o que fazer, estou deveras dividido.
- Que idade tem Fátima?
- A mesma que a minha.
- Já houve declaração de alguma das partes?
- Não e este é meu medo... Não saberia dizer sim a um sem deixar de pensar no outro. Isto me confunde bastante.
- Deixe as águas rolarem. Momento chegará, com o passar dos dias, que você se resolverá por um dos dois. E Demetrius, ele demonstra ter características, digamos... que não sejam de hétero?
- Não, ele é absolutamente discreto. Se ele possui tais evidências, estas estão muito bem camufladas.
- E como você sabe que ele está afim de você?
- O olhar tudo revela, não é mesmo?
- Com certeza. Não se preocupe com estas coisas, como eu disse, deixe as águas rolarem, no instante exato você saberá a quem realmente quer, ou passa e se perde no tempo...
- Obrigado- agradeceu – sinto-me aliviado agora.
E se deitou no sofá com a cabeça no colo de Fernando, que ficou a acariciar seus cabelos e o rosto.
- Vou dormir em sua cama hoje – pediu – necessito demais do seu carinho.
- Você dorme em minha cama sempre que quiser. Também tenho algo a dizer a você.
- Diga.
- Desde que recebi meu primeiro salário deste emprego que venho depositando todos os meses numa poupança que abri para você, uma certa quantia.
- Por que faz isso?
- Porque nunca sabemos o dia de amanhã. Caso eu falte hoje, você não ficará desamparado, terá com o que se mover até ter condições de possuir o próprio sustento. Há também um seguro de vida em seu nome, no valor de 500 mil.
- Você está se agourando?
- Não estou, estou deixando um começo de futuro para você, só isso.
E mostrou a Matheus onde ele encontraria tais documentos caso um dia deles necessitasse.
- Você vai viver muito, meu pai. Vai ficar velhinho e arrastando bengala e eu dando a você tudo o que você me deu um dia.
- Do futuro apenas Deus sabe, nós não. Vamos dormir, estou com sono.
- Eu também.
Levantaram-se e foram para a cama. Logo o sono dominou a ambos.
Alguns meses se passaram e Fernando conseguiu novas férias, mas não sabia o que fazer com elas, não estava com ânimo para viajar... além do mais, Matheus estava em aula e faltavam poucas semanas para o vestibular. Depois de muito pensar e trocar ideias com Fernando, Matheus chegou à conclusão que queria cursar arquitetura, pois, sabia desenhar muito bem. Os dias avançavam e chegou o momento de prestar os exames na universidade. No íntimo, Fernando não sabia ser fácil a aprovação, porque Matheus não era dado aos estudos, apenas
estudava para não decepcioná-lo. Matheus fez as provas, agora aguardava os resultados, que não sairiam tão rapidamente. Fernando retornou ao trabalho, mais dois meses se passaram e em janeiro, após os festejos de final de ano, a grande notícia. Eram 7 horas da manhã, estavam ainda dormindo quando o telefone tocou. Era o diretor da escola, professor Farias.
- Alô,? É Matheus?
- Sim, o próprio. Com quem falo?
- Desperta, rapaz, você foi aprovado em Arquitetura, meus parabéns!
- Obrigado!
Matheus desligou o telefone e correu para o quarto de Fernando.
- Pai, pai, acorde – disse eufórico – passei no vestibular!
Fernando deu um pulo da cama. Já se levantou com os olhos cheios de lágrimas, de tanta felicidade.
- Que bom! Que bom! – pulava e dizia – Que bom! Parabéns!
Deu-lhe um forte abraço. Ambos choravam como duas crianças.
- Vamos tomar banho – disse Fernando – logo sairemos, tenho uma surpresa para você.
- Qual?
- Você verá!
Terminaram o banho mais gostoso dos últimos tempos. Estavam radiantes de alegria.
Após o banho, vestiram-se e saíram. Comeram qualquer coisa na rua. Fernando o levou a uma agência de automóveis e pediu a Matheus que escolhesse um.
- Você vai cometer esta loucura? – Indagou Matheus – Eu só tenho 16 anos.
- Vou – respondeu Fernando – Enquanto você for menor, eu dirijo para você, minha carteira ainda é válida.
Compraram um Clio, seminovo, com 1.000 quilômetros rodados. Trouxeram o carro para casa e não cabiam em si de tanto contentamento.
Os meses corriam. Matheus completou 17 anos e, em poucos dias, três anos fazia que estavam em Porto Alegre. Iniciaram-se as aulas na universidade logo após o período de matrícula e, por tabela, igualmente se encerraram para Matheus as manhãs em casa. Passou a acordar cedo todos os dias e só retornava ao lar no finzinho da tarde. Era uma nova etapa de sua vida, uma etapa que marcaria profundamente seu futuro. Outra vez passou por aqueles instantes de pouco contato com Fernando e tal fato o aborrecia tremendamente. Seu pai era a luz dos seus olhos, o ar que respirava, a grande odisseia de sua vida. Ultimamente andava irritado, de cara feia e mal falava com as pessoas com quem conversava, exceto Fernando. Não mais suportando aquele isolamento, à noite desabafou:
- Estou uma pilha de nervos – disse – não estou suportando só ver você à noite. Um imenso vazio me domina, fico em ponto de enlouquecer.
- Tenha calma – pediu Fernando – está chegando julho, tempo de férias e nós poderemos viajar.
- Não sei mais o que fazer – replicou – nunca mais tomamos um banho juntos, adoro tomar banho com você.
- Eu acho que aí dentro deste coração há algum segredo que você nunca teve coragem de me revelar. Acertei?
- Por que você pensa assim?
- Pela maneira como você se comporta sempre que passamos, por exemplo, alguns dias sem tomarmos banho juntos.
- E o que você acha que seja? – Interpelou Matheus.
- Um grande amor reprimido, um sentimento avassalador que o destrói em seu íntimo por ter de guardar conveniências.
Matheus não se segurou mais. Fernando o atingira em cheio, deixando-o totalmente descoberto em relação aos seus sentimentos. Abraçou Fernando e, convulsivamente, chorou em seu ombro. Era algo que ele nunca desejaria abrir, tamanho o respeito e a admiração que nutria por Fernando. Sua alma estava despedaçada, encontrava-se em frangalhos, seu âmago totalmente a mercê do pai e, ao mesmo tempo, um grande temor o assaltava, o receio da repulsa, a indignação de ver-se banido e enterrado dentro dos próprios sentimentos.
- Desculpe-me – pediu Fernando – eu não queria magoá-lo, longe de mim tal sentido em relação a você. O que tem a dizer-me?
- Tudo e nada! – respondeu – estou simplesmente ao seu total controle. Quando digo tudo, eis minha grande aspiração; quando digo nada, vejo todas as minhas esperanças serem sufocadas por uma rejeição.
- Quem disse que eu o rejeito? Eu o amo, você é a pessoa mais importante para mim. Hoje eu vivo encoberto por sua sombra. Nada mais desejo desta vida, a não ser você!
Matheus não esperava por esta declaração de sentimento. Não imaginava que Fernando o amasse tanto quanto ele, no mesmo nível e com as mesmas aspirações.
- Venha- disse Fernando – venha fazer o que há muito sente falta, venha tomar banho comigo.
Tomaram banho em silêncio. Enxugaram-se, vestiram-se e foram dormir. As revelações da noite precisavam de ser analisadas, pensadas e mensuradas no mais profundo de seus íntimos.
FIM DO CAPÍTULO IV

sábado, 2 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-3

ENTRE E CRUZ E A ESPADA
III
Adeus à Inocência...
Um ano completou que Fernando Cintra morava em Porto Alegre. O relacionamento com Matheus cada vez mais grudento, isso porque o garoto estava, a cada dia, mais apegado ao pai. Fernando era tudo para ele: o orvalho da manhã, o sol que bronzeia a pele, a chuva que alimenta os prados, o canto dos pássaros, a lua dos enamorados, as flores da primavera. Nada fazia sem que Fernando estivesse em primeiro plano, tudo girava em derredor de Fernando Cintra. Por sua vez, Fernando tinha certeza de que ganhara de Deus um tesouro. Tesouro que ele relutaria em ter de dividir um dia com alguém. Não admitia sequer pensar nessa hipótese, todavia, sabia, em seu íntimo, que Matheus cresceria,
amadureceria, namoraria, casaria, teria filhos... ah! Este pensamento o atormentava dia e noite. Era como retroceder ao passado, no tempo em que vivia solitário. Temia a solidão, não desejava mais tal experiência para si mesmo. Houve uma mudança em seu horário de trabalho, passou a trabalhar em um só expediente, o da tarde. Teria, agora, momentos livres e isto significava mais tempo ao lado de Matheus, no momento com 15 anos. Trabalhava das 12 às 19 horas, de segunda à sexta-feira. Os finais de semana eram deles e eles aproveitavam para viajar.
Conheceram Canela, Gramado, Canoas, São Borja e outras cidades gaúchas.
Numa sexta-feira, ao chegar em casa, trouxe uma novidade para Matheus.
- Vamos conhecer Buenos Aires? – Disse.
- Nós dois?
- Claro, filho. Entrei, a partir de hoje, em gozo de férias. Temos 30 dias para viajar e curtir a natureza. E o melhor de tudo, é que você também entra de férias da escola...
- Verdade! Hoje foi o último dia, agora só em agosto.
- E as notas, como estão?
- Você sabe que não gosto de estudar, mas para não decepcioná-lo, não
há recuperação. Passei em todas.
- Ótimo! Segunda-feira sairemos cedo e faremos duas coisas: compraremos as passagens e providenciaremos os passaportes.
Neste final de semana não saíram, ficaram dentro do apartamento onde dialogaram, brincaram e assistiram a filmes pela tv fechada. Na segunda, bem cedo, estavam na rua, providenciando os detalhes da jornada. Compraram as passagens e conseguiram os passaportes. Viajariam quarta-feira, à tarde.
A viagem fora ótima e ficaram hospedados em um hotel no centro de Buenos Aires. Passeavam, fotografavam, curtiam em detalhes a cidade. Travaram conhecimento com um casal de brasileiros e dois filhos, do Rio de Janeiro. Os dois filhos do referido casal eram Wilson e Raquel. Wilson tinha a idade de Matheus e Raquel, 17. Ambos ficaram tomados de amores por Matheus que, inocentemente, não os percebeu além de uma simples amizade. Em um domingo foram todos passear pelos campos nos arredores da cidade e Raquel teve uma oportunidade única.
- Você é lindo, sabia? – Disse.
- Eu? Você enxerga bem? – Matheus perguntou.
- Lógico. Se estou dizendo que você é lindo, é porque realmente é lindo. Quero um beijo!
Ingenuamente Matheus a beijou no rosto.
- Não é no rosto... quero um beijo na boca! – Exigiu a moça.
- Ah, - disse Matheus – Isso é coisa de pessoas casadas, nós somos solteiros....
- Que desgraça é esta que está a dizer? Quer me dizer que nunca beijou uma garota na boca? – Raquel indignou-se.
- Não, nunca beijei e não vai ser agora que farei isto...
Mas Raquel não se conteve e desejava um beijo de Matheus, nem que fosse roubado. E o agarrou pela cintura e tentou beijá-lo a força...
Neste instante Wilson se aproximava e observou a cena. Matheus a empurrou e ela caiu sentada no chão.
- Grosso! – disse – Você parece que não é homem...
- Chega! – interveio Wilson – você foi longe demais, Raquel.
- Como? Você não viu que ele me empurrou? – Tentou defender-se a moça.
- Assisti a todo o espetáculo – afirmou Wilson – você tentou beijá-lo a força, ele não queria...
- Dois idiotas – Raquel disse – E dali se afastou.
- Peço desculpas por minha irmã, ela é assim mesmo, quando cisma com uma coisa...
- Deixa para lá – Matheus desculpou – vamos sair daqui.
- Não! – pediu Wilson – fiquemos mais um pouco.
E ambos se deitaram na relva e ficaram a dialogar.
- Você não tem namorada? – Wilson quis saber.
- Não, não tenho. Por quê?
- Porque é inadmissível um garoto bonito como você é ficar sozinho...
- Quem disse que estou sozinho?
- Você acabou de dizer-me que não tem namorada...
- Pelo fato de eu não ter namorada, isto não significa que esteja só. Vivo com meu pai!
-Ou você não entende o que a gente fala ou faz de conta que não entende...
- Realmente eu não entendo. – disse Matheus – o que você quer dizer?
- Não sou de floreios e vou direto ao assunto: estou afim de você... você dá uma chance a mim?
Matheus assustou-se e se levantou. Entendera, finalmente, o que Wilson queria.
- Você está louco? Somos dois homens...
- Os homens também fazem amor. – disse Wilson.
- Podem até fazer, porém eu não faço amor com outro homem, desculpe...
- Seu pai não orienta você para a vida?
- Orienta sim e muito bem. Por isto mesmo que não faço amor com outro homem. Se você não tem outro assunto para conversar, vou-me daqui. Até logo!
- Espere! – pediu Wilson – Deixe-me, ao menos, vê-lo nuzinho...
- Que barbaridade! – até logo!
Matheus saiu apressadamente dali, contudo Wilson estava em seu encalço, lá na frente o alcançou.
- Ei, Matheus, tudo isto é normal, seja compreensivo...
- Nada tenho para ser compreensivo, deixe-me em paz.
- Enquanto o tiver por perto não vou desistir, você é lindo demais e meu libido fica assanhado.
Por sorte, naquele instante, Fernando chegava em companhia do casal, pais dos jovens.
- Que foi, Matheus? Por que está tão agitado?- Fernando perguntou.
- Já ficamos o suficiente em Buenos Aires, vamos embora daqui. – Matheus pediu.
Percebendo que Matheus não estava bem, Fernando solicitou licença ao casal e voltou para o hotel. No quarto, Matheus desabou em seu ombro e deixou as lágrimas rolarem.
- Diga-me o que está ocorrendo, filho – Fernando pediu.
E Matheus, mesmo chorando, tudo relatou.
- Eles se apaixonaram por você, foi isso, todavia, se você não os quer, não há quem possa obrigá-lo.
- Evidente que não os quero – confessou Matheus – não vivo a pensar nessas coisas.
- Sabe, Matheus – falou Fernando – precisamos de ter uma conversa sobre esses assuntos.
- Com você até converso, com eles não.
Como Fernando notou que Matheus ainda estava bastante agitado, deu-lhe um comprimido calmante e o levou para tomar banho. Durante o banho, tentou explicar-lhe algumas coisas, Matheus recebeu bem as palavras de Fernando.
- Você já tem 15 anos, necessita de saber dessas coisas, filho.
- Está bem... Que mais tenho de saber?
- Não esconda nada de mim, preciso mais do que nunca de sua sinceridade a fim de que possa ajudá-lo em algumas coisas.
- Jamais deixarei de ser sincero com você, jamais!
- Então me diga: você já se masturbou alguma vez em sua vida?
- Não, nunca. Sempre me disseram que isso é pecado.
- Pecado coisa nenhuma. Isso é mais do que normal em garotos de sua idade. Se nunca se masturbou, então nem sabe se já possui esperma, o que certamente já, mas está entocado.
- Não, não sei. Como faço para saber?
E Fernando lhe disse o que deveria fazer e ele na mesma hora fez a experiência.
- Em minha frente, não fica envergonhado?
- De nada tenho vergonha de você.
Consumou-se. Sujou-se intensamente e foi necessário molhar-se e ensaboar-se outra vez.
- Viu como tem bastante esperma?
- Vi e estou espantado – Matheus disse.
- Duas coisas: Nem é para ficar espantado e nem é para, antes do tempo, colocar esperma dentro de uma garota, pois, assim sendo, você a engravida.
- Isso eu já sabia, só. Somente não sabia que tinha tanto esperma.
- É gostoso, não é?
- Muito gostoso, uma sensação agradabilíssima...
- Não faça isto todos os dias, porque enfraquece e, quando em exagero, emagrece e enche você de espinhas.
Terminaram o banho e retornaram para o quarto, onde se vestiram.
- Ainda quer ir embora de Buenos Aires? – Fernando perguntou.
- Se aqueles dois continuarem a dar em cima de mim, iremos para outro lugar, combinado?
- Combinado. Agora vamos descer para a janta.
Fernando e Matheus não viram mais os cariocas. Após o jantar, foram dar uma volta pela cidade onde comeram pipoca e beberam refrigerantes. Por volta das 22 horas estavam de retorno. Tomaram outro banho e se deitaram para dormir.
Antes de conciliarem o sono, ainda trocaram algumas palavras.
- Matheus, você estará cursando o 3º. Médio no próximo ano, vai fazer vestibular. Já pensou no que quer para o futuro?
- Ainda não. Sobre isso, muito temos sobre o que dialogar. Vou precisar muito de sua orientação.
Fecharam os olhos e... adormeceram!
FIM DO CAPÍTULO III

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Entre a Cruz e a Espada-2

ENTRE A CRUZ E A ESPADA
II
Mudança de Ares
“Meia noite acorda um francês, sabe da hora, não sabe do mês, tem esporas e não é cavaleiro, cava no chão e não acha dinheiro.” É o galo que canta todos os dias naquele horário costumeiro, como se estivesse a seguir os ponteiros de um relógio. E foi com o canto do galo, à meia
noite, que Matheus despertou e não conseguiu mais adormecer. Olhou ao seu lado e viu que Fernando ressonava em sono profundo. Lentamente se levantou e caminhou até a sala e abriu a janela, pondo-se a respirar o ar puro . Vislumbrava em sua mente seu passado e as recordações deixavam-no com lágrimas nos olhos. Bem nítidas as imagens do pai e da mãe e, um pouco mais distantes, a da irmã. Interessante como a vida mexe e remexe com o destino das pessoas, ora as tornando felizes, ora as abandonando ao relento. Matheus começou a refletir sobre seu próprio destino, até onde a existência o havia posto. Agora tinha um novo nome,
um novo pai, novas aspirações... Era conscientemente grato ao que Fernando fizera por si, talvez se houvesse caído noutras mãos, as coisas tomassem outros rumos, ou voltariam às de outrora. Realmente, o famoso chavão que a criatura humana atribui à Divindade: “Deus escreve
certo por linhas tortas.” Buscou em sua mente ainda infantil trazer à lume uma interpretação plausível para tais dizeres e chegou à conclusão que Deus não escreve certo por linhas tortas, Deus escreve sempre em linha reta, os homens são que tropeçam em suas próprias imperfeições, em suas próprias adversidades. O mundo não é torto, pensou, tortas são as criaturas humanas com seus atributos de egoísmo, hipocrisia, ambição, poder... Mergulhou numa outra linha de raciocínio e, mais uma vez, Deus era o pivô do pensamento central: “A justiça divina tarda, mas não falha.” Ora, matutou, a justiça divina não tarda, ela sempre acontece na hora
exata, no momento previamente traçado pelo Altíssimo. Falha, não! Não falhará nunca, pois, caso assim fosse, Deus não seria Deus. Como os homens são presunçosos, idealizam desejar entenderem os propósitos do Pai Celestial, isso não é dado à consciência humana, ainda nos
rastejamos e muito há o que se percorrer para que possamos nos aproximarmos, apenas nos aproximarmos, da Perfeição Eterna.
Matheus Cintra, 14 anos, somente uma criança e com tão elevado índice de raciocínio. Voltou a mergulhar na saudade do pretérito e percebeu quanto o Pai Amantíssimo houvera sido tão complacente em relação a si, livrando-o da morte certa, oferecendo-lhe uma nova oportunidade de recomeçar, de lutar em busca dos seus ideais e, ao seu lado, colocou não um qualquer, porém um homem que o acolheu, que o recebeu de braços abertos, que lhe deu tudo novamente a fim de que pudesse enterrar o passado. Juntou as mãos, olhou para o céu estrelado e agradeceu infinitamente à Providência seu destino. Cabia a si, agora, fazer jus à chance do recomeço e buscar na convivência diária do cotidiano, inicialmente o elemento gratidão, depois a faina e o desprendimento . Bocejou e se notou envolto de bastante sono. Fechou a janela e voltou ao quarto. Deitou-se e logo estava a dormir.
O dia amanhecera meio chuvoso e um friozinho gostoso invadia a cama. Matheus tentava encontrar uma posição melhor para sentir-se mais aquecido. Fernando Cintra abrira os olhos e diagnosticara a procura do filho. Solidariamente levantou sua coberta e disse baixinho:
- Hoje é sábado, podemos dormir mais um pouco. Venha, meta-se aqui debaixo do meu cobertor para agasalhar-se. Está muito frio.
- Obrigado – agradeceu – e se enfiou embaixo das cobertas de Fernando. Beijou-o no rosto, pôs a cabeça sobre o peito do pai – Sim, hoje é sábado, descansemos mais.
Estava protegido e logo adormeceu profundamente.
Fernando Cintra despertou por volta das 9 horas. Observou que Matheus dormia e não se mexeu. Deixou o tempo correr e que dormisse até a hora que quisesse. Eram 10 e 20 quando Matheus, finalmente, abriu os olhos.
- Bom dia! – disse-lhe Fernando – Dormiu bem?
- O que você acha? – retrucou Matheus – dormir num carinho desse é sentir-se protegido pelo resto da vida. Obrigado! Que faremos hoje? Tem algum projeto para o dia?
- Não tenho... você tem?
- Como está seu bolso?
- Hum... digamos que não esteja recheado, mas que tem o suficiente para fazermos uma programação diferente. O que você sugere?
- Sugiro passearmos pelo calçadão da praia, tomarmos água de coco e almoçarmos num self-service. Que tal?
- Adorei a ideia, mas... e à tarde?
- Dependendo de quanto tenha disponível, à tarde poderemos ir até o shopping e assistirmos a um bom filme...
-Excelente! E à noite?
- Bem, à noite... à noite... deixe-me ver...à noite poderíamos ficar em casa, prosear e jogar cartas. Que acha?
- Você distribuiu bem nosso dia. Agora levantemos e tomemos banho a fim de que possamos aproveitar da melhor maneira o que você nos traçou.
- Quer ir logo ou quer que eu vá primeiro? – Indagou Matheus.
- Tanto faz para mim... não quer tomar banho comigo?
- Pode ser – Matheus respondeu – não há segredos entre nós.
Encaminharam-se para o chuveiro. O banho foi gostoso e demorado. Enxugaram-se, vestiram-se e foram até a cozinha comer alguma coisa.
Saíram e começaram a pôr em prática o que houveram traçado para o dia. Passearam pelo calçadão, beberam água de coco, conversaram coisas de si mesmos e tomaram um delicioso sorvete. Posteriormente procuraram por um self-service e almoçaram bem. Retornaram para
casa e tomaram um novo banho, vestiram outras roupas e foram até o shopping. Como não havia filmes interessantes, resolveram jogar boliche e percorreram com os olhos as vitrines das lojas.
- Bonito este casaco, não é Matheus? – Perguntou Fernando.
- Muito lindo! Deve custar uma nota...
- Quer que o compre para você?
- Não! Não cometa esta loucura, é muito caro...
- Não quero saber se é caro... quero saber se você o deseja – Colocou Fernando.
- Entre desejar algo e poder tê-lo há uma diferença muito grande. – Matheus respondeu.
- Decidi: o casaco será seu!
Entraram na loja e Fernando comprou o casaco. Matheus ficara radiante.
- Você não existe! – disse – Obrigado!
Ao saírem da loja, olharam para o relógio. Eram exatamente 8 e meia.
- Puxa! – disse Fernando – nem notamos o tempo passar. Vamos para casa?
- Sim, está mais do que na hora.
Antes de chegarem ao pequeno apartamento na praia de Candeias, Jaboatão dos Guararapes, onde moravam, Fernando passou por uma banca e comprou algumas revistas e o jornal do dia. Chegaram em casa. Matheus era só alegrias com seu casaco novo.
- Queria todo filho ter um pai como você! – afirmou - estou muito feliz, sabia?
Fernando não deixou por menos.
- Queria todo pai ter um filho como você! Estou muito feliz também, sabia?
Abraçaram-se e trocaram beijos no rosto.
- Venha tomar banho – disse Fernando – depois você tem algo para comer na geladeira e estas revistas para ler.
Tomaram banho, alimentaram-se e ficaram na sala. Enquanto Matheus Cintra curtia a leitura das revistas, Fernando folheava o jornal e se deparou com uma boa surpresa.
- Matheus! Que coisa boa, Matheus! Nem esperava mais por isto...
- O que foi, pai? – Matheus perguntou.
- Estou sendo convocado para assumir um emprego federal... Quase dois anos que fiz esse concurso, já havia perdido as esperanças de ser chamado. Deus seja louvado!
- E para onde é? – Questionou.
- Receita Federal! Técnico alfandegário da Receita. Nossa vida vai mudar da água para o vinho...
- Que beleza, pai! – parabenizou – E o salário é bom?
- Doze mil e setecentos mais outras vantagens... Deve ficar em torno dos 15...
- Fico feliz por você, é um sonho seu que se concretiza.
- Mas... teremos de nos mudarmos.
- Para onde?
- Não sei ainda, vou tomar conhecimento na segunda-feira, dia que devo me apresentar para os exames de praxe.
- Vai levar-me com você?
- Isto é pergunta que se faça? Lógico, você é meu filho, estará onde eu estiver.
Começaram a fazer planos. A vida dava uma guinada bastante alta na vida de ambos. Eram todos sorrisos.
- Agora terei condições de oferecer-lhe uma vida digna. – Confessou Fernando – poderei realizar seus sonhos, comprar um computador, um bom som, dar-lhe uma bicicleta de marca e vesti-lo com as melhores roupas.
- Não necessita de gastar tanto comigo – Matheus disse – só sua presença para mim basta.
Outra vez se abraçaram e trocaram ósculos. Depois o cansaço e o sono os venceram e resolveram ir dormir. A noite foi tranquila. Despertaram no domingo às 9 e meia e passaram o dia em casa, não foram a lugar algum, contentaram-se com os programas de televisão e com suas presenças face a face.
Na segunda-feira saíram cedo. Fernando deixou Matheus na escola e foi ao prédio da Receita, apresentar-se. Ficou sabendo que houvera sido designado para ir trabalhar no Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Na hora do almoço fora buscar Matheus no colégio e, enquanto almoçavam,
contou-lhe as novidades.
- Então vamos beber chimarrão? Comer um bom churrasco e assistir a partidas de Grêmio e Internacional? – Indagou Matheus.
- Tudo isto e muito mais. Está feliz?
- Como não poderia estar? Se você está feliz, eu também estou... Se você está triste, eu também estou. Eu sou você! Quando partiremos?
- Daqui a uma semana e olha que já fui nomeado e já estou a ganhar.
Terminaram de almoçar e foram para casa. Fernando teria de começar a preparar as coisas para a viagem. Tomou uma decisão: venderia todos os móveis e os compraria tudo novo em Porto Alegre. Foi que fez. Em casa nada mais restava, a não ser as malas prontas para a viagem, nada mais. O governo ofereceu as passagens e, na segunda-feira seguinte, embarcaram pela manhã. Chegaram à capital do Rio Grande do Sul já anoitecendo e rumaram com as malas para uma hospedaria barata e aí ficaram até que recebesse o primeiro salário e pudesse comprar os novos móveis. Providenciou uma escola para Matheus que passara a estudar no período da tarde e alugou um bom apartamento às margens do rio Guaíba. A felicidade era a tônica de suas vidas. Logo um mês se passou e Fernando recebera seus primeiros proventos do novo trabalho. Aos poucos foi mobiliando o apartamento e o deixou muito bonito e arrumado. Agora cada qual tinha seu quarto, ambos com suíte. Comprou roupas novas para si e para o filho e os dias seguiam adiante. Tinham o dia inteiro só para eles. Fernando saía cedo para o trabalho em dois expedientes; Matheus acordava um pouco mais tarde, ia almoçar e rumava para a escola. Só se encontravam à noite, quando colocavam as coisas do dia um para o outro.
Certa noite Matheus o esperava ansiosamente. Fernando chegou um pouco mais tarde do que o costume, por volta das 21 horas.
- Ainda com a farda da escola? –Perguntou Fernando.
- Sim, tenho algo para conversar com você. É algo que está me machucando aqui dentro – E mostrou o coração.
- O que está acontecendo? Fale!
- É claro que estou feliz com minha nova vida, mas... faz tempo que não temos horas só para nós dois...
- Como assim? – Fernando indagou. – Seja mais claro.
- Estamos a dormir em quartos separados, nunca mais tomamos um banho juntos, faz tempo que não nos sentamos para dialogar como antes... Estou sentindo falta de tudo isso...
- Ah... por isso ainda está com a farda da escola... entendi... – disse Fernando – Também estou a sentir falta de tudo isso. Venha tomar banho comigo e hoje você vem dormir em minha companhia, está bem assim?
- Claro, é de tudo isso que sinto falta, sinto falta de você. – Respondeu Matheus.
Despiram-se e foram tomar banho, por sinal um longo banho. Enquanto Fernando o enxugava, disse-lhe:
- Preciso marcar médico para você.
- Médico para mim? E eu estou doente, por acaso?
- Não se vai ao médico só quando se estar doente – explicou Fernando – Eu quero que um endocrinologista o veja.
- Que tipo de médico é um endocrinologista? – Matheus interrogou.
- Você é um garoto de 14 anos, logo vai completar 15 e eu quero que o médico me diga se seu desenvolvimento hormonal vai bem...
- Claro que vai, veja... E levantou os braços e mostrou as axilas onde havia pelos que começavam a aparecer, apontou para os pelos púbicos como a dizer que os tinha em grande quantidade e mostrou o pênis, fazendo notar que não tinha fimose.
Fernando ria a valer.
- De quê está rindo? – Matheus inquiriu.
- De sua bobagem - replicou Fernando – É evidente que já percebi que você está bem, porém nunca é demais ouvir a palavra do médico.
- Você deixa eu desobedecê-lo pela primeira vez?
- Por que?
- Porque já entendi que para o médico dizer que estou bem, ele vai precisar ver-me nu... e eu não gosto...
- Está bem – disse Fernando – não quero contrariar você. Esqueçamos esse negócio de médico, certo?
- Você não fica aborrecido comigo? – Quis saber Matheus.
- Lógico que não! Como posso me aborrecer com o amor de minha vida? Você chegou para dar sentido ao meu viver, antes tão solitário e triste. Hoje não, tudo mudou. Antes eu trabalhava sem perspectivas para os meus dias futuros, agora trabalho feliz, porque tenho trabalhado para você e para ofertar-lhe o melhor que possa. Sua chegada em minha vida abençoou-me. Eu amo você!
Matheus chorava e o abraçou com carinho.
- Eu também amo você – disse – você salvou minha vida e abriu as portas para que meu destino tivesse um sentido. Nem sei o que seria de mim sem você... obrigado por tudo!
Terminaram o banho e foram até a cozinha comer alguma coisa, depois foram dormir conforme Fernando prometera.
Ligação de outras vidas? Quem sabe... Intenso era o amor que os unia, um sentimento tão forte que Matheus pouco se lembrava, agora, da vida de outrora. O amor remove montanhas!
FIM DO II CAPÍTULO