terça-feira, 19 de setembro de 2017

O PINGA-PINGA

O PINGA-PINGA
-Crônica-
Terrível sensação. Com defeito, a torneira da cozinha pinga e pinga... Pinga e pinga...
Meia noite. Em passos lentos, dirijo-me aos meus aposentos. Mas o pinga-pinga ficou lá, curtindo da minha paciência.
Apago as luzes. Deito-me. Porém a sonoplastia chega aos meus tímpanos, execrando-me. Percebo que o silêncio nada reclama. E o pinga-pinga lá, trotando a valsa da inquietude.
Cubro-me dos pés à cabeça. Tento tapar os ouvidos com o travesseiro, contudo com a emoção aguçada, o pinga-pinga é sonoro, ultrapassa os limites das confidências e reina
soberanamente. Pobre de mim!
Poderia, se quisesse, usar a expressão “coitado de mim”, porém não vou me entregar assim tão facilmente. Sou “duro na queda”. Ah, como o sou!
O pinga-pinga tem a ousadia de importunar-me. Viro e reviro no leito. Verdadeiro remelexo. E nada! Ele lá a cantar vitória. A essas alturas, meu sono... Que sono? Este foi dar
um passeio, visitar quem esteja bocejando. Minha realidade é controversa. Estou em apuros, a ponto de gritar e gritar...
Ouço agora o tique-taque do relógio. Três horas da manhã. E o sono ingrato tomou outro rumo, abandonando-me. Tragédia!
Minha mente se associou ao pinga-pinga e inicia-se a remoer reminiscências pretéritas. Vejo-me criança a cometer minhas traquinagens. Na mente, uma imensa tela se instala e
expõe imagens como se fossem atuais. Logo estou na adolescência a experimentar meus primeiros amores. Tudo numa fração de segundos. Uma vida inteira repassada num curtíssimo espaço de tempo.
Totalmente suado, levanto-me. Vou até à cozinha. Olho firme para a torneira. Lá está o pinga-pinga desnorteando minha madrugada. Raciocino rápido. Encontro uma toalha de
prato e amarro forte a tal torneira. O pinga-pinga estacou, no entanto só enquanto ensopava a toalha. Lá permanecia a ribombar minha audição: inconveniência!
Retornei à alcova. Como sabia que não iria conseguir dormir, liguei o computador. Percorri vários sítios em redes sociais e, num deles, um convite interessante: “ESCREVA SUA REDAÇÃO E PARTICIPE. AO VENCEDOR SERÁ CONFERIDO O PRÊMIO DE UMA VIAGEM AO EXTERIOR. QUINZE DIAS PARA CONHECER UM LUGAR À SUA ESCOLHA E COM ACOMPANHANTE. UM JÚRI
SELECIONADO FARÁ A CORREÇÃO DOS TRABALHOS. A INSCRIÇÃO É GRATUITA E O PRAZO SE ESGOTA HOJE. BOA SORTE. O TEMA É “O PINGO D’ÁGUA”.
Coincidência? Não sei. Não me contive. Desliguei apressadamente o computador e corri à cozinha. Como num passe de mágica o pinga-pinga havia cessado, por completo. E eu estava perante um convite. Minha cabeça ardia. Ainda sem sono, tomei de uma caneta e de uma folha de papel. Escrevi a redação e a enviei no dia seguinte. Estava inscrito.
Duas semanas mais tarde, à noite, novamente o pinga-pinga. Foi quando me lembrei do concurso. Eu o havia esquecido. Fui até o computador e o liguei. Busquei o sítio promotor. Lá estava o resultado: eu havia conquistado a primeira colocação...
Mais uma vez o pinga-pinga cessou. Definitivamente.
Só não estacou, até hoje, o pinga-pinga que há em meu olhar...
DE Ivan de Oliveira Melo

domingo, 10 de setembro de 2017

LEI NATURAL


 A meditação não é algo inerente à vigília da existência...

A alma é um ser pensante embora de reflexos abstratos.
O pensamento é cognitivo e por indução tem sua dialética

Que se encaixa numa doutrina incorpórea, quase niilista.
Às vezes remexe-se em purgação e postula o apologético
Como inspiração para atingir os degraus oníricos do Nirvana.

A priori qualquer axioma exige lógica em sua argumentação,
Contudo por analogia se pode compreender teores dogmáticos
E a práxis aliada à facticidade permite a autenticidade da gnose
Dentre verdades absolutas que combatem a exegese dos sofismas.

O ser humano é ontológico por sua própria natureza, sem dedução.
A substância etérea é monista cujo princípio fundamental é único,
Sem cabimento às intempéries dos misticismos... Eis a cosmovisão,
Fotografia da percepção em que seja possível uma palingenesia,
Ou seja, a ortodoxia de que a vida sempre se perpetua noutros corpos!



DE  Ivan de Oliveira Melo    

sábado, 9 de setembro de 2017

AMIONG THE SEASONS


After the wind stopped, ended the Fall.
Then I could see a Spring on my bed…
A lot of flowers were born and I happy
Because I understood: life wasn’t small.

Drops of rain wet my eyes: I was crying!
A great happiness took my broken heart
And the time said to me: it’s a lovely art
That you made with these words smiling!

From the sky the clouds covered the tears
So I could water the garden without fears…
In the bedroom an intensive smell reigned!

When Spring passed, Summer arrived soon…
During the day, the sun… At night the moon
Brought the passion and the love happened!



By Ivan de Oliveira Melo

COMISERAÇÃO


Perante o imenso espaço policromo
Há legiões de pensamentos desenxabidos,
A insipidez chega a atormentar ouvidos
E, o paladar sem vértice, fica sem dono.

Diante das nuvens se percebe balbúrdia
E na água dos olhos que cai nos charcos
É impossível remar com os velhos barcos
Que se perdem dentre trovoadas ruivas.

Pelos sendeiros da anatomia transcendental
Cada qual que purifique, cuide do seu quintal,
Pois há sementes que germinam preces...

Vultos e sombras intoxicam o metafísico
Já aglutinado pelas raízes do que é empírico,
Todavia justaposto por ideais que apetecem!



DE Ivan de Oliveira Melo

domingo, 3 de setembro de 2017

SEMIDEUS



Todos os dias em frente à minha casa ele passa.
Em seus lábios o doce sorriso de menino carente
E debaixo do braço carrega os livros e se sente
Como se fosse o dono da rua e da beleza esparsa.

Longos e lisos cabelos loiros esvoaçam ao vento
Enfeitando de formosura sua face meiga e branca,
Sua pele brilha diante de um sol que é esperança
Dos dias lineares que vão prestar contas ao tempo.

Em seus olhos azuis há um firmamento de estrelas
Que lhes dá a certeza de que o mundo é multicor
E feliz ele perambula e pulula com entender a dor
Que se estampa em muitos lares de sutis alamedas.

Vaivém diário o leva de ida e de volta aos estudos,
Contudo sua perene alegria enche o espaço de luz,
Pois é um garoto lírico pleno do bálsamo que seduz
Todos os olhares que observam o bailado de veludo.

Trágico deserto é o dia em que se percebe a ausência
Do tesouro que conquista pé ante pé gentes diversas…
O final de semana é de uma angústia intensa e imersa
No silêncio que atrofia a calma sem a jurisprudência.

Ah! Quando chegam as férias, inconcebível o horror
Que se instala nos íntimos que são seguranças da rua,
Ninguém fala ou espirra, tosse alguma tece ou atenua
A tristeza do ícone que locupletou o ambiente de amor.

Retorno às aulas… Lá vem ele e de volta os sorrisos…
É um ídolo natural que se impôs devido à sua fofura,
Lindo como nenhum outro que por ali transita e cura
Qualquer enfermidade que tencione despejar seu siso.

Certa manhã tudo ocorreu diferente… Ouviu-se a voz.
Grande foi o espanto que adentrou nos âmagos e se fez
Do alarido que ziguezagueou no ar um devaneio talvez
De ter entre os moradores o ser dono de todos os sóis…

De fato aconteceu… A formosura trouxe o que é talento
Para residir dentre admiradores que eram total tietagem.
Em todas as casas houve de se transformar a paisagem,
Porque a pura beleza tornou-se monarca, embevecimento.

O tempo consignou essa história… Todos viviam em paz,
Acabaram com o orgulho e o egoísmo, tudo reino do bem.
Ele era o motivo da aliança e tudo era de todos e ninguém
Era mais que outro… Tudo se compartilhava, eram iguais.

Aquela beleza me fascinava… Algo estranho era aquela tez.
Alguns anos mais tarde. O menino tornou-se um belo rapaz
E, num dia de festa em plena praça, diante de todos os sais,
Despiu-se. Mostrou o lindo corpo, abriu as asas e se desfez!

                                                                                                         De  Ivan de Oliveira Melo

sábado, 2 de setembro de 2017

HOMEOPATIA DOS BACANAIS




Deixo que a solidão salpique sobre a saudade cósmica
E, dentre os torvelinhos que me ferem a sensibilidade crônica,
Ouço os arrepios que gritam perante os charcos da noite atômica
Dissipando os eventuais matizes da estrutura meio gótica.

Convalesço dos atritos luxuriantes de minha alma hipotecada
Evocando os dissabores da tertúlia das grandes orgias paralelas,
Há delírios perpendiculares que cavam sentimentos em aquarela
Mediante os prazeres alísios que sopram durante a madrugada.

Os gemidos estão configurados às teclas inalienáveis da paixão,
Debruçados sobre os apêndices transfigurados das válvulas do coração
Contrariando os vértices isósceles que mantêm o apanágio do amor...

Salvem-se os orgasmos têxteis que provêm das finíssimas agulhas
Decodificadas dos segredos perpetuados do que outrora, pulhas,
Hoje convertidos em protótipos que combatem as vísceras do dor!



DE  Ivan de Oliveira Melo 

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

BORDADOS




Um bordado no firmamento: estrelas. Quem curte?
Difícil é encontrar um alguém que deveras espreite
Essa sensibilidade em que ainda há tamanho deleite,
Pois na sanha de hoje sensibilidade é apenas iogurte!

Só o poeta traveste as palavras... é maestro sensível...
Pouquíssimos afrontam a modernidade. Pura idiotice!
Aí está a razão pela qual prevalece o que é só fetiche,
Arroubo exótico dum prazer que sobrevive de fusível!

Natureza e metafísico respiram totalmente uníssonos...
Não são vagas... São bronzes prateados de finos sinos
Que tecem a harmonia deste cosmos tão depredado...

Bordados! Eis a sutileza dos astros, somente paisagens...
E uma sensualidade febril depauperada. Tudo miragens
Arroladas ao libido excêntrico de quem está enamorado!



DE Ivan de Oliveira Melo