quarta-feira, 29 de abril de 2020

ASTÚCIA


Dos lobos que uivam nas montanhas
Seria possível imitar-se seus tons?
Bem como o uivo dos ventos nas tempestades
Seria possível imitar-se seus sons?
Sussurrando, quiçá, a garganta alcançasse
O timbre melancólico de suas agonias...
Eis uma sonoplastia de uma melodia natural
Que traz à inspiração devaneios metafísicos...
Como se há de imitar-se a natureza gutural
Se o ser humano é apenas audiência no espaço?
O cosmos produz sensações inebriantes
Capazes de despertar o lírico fascínio
Pelas coisas que se acham acima das nuvens...
Processar-se esse silêncio infinitesimal
Requer uma garganta que suporte o grito:
Indumentária bélica dos desesperados
Que sobrevivem à mercê da fome e da sede!
DE Ivan de Oliveira Melo

terça-feira, 21 de abril de 2020

MEU TEMPO






Há um tempo em que a gente se descobre...

E, quando me descobri, pude sentir a vida
E, da vida, o que realmente ela é...

Quando me desvendei, fiquei atônito
E meu emocional navegou em piruetas
Para as quais, talvez, eu não estive preparado.

Quando me conheci, quiçá me desconheci,
Pois comecei a enxergar o mundo em derredor,
Senti que a responsabilidade de mim estava ausente
E que nem tudo o que apetece é saudável...

Quando me percebi, alegre e triste fiquei...
Pude entender as batidas do meu coração,
Pude compreender o medo e a coragem,
O constrangimento e a audácia, a dor e o amor...
Enfim, foi quando realmente comecei a me amar!



DE  Ivan de Oliveira Melo

sexta-feira, 10 de abril de 2020

TRAUMA E PECADO






Os traumas são horrendos; o pecado, sublime.
Morro quando peco, renasço logo em seguida
E vivo, assim, novos pecados em minha vida;
Viver é uma apologia que o pecado imprime...

Os castigos são traumas; o sonho, despedida.
Pereço quando sonho, ressuscito sem regime
E feneço e desperto, assim a vida me deprime
Nos anelos da morte, a existência consumida.

A felicidade é transtorno; a tristeza, alquimia.
Se sou triste na felicidade e feliz na nostalgia,
Traço dum paradoxo uma vida só de mistérios.

A pobreza é cadafalso; a riqueza, a obsessão.
Ser pobre é trauma que só anda na contramão
Do sublime pecado que alimenta os adultérios!


DE  Ivan de Oliveira Melo

SENTIDOS






Sempre houve em mim
A necessidade de teu olfato,
Pois teu cheiro embriaga-me...

Sempre houve em mim
O desejo de teu paladar,
Porque teu beijo é mel...

Sempre houve em mim
A vontade de sentir teu tato,
Porquanto tua pele é espuma...

Sempre houve em mim
A ambição de escutar tua voz,
Visto que teu timbre me encanta...

Sempre houve em mim
O sonho de ser teus olhos,
Posto que quero ser teu mar...

Sempre há em mim
O devaneio de tua presença,
Porque apenas em ti
Colho flores de primavera!


DE  Ivan de Oliveira Melo

domingo, 5 de abril de 2020

SOCIOPATIA




Um corpo em decomposição é uma delícia
Para os abutres que saciam a fome mórbida
Num apetite que elenca uma gulodice sórdida
Deveras incongruente a uma realidade fictícia.

Os corvos são senhores da carne apodrecida
E salivam do manjar os ingredientes da perícia
Que fazem antes de consumirem com malícia
Os restos mortais dos indivíduos que foram vida.

Receita boa dessa alimentação é a carnificina
Que, levada pelos ventos, jamais se contamina
Diante das egrégoras substâncias dum paladar...

O odor mefítico é o tempero que faz desse prato
O sabor favorito das jazidas fúnebres e insensato
Pirão do sangue coagulado desse bizarro pomar!


DE  Ivan de Oliveira Melo

ÚLTIMOS SUSPIROS


Minha alma pranteia num cosmos doentio
Ultrajada pela desfaçatez dos homens!
Sobreveio pela superfície vírus que consomem
As consciências e, as inconsciências, sem estio,
Se digladiam à mercê de politicalhas podres
Que enlameiam dignidades humanas com dissabores
Mefíticos os quais enojam a vida sem precedentes...
O instante requer equilíbrio, mas apenas picuinhas
Peçonhentas se alavancam em forma de piadinhas
Em que joio é trigo, trigo é joio dentro das mentes
Que, egoístas, não lutam por um ideal comum,
Contudo produzem escândalos sem sentido algum.
O planeta está enfermo! É hora de metamorfose...
Deixem-se de lado as economias e as ganâncias,
Enterrem-se as reflexões políticas, as circunstâncias
São imprevisíveis para o amanhã... Intensa escoliose
Desconhecida invade as nações e a falta de bom senso
Há de consumir, sem piedade, a todos, sem incenso...
Vivos, os homens podem erguer um novo mundo!
Mortos, dissipam-se ideais e o orbe ficará deserto...
Estender-se as mãos é o que há de sensato e correto
A fim de que se salvem deste anátema profundo!
Que os partidos e as crenças sejam um só hemisfério
E, então, milhões de seres possam fugir do cemitério.
São os poetas os profetas do mundo moderno!
Através da arte, a palavra é isenta de partido
Para que a mensagem possa ter o teor bem definido
E arrebanhar do homem o pensamento incerto...
É a vereda auspiciosa da existência sem utopia
Que traz o bálsamo da inspiração e da alforria.
Ainda há tempo, mas as horas urgem cronometria!
Por isso, minha alma pranteia aos corações sórdidos
Imantados de ilusões! Transformem-se, extirpem os mórbidos
Prazeres e, uníssonos, retratem-se desta ignóbil fotografia
Que põe em risco a sobrevivência humana sobre o planeta
E que, no final, possam todos voar como colibri e borboleta!
DE Ivan de Oliveira Melo