quarta-feira, 30 de abril de 2014

VULTO


Que me importa o martírio
Se durmo solitário sobre pedras?
Que me importa a morte
Se meu nome é dilúvio
Que se afoga sobre a sede das multidões?

Que venha o sol alimentar as pastos
E soerguer a vida nas campinas...
Que venha a chuva apagar o holocausto
Que bronzeia os corpos mefíticos
Atolados no lamaçal das carnificinas...

Que me importa a lua
Se a noite é penumbra sem sombra?
Que me importa o orvalho
Se a sobrevivência do homem está em coma
E se o pão que sacia a fome
Apodreceu no inóspito deserto?

Que venham as preces nutrir a esperança
Que adormeceu no mausoléu do vício...
Que se ergam doutrinas e púlpitos
Porque a palavra tornou-se desperdício
E o amor que vivia entocado hoje é vulto!


Voto: Consciência

Eu não minto... também não falo a verdade,
Assim me liberto de todos os compromissos...
Tamanha covardia é o homem manter-se omisso
Quando o mundo arde labaredas de adversidades!

Cretino é aquele que pulula em cima do muro
E traça oportunidades do que possa ser a vida,
Fazem do canhestro espírito pedante arte destemida
E não se envergonham de ver o mundo caótico e de luto!

Os templos vivem cheios de malabarismos e hipocrisia,
Politiqueiros abrem a boca para dizer o que não deviam
Em fundos falsos em que as palavras engordam, doentes...

O voto é a consciência que grita atributos da razão,
Arma poderosa que bem atirada transforma uma nação
E faz do povo lavrador que fomenta com orgulho esta semente!


Flecha


Vou sangrar teu coração
Com uma espada de amor,
Ser divo, lindo e encantador
E ser melodia de tua canção.

A letra eu a escrevo em ouro
E o ritmo o porás em câmara lenta,
É teu sentimento que me sustenta
Encaracolados aos teus cabelos louros.

Puseste em vitrine nossa volúpia
Para do exemplo exorcizar-se a denúncia
De que o amor nada no mar, nada no rio...

Exposição dum coração que se avexa,
Pois, não quer espada, quer a flecha,
Símbolo do amor que não provoca frio!


terça-feira, 29 de abril de 2014

Zeco, o órfão - cap. VII - Epílogo

ZECO, O ÓRFÃO
CAPÍTULO VII
Epílogo
Meses se passaram após todos esses acontecimentos. A vida familiar de Zeco era harmonia e felicidade. Num domingo estavam todos na piscina a aproveitar um belo dia de sol. Entre os familiares de Zeco, um amigo: Rodrigo. Este era seu melhor amigo e tornara-se igualmente amicíssimo de Pablo e Luciano. Todos se divertiam a valer. Zeco e Maurício se afastaram um pouco e se puseram a dialogar sobre as transformações ocorridas em suas vidas.
- Sabe, Zeco, às vezes fico a matutar sobre tudo o que ocorreu a mim e aos demais. Antes de você a vida nos era sofrível, meu pouco salário quase não chegava para nossas mais urgentes necessidades. Agora tudo mudou e mudou drasticamente. Reflito assim: será justo que tenhamos nos apropriado de tantos valores que não fizemos esforços para tê-los? Tudo nos caiu de mãos beijadas... nem sei mais no que pensar...
- Pai Maurício, você não deve se martirizar com esses pensamentos. Não fui eu quem roubou, não foi você, não foi minha mãe nem meus irmãos... A vida simplesmente nos colocou a par destas coisas sem que tivéssemos como nos livrarmos delas. A quem devolver tanto dinheiro?
Meu ex-pai, Alfredo Flores, foi o homem que foi, havia anos estava metido nessas coisas, foi juntando sua fortuna e a escondeu, já não tinha como saber-se como dividir o numerário caso houvesse sido descoberto um dia. Se isso viesse a ocorrer, tenha certeza de uma coisa: o dinheiro jamais retornaria à sua origem, os homens são gananciosos e desonestos, certamente os da cúpula inventariam uma desculpa e subornariam os seus inferiores e dividiriam em partes desiguais a fortuna. Lógico, os mais poderosos tomariam de conta dos valores mais elevados e, aos outros, dariam migalhas. Estas coisas você pode verificar todos os dias nos noticiários da televisão, é grande a falta de vergonha e a desonestidade não tem limites. Vivem de fraudes e mais fraudes e tudo fica por isso mesmo. Por este motivo, pai Maurício, tenho minha cabeça muito tranquila com o que hoje é nosso, coloco minha cabeça no travesseiro todas as noites e durmo feito um anjinho...
- Filho meu, você me encanta com estas suas dissertações sobre a vida. É impressionante como um garoto de apenas 14 anos pensa segundo você pensa. Positivamente, tais lições de vida têm e estão muito ligadas ao que Alfredo Flores passava para você...
- Sim, pai Maurício, a este meu modo de pensar e ver a vida, realmente devo a ele. Ele pode ter sido o que foi, mas era um homem encantador, um pai exemplar e fazia questão de preparar-me para viver segundo os melhores predicados da existência. E aí também tem um detalhe: mal sabia assinar o nome. É incrível, não é?
- Valores de educação familiar e pessoais muitas vezes independem da educação formal que você tem através dos livros. Com certeza, Alfredo Flores deva ter possuído pais maravilhosos que tudo passaram para ele e, por tabela, ele passou para você.
A transformação na vida dessas pessoas fora total. Todos passaram a usufruir da melhor maneira a fortuna que tinham em mãos. A tudo planejavam e executavam com bastante discrição, tanto que nunca chegaram a chamar de atenção de quem quer que seja. Aos poucos foram dividindo entre eles a abastança. Compraram fazendas e imóveis para que rendessem para suas vidas. Maurício Carvalho ajudou seus familiares mais necessitados, porém com tanto tato que eles apenas receberam as ofertas sem questionamentos. Zeco, como não poderia deixar de ser, colocou seu grande amigo Rodrigo entre os grandes beneficiários de sua riqueza.
Forneceu capital para que o amigo estudasse numa boa universidade particular e se formasse em Medicina, seu maior sonho. Mais tarde trabalharia diretamente com Pablo, também formado em Medicina, na administração de uma rede de clínicas espalhadas por várias cidades. Luciano, com a ajuda de Zeco e Maurício, formou-se em Pedagogia e fundou um sistema educacional, que ia desde o ensino infantil até o universitário e com várias unidades espalhadas pelo Brasil. Até Mercedes resolvera abrir seu próprio negócio: começou com um simples salão de beleza que posteriormente expandir-se-ia com várias unidades espalhadas pelas cidades do Nordeste. Maurício Carvalho pediu demissão de seu emprego público e ficou a trabalhar para os filhos e a esposa, sendo o principal cabeça dos negócios, ao lado de Zeco.
E Zeco,? Bem, Zeco conseguira formar-se em Física. Fez Mestrado e Doutorado e depois fez um teste para ser estagiário da Nasa. Foi aprovado e se mudou para Os Estados Unidos. Lá trabalhou muito, mostrou a grande Inteligência e capacidade que possuía e, findando o período de estágio, foi convidado a permanecer lá trabalhando. Tornara-se um dos mais importantes físicos nucleares da instituição e do mundo. Viajou muito mundo afora dando palestras e deixando seu nome para sempre nos anais dos homens mais preparados. E sua vida sentimental? Tivera tempo de dedicar-se a ela? Sim, na Nasa conheceu Kate, também física, de nacionalidade canadense. Os dois namoraram e se casaram com pouco tempo de convivência, fora amor à primeira vista.
Quase dez anos fazia que Zeco não via seus familiares. Finalmente encontrara espaço para prolongadas férias ao lado da esposa e dos filhos. Por sua dedicação, ganhara da Nasa 24 meses de descanso e, afinal, viriam gozar deste tempo em sua mansão, ao lado de todos os seus amados entes queridos. Zeco e Kate haviam três filhos: Rick, Albert e Dayse. No aeroporto todos estavam apreensivos, cheios de saudades de Oscar Caetano Flores de Carvalho.
- Vejam - disse Pablo, o avião está chegando...
A alegria foi geral. Todos estavam à sua espera: Pablo, Luciano, Mercedes, Maurício, Rodrigo.
- Olá, todo mundo! -Disse Zeco – Esta é minha família. E apresentou a todos, um por um. Vamos, crianças, falem, abracem e beijem seus avós e seus tios! Pediu em Inglês.
-Eles não falam português?- quis saber Maurício.
- Falam e muito bem, inclusive Kate, porque eu a ensinei.
- Que família linda, querido! – Disse Kate em Português. Tenho certeza de que vou amá-los muito!
- E aí, Rodrigo, como você está? Bonito sei que está, porque sempre foi muito belo!
- Obrigado, meu melhor amigo, você é que nada mudou, apesar dos anos, continua lindão como sempre foi...
E um forte abraço selou para sempre aquela amizade e, na mansão dos Carvalho, todos os dias eram motivos de festa.
FIM

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Zeco, o órfão - cap. VI

ZECO, O ÓRFÃO
Capítulo VI
Os Milhões
Amanheceu chovendo. Chuva forte, com relâmpagos e trovoadas. Zeco despertou às 8 horas. Logo se lembrou de que Maurício chegaria por volta das 9. Levantou-se e se encaminhou ao banheiro. Após o banho, vestiu-se e desceu para comer alguma coisa. Estava em meio ao desjejum quando a campainha soou. Apressadamente se dirigiu ao portão. Maurício estava molhado, totalmente ensopado. Entraram e Zeco o levou ao quarto que era de Alfredo Flores.
- Veja, pai Maurício, aí tem muitas roupas que eram dele. Há roupas novas que nunca foram usadas. Escolha uma e vista, você parece um pinto...
- Escolhe você, o que me der, eu visto.
Maurício foi para a suíte onde se despiu e se enxugou. Num segundo Zeco lhe trouxe roupas limpas, inclusive uma cueca.
- Pode vestir, esta cueca é das novas, ele nunca chegou a usá-la, ainda estava na embalagem.
Logo Maurício Carvalho estava enxuto e devidamente vestido com roupas finas.
- Eu estava tomando café – disse Zeco – quer comer alguma coisa?
- O que você estava comendo? – Indagou Maurício.
- Frutas e cereais. Quer?
- Quero.
Desceram abraçados. Na cozinha se forraram de alimentos e se estabeleceram na sala. Uma longa conversa deixaria Maurício totalmente a par da vida do filho caçula. Zeca tudo lhe contou, nada escondeu.
- E você está com todo este dinheiro dentro de casa? – Perguntou Maurício, estupefato.
- Estou. Venha, vou mostrar-lhe.
E o levou até o quarto que era de Alfredo Flores. Abriu o guarda-roupa e o cofre. Maurício ficou babando, pois, nunca estivera diante de tanto dinheiro assim.
- Isto é uma loucura, filho! – Desabafou.
- Também acho, mas como já lhe disse, não há como tentar restituir estes valores, seria inicialmente pôr minha vida em risco, depois a quem deveria devolver?
- Realmente. Você não me perguntou até agora em que trabalho. Eu afirmo: sou agente de polícia. Aquele que o criou como filho dele era um gênio. Ninguém nunca soube , nem sabe a identidade do COIOTE. Ainda é procurado pela Interpol, pela Polícia Federal do Brasil, pelo FBI e CIA. americanas e outras polícias pelo mundo afora.
- Você pretende revelar em público o que descobriu aqui? Pretende dizer quem era o COIOTE? - Questionou Zeco.
- De forma alguma, filho. Isso vai morrer conosco: comigo e você. Ninguém mais deverá saber... Nem mesmo sua mãe e seus irmãos. Vamos enterrar este segredo.
- O que diremos sobre o dinheiro que aqui guardo? – Quis saber Zeco.
- Faremos uma reunião familiar: eu, você, sua mãe e seus irmãos. De qualquer maneira nossa vida vai mudar, em todos os sentidos.
- Que vai, vai... não há dúvidas!
- Também não podemos colocar este dinheiro em banco, não teríamos como justificar sua procedência. Ele ficará onde está, sob sua guarda, já que é seu.
- Na medida em que formos empregando, vamos retirando do cofre. Concordo! Mas ele não é meu somente, é nosso meu pai, é da família inteira.
- Parece um sonho, Zeco... E tem mais: acredito que exista mais dinheiro escondido aqui dentro de casa. O COIOTE era bandido internacional, certamente há dólares, euros e muito mais muito bem camuflado. Precisamos desvendar isso.
- Meu Deus, pai Maurício, que loucura!
E correram para os braços um do outro.
- Virar milionário do dia para noite não é para qualquer um. – Brincou Maurício.
- Exatamente. Vocês virão todos morar aqui. Meu quarto é suíte: fica para você e minha mãe Mercedes. Aqui neste quarto, tomando conta do dinheiro fico eu e meus irmãos se instalam nos outros. Todos têm ar-condicionado e banheiros privativos. Isto aqui é uma mansão e está em meu nome. Tudo ele colocava em meu nome, acho que por medida de segurança. –Explicou Zeco.
- Com certeza, meu filho. Era um homem inteligentíssimo... apesar de bandido, eu era fã dele. Fora os parceiros que matou porque conseguiram identificá-lo, ele jamais feriu quem quer que
seja em seus assaltos, agia com a cabeça. Tudo preparado com muita argúcia, tudo adrede preparado, um gênio.
Zeco levantou-se e retirou do cofre cerca de trinta mil reais. Entregou-os ao pai.
- Use isto para pagar a um bom advogado e fazer o exame de DNA. Vamos resolver logo estas coisas. Não vejo a hora de ver todos juntos aqui... – Disse Zeco.
- Você tem um coração de ouro, meu filho. Ele deu a você excelente educação. Neste aspecto ele está de parabéns.
- Concordo com você. Ele era um homem dócil, era louco por mim, amava-me mais que tudo. Era muito amigo e eu o amava. Tudo o que fazia era sempre pensando em mim. Tudo!
- Sim, meu filho, ele o amava, quanto a isto não há dúvidas!
- Você dirige, pai Maurício?
- Sim, só não tenho carro...
- Não tinha, agora tem cinco... Venha ver os carros na garagem, todos importados e, como sempre, em meu nome.
Chegaram à garagem. Maurício não podia crer no que estava vendo...
- Uau! Filho, quanta riqueza!
- Pois é, tudo o que aqui existe é nosso.
E pegou a chave do Civic e lhe deu.
- Comece com este, por enquanto, chama menos atenção.
- É verdade.
- E a casa lá onde vocês moram?
- É alugada, meu filho.
- Venham todos para cá, imediatamente. Não precisa esperar que o jurídico resolva, venham hoje mesmo. Tragam apenas o indispensável, coisas pessoais, o restante tem aqui e de sobra...
- É verdade, é verdade. Nossos móveis, doarei todos. Só traremos nossas roupas e coisas pessoais intransferíveis...
- Exatamente! – Concordou Zeco.
Maurício se despediu do filho e foi embora, já dirigindo o Civic. Zeco ficou se preparando para ir à escola. No colégio teria uma conversa com Dona Prazeres e a deixaria por dentro de tudo, menos sobre a fortuna e sobre a identidade do COIOTE. Foi o que fez.
- Santo Deus, Zeco, estou petrificada!
- Também fiquei, Dona Prazeres. Foi muita coisa que aconteceu, tudo muito perto uma da outra.
- E vocês não vão denunciar a enfermeira? – Perguntou Dona Prazeres.
- Não – respondeu Zeco – não carece. Nós a perdoamos, desde que ela nos deixe em paz.
- É um crime bárbaro – muitos anos de cadeia.
- Sabemos disso, porém ela teve seus motivos. Era pobre, o pai quase morrendo e ela a precisar de dinheiro para salvá-lo... não, ela está perdoada, só desejamos ela bem distante de todos nós. Uma nova vida começa para mim agora. Não vou sair da escola e meus irmãos virão estudar aqui, também...
- Respeito e decisão de vocês, estão a olhar os fatos por outro ângulo, perfeitamente compreensível.
Tudo aconteceu conforme combinado. Dois dias depois toda a família estava na mansão em companhia de Zeco, que era todo alegrias. Pablo e Luciano pediram transferência da escola pública onde estudavam e foram matriculados na mesma escola em que Zeco estudava. Maurício Carvalho resolveu tudo às pressas, como Zeca pedira. Doou todos os móveis da velha residência e entregou a casa. Trouxeram somente os objetos de uso pessoal e roupas. Entrou com um pedido de licença na repartição e como tinha mais de dez anos de serviços prestados, ganhou Licença Prêmio, seis meses para ajeitar-se a adaptar-se à nova vida. Contratou um bom advogado e procederam ao exame de DNA. O resultado todos já esperavam: ficou definitivamente comprovado o que já sabiam. Isto foi primordial para que o juiz desse sentença favorável, sem discussões, porque estavam perante as evidências. Zeco foi reconhecido oficialmente como filho de Maurício e Mercedes. Pôde inclusive tirar uma nova certidão de nascimento, todavia preferiu manter o nome completo normal, apenas acrescentando Carvalho. Todos se acomodaram na mansão conforme Zeco propusera e viviam em grande harmonia.
Determinada noite Zeco acordou no meio da madrugada. Despertou totalmente e com uma ideia fixa na cabeça. Abriu o guarda-roupa e começou a fuçar o chão dentro do móvel. Mexe pra lá, mexe pra cá e... grande descoberta! Havia um fundo falso lá no canto da parede. Conseguiu retirar uma tampa e logo se viu diante de um buraco e dentro... uma grande caixa lacrada. Estava sem cadeado e sem fechadura. O conteúdo não poderia ser outro...
“ Meu Deus, disse para si mesmo, bem que pai Maurício falou. – repensou – quanto dinheiro!”
Levou a grande caixa e a abriu sobre a cama. Derramou todo o seu conteúdo. Eram maços e mais maços de dólares e euros... uma fantástica fortuna! Mais uma vez pensou consigo: “Deus meu, que fazer com tanta grana?”
Eram 3 horas da manhã. Zeco não suportou e foi até o quarto do pai. Entrou vagarosamente para não acordar Mercedes. Chamou...
-Vem comigo, pai, vem ver o que descobri!
Maurício levantou-se num átimo. Foi com Zeco ao quarto dele. Ficou estarrecido.
- Misericórdia! – desabafou – eu não disse que havia mais dinheiro escondido? Onde você o encontrou?
Zeco tudo relatou.
- Um sonho! Que sonho milionário!
E o abraçou.
- Vamos manter as aparências – disse Maurício – isto é segredo nosso. Vamos pensar em como empregar esta fábula sem despertar a atenção dos outros...
- Com toda a discrição possível. Não podemos dar “bandeira”, caso contrário estaremos todos em maus lençóis e com nossas vidas em risco. – Rebateu Zeco.
- Tremenda provação Deus coloca em nossas mãos, porém vamos saber passar por elas.
Zeco juntou tudo e recolocou no mesmo lugar. Despediu-se do pai.
- Vá dormir, pai. Amanhã conversaremos. Ideias não nos faltarão...
Maurício beijou o filho e voltou à sua cama. Mas dormir? Como conseguiria? O dia amanheceu e, com ele, novos planos para o futuro da família.
FIM DO CAPÍTULO VI
AMANHÃ - CAPÍTULO FINAL DESTA NOVELA

domingo, 27 de abril de 2014

Zeco, o órfão - cap. V

ZECO, O ÓRFÃO
Capítulo V
Emoções
No dia seguinte Zeco acordou cedo, muito antes do que normalmente despertava. Levantou-se, espreguiçou-se e saiu do quarto. Desceu as escadas e buscou sobre a mesa o cartão que Zélia havia deixado. Estava mesmo decidido. De posse do cartão, sentou no sofá, pegou o telefone e discou. Zélia logo atendeu.
- Bom dia! É a Srta. Zélia?
- Sim, sou eu! Bom dia! Com quem falo?
- Com Oscar Flores, Zeco...
- Ah... Decidiu alguma coisa sobre aquele assunto?
- Decidi. Quero conhecer meu pai, minha mãe e meus irmãos.
- Ótimo! Eu sabia que você me retornaria. Para quando quer que aconteça?
- O mais breve possível, estou ansioso. Pode ser hoje?
- Pode. Como faremos então?
- Iremos em seu carro. A Srta. passa por aqui e me pega. Qual o melhor horário?
- À noite, pois, teremos a chance de encontrarmos todos em casa. Às 19 horas está bem para você?
- Está. Ficarei à sua espera.
Neste dia nem foi à aula, tamanha a sua apreensão. Ligou para o colégio e disse a Dona Prazeres que estava indisposto e ficaria em casa naquela tarde.
- Está bem, Zeco, cuide-se! – Desejou Dona Prazeres.
Desta vez o tempo correu. Zeco nem saiu para comer fora, arranjou-se o dia inteiro com o que tinha na geladeira, por sinal, bastante sortida. Às 18 horas entrou no banheiro e tomou banho. Saiu e colocou uma roupa elegante, sapatos tênis. Estava um príncipe de tão belo! Às 19 horas em ponto a campainha do portão soou e ele se foi ao encontro da enfermeira.
- Boa noite, Srta. Zélia!
- Boa noite, Zeco...
- Sabe a senhora por que eu escolhi o dia de hoje para esta revelação?
- Não tenho a menor ideia. Por quê?
- Hoje faz exatamente 14 anos que vim ao mundo!
- Oh, Zeco, parabéns!
- Obrigado! O pessoal lá sabe o que vai acontecer, estão à nossa espera?
- Não, será uma grande surpresa.
- Melhor assim – Concordou Zeco.
O trânsito estava um pouco engarrafado, por isso demoraram um pouco para chegarem ao destino. Às 20 e l5 o carro estacionava bem em frente a um portão onde havia algumas pessoas conversando nas cadeiras ali colocadas. Pela janela do carro, Zeco percebeu um senhor de meia idade ( mais ou menos uns 40 e poucos anos ), uma senhora mais nova ( só um pouco mais nova ) e dois garotos, de uns 15 anos e outro de 16. Todos olhavam curiosamente as pessoas que desciam do automóvel e viam em suas direções. Foi Zélia quem se apresentou.
- Boa noite! Meu nome é Zélia, eu gostaria de falar com Dona Mercedes e com o senhor Maurício... São vocês , por acaso?
Maurício de Carvalho levantou-se e os cumprimentou.
- Boa noite! Sim, somos nós mesmos. O que deseja de nós, Dona Zélia?
- Poderíamos entrar? É um assunto um pouco grave e estamos quase na rua...
Foi Mercedes quem respondeu.
- Pois não! Entremos. E este garoto ( olhava fixamente para Zeco ) é seu filho?
- Não, apenas meu acompanhante, um amigo. – Retrucou Zélia.
- Oh, que lindo que ele é! – Elogiou Mercedes.
Encabulado, Zeco agradeceu.
- Muito obrigado!
- Se meu filho mais novo fosse vivo, certamente teria sua idade. Quantos anos tem?
- 14 – Respondeu Zeco.
- Eu não disse! – E colocou a mão no ombro de Zeco e o levou para dentro.
- Estes dois moleques aqui são meus filhos. Este é Pablo, tem 15 anos e este outro é Luciano, vai completar 17 no próximo mês. – Disse Mercedes, apresentando os rapazes.
- Que família bonita! – Falou Zélia.
- Obrigada! – Mercedes agradeceu.
Neste ínterim, todos já estavam na sala de visitas, confortavelmente sentados . A televisão estava desligada e todos ficaram atentos à Zélia, que iniciava sua pregação.
- Conforme disse lá fora, tenho um assunto muito sério para dialogar, espero que estejam preparados para me escutarem.
Zélia já começou a narrativa pranteando, deixando a todos no mesmo estado de emoção.
Detalhe por detalhe e foi revelando o crime que cometera há 14 anos antes. Não deixou escapar nem um centímetro, tudo estava escancarado, revelado, posto em pratos limpos...
Maurício Carvalho, emocionadíssimo, falou.
- Sabe da gravidade do que acaba de contar, não sabe Dona Zélia?
- Sim, eu sei. Só falta acrescentar um detalhe. – Completou Zélia.
- Então diga logo, já nos emocionou o suficiente, não acha? –Interrogou Maurício.
- Este garoto que veio comigo, é ele o filho de vocês sequestrado da maternidade...
O ambiente tornou-se... lágrimas, choros convulsivos, soluços, desmaios... ( Mercedes desmaiara ), mas logo recobrou os sentidos. Agarrou-se a Zeco, apertava-o de encontro ao peito, acariciava-o em seus cabelos, beijava-o repetidas vezes.
- Meu filho, meu filhinho... Meus olhos nunca me enganaram até hoje. Quando pus o olhar em você, meu coração disparou... Meu filhinho, você está vivo! vivo! Ó Deus, obrigada, Senhor, obrigada!
Zeco chorava mais que todos, estava visivelmente tombado de intensa emoção. Abraçou Maurício e lhe encheu o rosto de beijos e mais beijos.
- Você é meu verdadeiro pai! Papai! Meu pai biológico... perdão!
Pranteando desesperadamente, Maurício o abraçou e disse.
- Você é tão vítima quanto nós... Não há porque pedir perdão. E o tomou nos braços, levantou-o e o ofereceu à família.
- Venham todos, abracem e beijem o irmão caçula, Deus o traz de retorno ao lar!
Pablo e Luciano abraçaram-se a Zeco, acariciaram seus cabelos, beijaram suas faces... Zeco a tudo devolvia com muita emoção. Finalmente os ânimos serenaram. Zeco, então, falou:
- Meu lugar é junto de minha família, porém ainda não será a partir de hoje. Retorno para o meu lar e será lá que receberei vocês, estão convidados a mudarem para morar comigo, só que ainda temos algumas coisas jurídicas para tomarmos providências.
- Exatamente, disse Zélia. Eu proponho que seja feito exame de DNA para dar mais segurança a tudo o que aqui foi revelado. Maurício disse:
- Certamente o juiz a isto solicitará, mas sei que é proforma, vejam como ele é a cara da mãe e a semelhança que tem com os irmãos. Isto já bastaria para mim...
Zeco, ainda bastante emocionado, pediu:
- Entendo que Zélia cometeu um crime. Recebeu alto valor em dinheiro para fazer o que fez, também tinha o pai precisando de cuidar da saúde e ela não tinha recursos. Ficou entre a cruz e a espada, por isso, peço perdão para ela, não a denunciem, ela provou o quanto do caráter que tem, depois de tanto remoer essa culpa por todos estes anos.
Foi Mercedes quem primeiro se manifestou.
- De minha parte tem o perdão, mas que suma de nossas vidas.
Maurício endossou as palavras da esposa.
- Está bem, Oscar, atenderemos seu pedido, contudo temos de pensar em como faremos para resolver juridicamente este caso, pois, para isto, precisaremos de um bom advogado e isto é dinheiro, coisa muito rara nesta casa.
- Não se preocupe com nada em relação a dinheiro, eu ponho em suas mãos a quantia de que necessitará para que tudo seja resolvido.
E ainda conversaram até 1 hora da manhã, quando Zeco e Zélia se despediram. Zeco tudo passou de si para Maurício: endereço, local onde estudava, telefones... e convidou o pai para ir à sua casa no dia seguinte pela manhã, dissera ele, havia muito sobre o que resolver sobre aquele que havia sido seu pseudo pai.
- Está bem, Oscar, meu filho, amanhã aí pelas 9 horas estarei em sua casa, sem falta.
- Obrigado, pai Maurício, e não me chame de Oscar, todos me conhecem por Zeco.
E riram. Todos se abraçaram. Zeco retornou para sua casa. Um novo dia nasceria e muita água ainda rolaria por debaixo da ponte.
FIM DO CAPÍTULO V

sábado, 26 de abril de 2014

Zeco, o órfão - cap. IV

ZECO, O ÓRFÃO
Capítulo IV
INTIMIDADES
Os dias voltaram a correr normalmente. Rodrigo cumpria fielmente o que prometera a Zeco sobre o que ocorrera na residência dele no sábado. Semana puxada, como muitos trabalhos e provas. Zeco, como era peculiar, sempre se destacava. Era uma quinta-feira e haveria exame de Educação Física. Antes de se iniciarem os testes, Paulo André foi taxativo:
- Hoje não quero disputas em torno de Zeco. É prova e os times eu os formarei e não aceito reclamações.
Ouvindo isto do professor, Zeco disse:
- Apoiado, professor. Deveria agir sempre assim. Perdoe-me a insolência de falar desta maneira, é que já estou exausto com tantas disputas em torno de minha pessoa. Perdão mesmo, certo?
- Fique tranquilo, Zeco. Nada há para desculpar.
Tudo ocorrera com tranquilidade. No final, Zeco pegou seus pertences para ir embora , no entanto Miriam, uma colega de classe, pediu para falar com ele em particular.
- Pois não, Miriam. Sou todo ouvidos!
-Nem sei, Zeco, por onde começar, estou nervosa...
- De quê se trata? –Zeco perguntou.
- Coisa minha e que passará a ser sua também – Afirmou Miriam – Estou com medo de relatar... ai, meu Deus!
- Posso ajudá-la, Miriam? – Pediu Zeco.
- E você sabe de quê se trata?
- Mais ou menos. Vou direto ao assunto, caso não seja o que estou pensando, desculpe-me...
- Está bem, ajude-me, por favor...
-Você quer me pedir em namoro, não é isto?
Miriam procurou um lugar para se esconder, mas não achou. Estava vermelha de vergonha.
- É isto ou não? –Insistiu Zeco.
Miriam tomou coragem.
- É... É isto mesmo. Quer me namorar?
Quem ficou agora numa situação desagradável foi Zeco. Ele aventurara o assunto, porém não tinha certeza se era realmente o que Miriam desejava falar.
- Sinceramente? Olha, posso até namorar você, contudo não são estes meus propósitos no momento. Minha cabeça fervilha de problemas, eu não seria neste instante um bom companheiro.
- Puxa! Está me dando um fora? – Reclamou Miriam.
- De forma alguma. Você é a garota mais bonita desta escola, gosto muito de você... é que o momento para mim é inadequado. Estou envolto numa série de problemas para que sejam resolvidos. Minha cabeça não vai encaixar-se bem entre nós agora.
- Posso saber do que se trata? –Quis saber a garota.
- Questões de família, minha amiga. Não gostaria de remoê-los neste momento.
- Você é tão lindo! Estou perdidamente apaixonada por você e faz tempo...
- Se você quer alguém ao seu lado que não se encontra preparado para dar-lhe a devida atenção de um namorado, então eu aceito!
Miriam estava pouco preocupada com este detalhe. Ela sabia que havia muitas outras com este mesmo objetivo na escola e estavam conspirando sobre o assunto, assim não deveria perder tempo.
- Eu não me importo. Sei que um dia tudo passa e eu o terei como desejo. Então, posso já considerá-lo meu?
- Pode!
Ali mesmo se abraçaram e deram o primeiro beijo. Não foi um beijo assim tão apaixonado, não obstante foi um beijo.
- Eu o amo, Zeco. Com tempo você me amará também...
- Farei força para que isto aconteça logo!
Despediram-se. Cada qual seguiu seu destino. Porém, antes de chegar em casa, Miriam pegou o celular e ligou para ele.
- Oi, Miriam, fala...
- Lembrei-me do trabalho de Geografia para amanhã. O professor disse que poderia ser em dupla. Vamos fazê-lo juntos?
- Ótima ideia! Espero por você amanhã bem cedo em minha casa. Faremos o trabalho juntos. Disse Zeco.
Na verdade, Miriam já havia o trabalho pronto, o que ela desejava era estar perto do namorado.
No dia seguinte, às 8 horas da manhã, Miriam era recebida por Zeco. Zeco acabara de acordar, estava de caução e sem camisa. A garota suspirou...
- Desculpe-me, Miriam, recebê-la assim. É que acabei de acordar.
- Não tem importância... Você tem um físico lindíssimo – Elogiou a garota.
- Ah, isto é bondade sua, são seus olhos apaixonados, nada mais...
- Nada disso – Confirmou Miriam – Nunca vi um garoto tão lindo quanto você. E o melhor, é que é meu...
Zeco sorriu. Quis abraçá-la e beijá-la, então lembrou-se de que nem havia ainda escovado os dentes.
- Espere-me aqui na sala. Vou subir, tomar um banho, escovar os dentes, pôr uma roupa adequada e já desço.
E pé ante pé subiu as escadas até seu quarto. Nem se ligou que deixara Miriam sozinha na sala e não se preocupou com a porta, deixou-a aberta. Despiu-se e entrou no banheiro. O banho estava uma delícia... Miriam, louca para vê-lo totalmente desnudo, não perdeu tempo. Com muito cuidado subiu as escadas e se deparou com a porta do quarto aberta. Pronto, era tudo quanto desejava. Entrou no quarto e ficou a observar Zeco tomar banho, recostada à porta do banheiro. Zeco nem percebeu a presença de Miriam ali... Tomava banho e cantava alegremente. Só se deu conta quando Miriam falou:
- Que corpo lindo e que linda voz!
Pego de surpresa, Zeco tentou esconder as partes íntimas com as mãos, porém era tarde... Miriam a tudo tinha visto e estava encantada.
- Que abelhuda que você é... você é doida, é? – Perguntou Zeco – Saia já daí, não lhe dei permissão para invadir minha privacidade.
Contudo Miriam não estava disposta a recuar.
- Que tolice! Você tem um corpo lindo, as partes íntimas são de fazer inveja a qualquer garoto. Você é meu namorado e não vejo nada demais em vê-lo assim.
- Mas eu vejo... Não fui educado desta forma, dentro deste esquema de libertinagem. Por favor, volte para sala, espere-me lá. Você foi afoita demais... Francamente, não gostei disto, não gostei mesmo.
- Como você é babaca! – Disse Miriam – Santo Deus!
Não tendo outra alternativa, Miriam retornou até a sala e lá esperou que Zeco descesse, o que não demorou muito. Logo veio e trajado adequadamente.
- O que você fez foi imperdoável – Afirmou Zeco – Não quero mais namorar você. Vá embora!
A garota não esperava por esta reação do namorado, ficou incontrolável.
-Perdoe-me, fui invadida por grande curiosidade, somente. Isto não mais se repetirá, prometo!
Zeco estava irredutível.
- Vá embora, eu faço meu trabalho sozinho.
- Zeco, pelo amor de Deus, perdoe-me... Não sei o que deu em mim... Perdi a cabeça, foi isso – Implorava Miriam, aflita.
- Perdeu a cabeça e o namorado. Sem chances, vá embora. Não quero problemas para mim, basta os que já tenho. Eu disse: vá embora e me esqueça!
Inconsolável, Miriam abandonou o recinto. No portão, ao despedir-se, pediu mais uma vez:
- Pense melhor, foi um ato impensado de minha parte, não se repetirá, eu juro. Eu amo você!
Zeco manteve a decisão.
- Pelo ato impensado, perdeu o namorado. Não há mais volta. Tchau!
E bateu o portão. Miriam voltava aos prantos para casa, arrependidíssima do que fizera. Súbito, um pensamento assanhou sua mente: “Deus meu, será que ele é gay?” Em dúvida, entrou em casa e buscou esquecer o incidente.
Zeco ficara chateadíssimo com o que acontecera. Com a mente atribulada, fez o trabalho e se arrumou para ir à escola. Almoçou no lugar de costume e logo estava a entrar no colégio. A primeira pessoa que encontrou foi Rodrigo e o chamou para conversar. Contou-lhe do que ocorrera, precisava do apoio do amigo.
- Sem dúvida, ela foi bastante libertina e atrevida. Mal começa o namoro e já põe as garras de fora. Você fez muito bem em não prosseguir, em seu lugar eu tomaria a mesma atitude.
- Obrigado, amigo, eu queria ouvir isso mesmo. Só uma coisa me preocupa...
- O quê? – Indagou Rodrigo.
- É que ela pode pensar que sou gay e, se assim o fizer, vai ficar chato para mim.
- Responda-me uma pergunta – Propôs Rodrigo.
- Diga – Disse Zeco.
- Você é gay?
- Claro que não! – Respondeu Zeco.
- Então manda Miriam ir catar coquinho...
Ambos riram a valer. Fazia tempo que Zeco não sorria daquele jeito, até ele mesmo ficou surpreso.
- Uau! – Falou Zeco – As coisas começam a melhorar para mim...
- Não compreendo – Asseverou Rodrigo.
- É que fazia tempo que eu não ria tão livre, tão espontâneo – Contou Zeco.
- Deus seja louvado! – Replicou Rodrigo – Manda mesmo Miriam ir catar coquinho...
E ambos tornaram a rir, desta vez até mais explosivos que antes...
Zeco descobrira em si que estava pronto para enfrentar o que viria pela frente. Houvera superado os últimos acontecimentos negativos em sua vida.
O sol iria brilhar ainda mais e a lua iria clarear suas noites de solidão.
FIM DO CAPÍTULO IV

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Zeco, o órfão - cap. III

ZECO, O ÓRFÃO
Capítulo III
Revelações
Alguns meses se passaram. Zeco dava sequência à sua vida de estudante e de dono de casa. Continuava sozinho, não pensava em companhia. À sua casa apenas frequentava a faxineira que trabalhava há anos e, mesmo com a morte do pai, Zeco a manteve. Doralice ia três vezes por semana. Em duas delas fazia a faxina completa da mansão, sempre acompanhada de duas filhas: Rita e Carmem. Na terceira vez ia para lavar e engomar. De quinze em quinze dias Zeco abastecia a geladeira e seguia almoçando e jantando fora. As pessoas se perguntavam como ele conseguia manter-se, Zeco dizia que Alfredo Flores deixara em sua poupança o suficiente para que vivesse bem durante alguns anos, tempo exato para que crescesse e passasse a ganhar o próprio sustento. Como ele não demonstrasse preocupação em relação a isso, as pessoas se convenciam e não atiravam mais perguntas. Foi num dia de sábado à tarde que Zeco teve uma surpresa, grande surpresa, aliás. Neste dia ele quebrou seu próprio jejum de estar só e convidara Rodrigo a passar consigo o final de semana. Os dois se tornaram grandes amigos: jogavam bola, assistiam a filmes, nadavam na piscina e conversavam à vontade, sem ninguém para incomodá-los. Eram 4 horas da tarde, ambos estavam na sala a jogar dominó. O telefone tocou várias vezes, até que Zeco atendeu.
- É da residência de Oscar Flores?
- Sim, é o próprio Oscar quem fala. Quem é? O que quer?
- Oscar, meu nome é Zélia. Preciso muito falar com você. Quando poderíamos nos encontrar?
- Desculpe-me, Srta. Zéila, mas não a conheço e nada tenho para conversar com sua pessoa.
- Tem sim. É do seu interesse, Oscar. Sei que seu pai morreu e que vive sozinho...
- Isso só é da minha conta, Srta. Zélia, da conta de mais ninguém.
- Engano seu, Oscar. Tenho revelações que podem mudar sua vida. É importante.
- Revelações sobre a vida de meu pai não me interessam. Desculpe-me, passe bem...
- Espere! Não é apenas sobre seu pai, é sobre você também...
- Não quero saber, Srta. Zélia. Deixe-me em paz, por favor...
- Você não gostaria de conhecer sua mãe, Oscar?
Zeco ficou sem fôlego... Depois respondeu.
- Minha mãe morreu durante o meu parto, Srta. Zélia. Por favor, encerre esta conversa...
- Não posso. Seu pai sempre o enganou em relação à sua mãe. Sei quem é ela e onde ela mora...
- Mentira! – gritava Zeco. – Está querendo tirar dinheiro de mim!
- Juro que não! Deixe-me falar com você pessoalmente, contar-lhe-ei toda a verdade.
Zeco, de repente, ficou curioso com aquela história.
- Está bem. Sabe onde moro? – Indagou.
- Sei. – Respondeu Zélia.
- Então venha à minha casa agora. Estou à sua espera.
E desligou. Suava frio. Rodrigo espantou-se.
- Está acontecendo alguma coisa, Zeco?
- Parece que sim. Vai chegar aí uma mulher chamada Zélia. Ela vem me revelar coisas sobre meu pai e sobre mim. Não vou pedir para você retirar-se, por isso você tudo vai escutar, mas me prometa guardar segredo sobre o que ouvir...
- Eu prometo. Você é meu melhor amigo. Saberei guardar suas conveniências.
- Obrigado! Sei que posso confiar em sua discrição.
- Poderá sempre, Zeco.
Ansiosamente aguardavam a chegada de Zélia. Esta chegou e tocou a campainha do portão.
- Atende, Rodrigo, por favor. Faça-a entrar e a traga até aqui.
- Claro, amigo, é pra já!
Rodrigo abriu o portão e trouxe Zélia até a sala. Zeco , apesar de desconfiado, recebeu bem sua visita.
- Olá, sou Oscar, pode chamar-me Zeco, é como todos me conhecem e desculpe por estarmos assim bem à vontade, só de cuecas...
- Oi, boa tarde. Está bem, Zeco, não tem importância, você está em sua casa. Tenho sede, consiga-me com copo com água.
Rodrigo foi à cozinha e trouxe água bastante gelada. Zélia agradeceu.
- Obrigada! Agora ganho forças para revelar a você sua verdadeira origem.
- Quê origem? – Questionou Zeco. – Já lhe disse que minha mãe morreu em consequência do meu parto.
- Isso foi o que Alfredo Flores contou-lhe. Mas a verdade é que...
E tudo contou a Zeco que bebia as palavras e os olhos desabaram em lágrimas.
- Desculpe-me, Zeco, sofro muito em minha consciência com esse meu pecado. Arrependo-me do que fiz, mas minha situação era desesperadora por causa de meu pai como lhe disse. Agora quero consertar meu erro.
Zeco abraçou-se a Rodrigo e chorou copiosamente no ombro do amigo. Rodrigo também ficara deveras emocionado.
Zélia esperou que Zeco se acalmasse um pouco, depois seguiu...
- Não gostaria de conhecer Mercedes, sua mãe? Não gostaria de conhecer Maurício, seu pai biológico? Não gostaria de conhecer seus irmãos?
- Chega! – Gritou Zeco, exasperado. – Você não tem o direito de importunar minha vida. Eu só tive um pai: Alfredo Flores, nunca tive mãe, nem irmãos... Não quero saber de ninguém! Não
quero conhecer ninguém! Por favor, vá embora!
- Está bem, Zeco. É um direito seu desejar conhecê-los ou não. Mas caso decida querer conhecê-los, basta ligar para este número, é do meu celular. Eu o atenderei e o levarei até eles.
E deixou um cartão sobre a mesa da sala. Saiu e foi embora. Rodrigo a acompanhou até o portão.
- É tudo verdade o que a senhora disse? Indagou Rodrigo.
- É. Convença ele a conhecer a família, é um favor que me faz. – Respondeu Zélia.
- Não sei se devo me meter nisto... Por que a senhora não traz todo este povo aqui?- Propôs Rodrigo.
- Seria pior. Quero que as coisas se resolvam da melhor maneira para ambos os lados.
- Esta bem. Até logo, Dona Zélia.
- Até, menino. Até...
Rodrigo logo estava na sala novamente. Zeco outra vez o abraçou chorando. Soluçava e Rodrigo sentou-se no tapete e permitiu que Zeco colocasse a cabeça sobre sua coxa. Rodrigo igualmente continuou a chorar, porém precisava ser forte e apoiar o melhor amigo nesta situação tão complicada. Zeco cessou as lágrimas e adormeceu profundamente. Rodrigo afagava-lhe os cabelos carinhosamente e, com a cabeça recostada ao sofá, também caiu num profundo sono. Quando despertaram, já era noite. Zeco levantou-se, acordou o amigo e o convidou para nadarem na piscina. Apesar de sorrirem e brincarem, o clima estava pesado e Rodrigo não quis tocar no assunto. Foi Zeco quem quebrou o gelo.
- Fico a matutar, Rodrigo, por que meu pai fez isso comigo... Tenho certeza de que a tal Zélia não mentiu...
- Sua vida de repente virou uma rebelião... Também acho que essa Zélia falou a verdade...
- Rodrigo, o que você faria se estivesse em meu lugar?
- Não sei, amigo... É tão difícil e complicado opinar... Não gosto de palpitar a vida dos outros.
Respondeu Rodrigo.
- Eu estou pedindo! Palpite! É importante para mim sua opinião. Por favor!
- Eu deixaria a poeira baixar... Depois eu iria conhecer minha família que a vida me extraviou.
- Sério? Faria isso mesmo?
- Com certeza, Zeco. Lembre-se de que você está só, vive só, não tem ninguém...
- Isto é verdade. Mas como será que eles são? Serão mesmo pobres como afirmou Zélia?
-Zélia não disse que eles eram pobres, somente frisou que pertenciam a uma classe média, que vivem razoavelmente bem, mas que não são ricos...
- Não sei, Rodrigo, estou confuso... Necessito de pensar bastante sobre esse assunto. Vamos subir, trocar de roupa e sair para comermos alguma coisa diferente. Depois penso melhor, com mais calma. Deixaram a piscina e foram para o quarto de Zeco. Tomaram banho e se vestiram para sair. Foram a uma pizzaria. Ambos adoravam pizza e as que comeram estavam deliciosas...
FIM DO CAPÍTULO III

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Zeco, o órfão - cap. II

ZECO, O ÓRFÃO
CAPÍTULO II
A descoberta
Quando Zeco recobrou os sentidos eram 11 horas da noite. Lembrou-se de tudo e chorou desesperadamente entre almofadas do sofá. Estava meio em estado de choque e, por isso,
não deu atenção às chamadas telefônicas que se repetiam sucessivamente. Acabou por adormecer ali mesmo e nem viu o dia amanhecer. Eram 8 horas da manhã quando foi despertado pelo tilintar do telefone, que tocava insistentemente. Cambaleando chegou até o aparelho e o atendeu.
- Alô? Zeco? Aqui é Paulo André, seu professor de Educação Física. Você está bem? Desde ontem à noite que tento falar com você, mas não houve quem atendesse a chamada.
- É claro que não estou bem... meu pai... meu pai... faleceu!
- Sim, todos ficamos sabendo graças à diretora do colégio que conhecia bem seu pai. Você deve estar precisando de ajuda... está só?
- Sim, estou só... eu e Deus!
- Estou indo para sua casa, vou dar-lhe a assistência de que precisa.
- Por favor, venha... estou meio perdido...
Logo Paulo André tocava a campainha do portão e Zeco o atendeu, totalmente desfigurado.
- Entre. Veio com alguém?
- Sim, estou com seu colega de classe, Rodrigo. Deixe-o entrar também.
- Entrem. Não estou em mim.
Imediatamente entraram. Paulo André e Rodrigo ficaram encantados com riqueza do ambiente, porém este não era o momento para perguntar, nem fazer elogios.
- Você ainda está com a roupa da escola... disse Rodrigo.
- Nem tive tempo de trocá-la, nem de comer nada. Estou morto de fome – respondeu Zeco.
- Permita-nos cuidar de você, Zeco. Onde é seu quarto? Indagou Paulo André.
- No primeiro andar...
E conduziram Zeco até seus aposentos. Lá o despiram e o colocaram debaixo do chuveiro para um banho refrescante. Zeco estava sem reações e se deixou banhar. Depois o enxugaram e o trouxeram de volta à alcova. Descobriram onde guardava suas roupas e o vestiram, colocaram seus sapatos, pentearam os longos cabelos e desceram. Já na sala, Paulo André perguntou.
- Está em condições de ir até o IML para fazer o reconhecimento do corpo de seu pai?
Sem atinar para o que dizia, respondeu.
- Para mim tanto faz como tanto fez... estou com fome!
Saíram e o colocaram no carro do professor. Antes de chegaram ao IML, pararam num restaurante, onde todos comeram. Em seguida se dirigiram ao IML. Lá já estavam outros professores e a diretora do colégio, Dona Prazeres.
- Venha comigo, Zeco, façamos o reconhecimento do corpo para depois prepararmos as exéquias – disse Dona Prazeres.
Zeco estava um autômato. Nada resolvia e com tudo concordava.
Venceram-se as burocracias e no mesmo dia, às 17 horas, houve o enterro. Concluídos o velório e o sepultamento, Dona Prazeres dirigiu-se ao garoto.
- Alguém precisa ficar com você. Aquela casa é enorme para deixá-lo sozinho ainda no estágio em que se encontra.
Finalmente Zeco mostrou reação após todos os nefastos acontecimentos.
- Não precisa. Eu quero ficar sozinho. É tudo quanto desejo neste momento – disse.
- Sozinho naquele palácio? – Indagou Paulo André.
- Já estou acostumado a ficar só. Meu pai viajava muito e sempre fiquei só em sua ausência. Por favor!
Todos respeitaram seu desejo. Somente o levaram para casa. Zeco agradeceu, abriu o portão e entrou. O estado de choque havia passado, seu raciocínio era outro, sua consciência pensou com exatidão. Sentiu-se extremamente extenuado. Não necessitava de sair para alimentar-se, a geladeira estava abarrotada de comida. Durante alguns dias ficou em casa sozinho, sem pôr os pés na rua. 
Após uma semana sem dar qualquer notícia, recebeu um telefonema de Dona Prazeres.
- Como você está, Zeco? Vem à escola hoje?
- Estou bem, Dona Prazeres. Sim, eu hoje retomo minhas atividades normais. Ah, diga-me: quanto meu pai pagava de mensalidade? Parece-me que é época de pagar...
- Suas mensalidades estão quitadas até o final do ano. Seu pai pagou a anuidade completa, não precisa preocupar-se com isso, Zeco.
-Obrigado, Dona Prazeres, até mais tarde.
Desligou o telefone. Ainda não houvera coragem para abrir o cofre, faria isto à noite quando estivesse de volta da escola. Era necessário saber de quanto na realidade dispunha para fazer uma programação para sua vida.
Fez tudo conforme o costumeiro. Na hora certa saiu para suas aulas, sem deixar de almoçar. Na escola foi mais paparicado do que nunca e, desta vez, gostou dos afagos, pois estava a sentir profunda solidão. A tarde escoou-se rapidamente e, antes que pudesse colocar os pés
de retorno ao lar, fora chamado por Dona Prazeres em sua sala.
- Acredito que você já deva ter pensado em seus dias de agora em diante. Você só tem 13 anos e não pode viver sozinho, precisa de companhia e orientação. Vou entregá-lo ao Conselho Tutelar....
- Não! – pediu Zeco, meio descontrolado – Não faça isso, por favor! Posso muito bem cuidar-me sozinho, não necessito de ninguém.
- Mas você é uma criança, Zeco, não pode responder por si, é importante que o Conselho o oriente – reforçou Dona Prazeres.
- Não! – repetiu – Não quero! Se a senhora quer meu bem, deixe as coisas como estão... Eu juro que se precisar de algo, peço sua orientação, não quero mais ninguém. Por favor, prometa que me atenderá, por favor!
- Está bem, por enquanto deixá-lo-ei como quer, porém ficarei observando. Caso eu perceba algo fora da linha em sua vida, entregá-lo-ei ao Conselho Tutelar.
- Fico imensamente agradecido. Com o tempo a senhora perceberá que não preciso de ninguém.
E assim ficou combinado. Zeco superava, aos poucos, a ausência do pai e cumpria discretamente com suas obrigações. Jamais dera um passo em falso, portanto levava sua existência na mais completa solidão do lar. Abriu o cofre e ficou estupefato com a quantidade de dinheiro guardado. Retirou todos os valores fora do cofre e foi devolvendo à medida em que fazia a contagem. Quanto mais contava, mais tinha para contar. Perplexo ficou com o resultado final: 50 milhões de reais! Compreendeu que em outro espaço aquele dinheiro não caberia, só mesmo ali, pois, o pai soubera construir um cofre imenso, que tomava toda a parede onde ficava o guarda-roupa embutido. Por trás das roupas ninguém diria que ali havia um cofre. Todavia aqueles antigos pensamentos voltavam à sua mente:” Que fazia seu pai? Como conseguira juntar tanto dinheiro? Por que não guardara os valores num banco?”
Eram perguntas sem respostas. Agora era ele quem deveria administrar aquela fortuna... se quisesse, pararia de estudar e teria o suficiente para viver bem até o final dos seus dias... mas logo cortava tal pensamento. Continuaria a estudar e lutaria para conseguir atingir seus objetivos: ser físico nuclear, trabalhar na Nasa e dar sua contribuição à humanidade.
Ia fechando o cofre quando alguma chamou sua atenção. Era uma gaveta diferente, abaixo do cofre, uma espécie de fundo falso. Experimentou chave por chave até que conseguiu abrir a tal gaveta. Dentro dela havia bastantes envelopes, todos rigorosamente lacrados. Abriu um a um e tudo leu. Estava pasmo! Finalmente descobrira o que fizera seu pai ganhar tanto dinheiro. Leu novamente, releu várias vezes, era preciso não ter dúvidas quanto à interpretação do que lia, era necessário ter a mais absoluta certeza. Estava tudo claro aos seus olhos. Zeco só tinha 13 anos, todavia não era burro, ao contrário, era extremamente inteligente. Sim, seu pai, Alfredo Flores, era chefe de uma quadrilha de assaltantes de bancos. Ainda bem que sua chefia era oculta, ninguém do bando conhecia sua identidade. Ele era tratado como o COIOTE, mas seu verdadeiro nome ninguém conhecia. Aqueles que um dia ousaram descobrir sua identidade foram impiedosamente eliminados. Pensou em si. Será que não sabiam mesmo a identidade do COIOTE? Até a polícia há décadas vinha tentando desvendar este segredo e efetuar sua prisão. Tornara-se o mais famoso assaltante de banco do mundo, porque nos documentos encontravam-se suas ligações internacionais. Atuava no Brasil, na África do Sul, do Norte, na Europa e na Ásia. E ninguém jamais descobrira seu verdadeiro nome. Ao mesmo tempo sentia repulsa e idolatrava seu pai. Nunca trairia sua memória. Pegou todos aqueles documentos os pôs numa caixa e desceu, ganhando os fundos da casa, que tinha muros altíssimos e cerca elétrica. Trouxe consigo várias garrafas de álcool e fez fogo... Destruiu todas aquelas provas que incriminavam a memória de Alfredo Flores. Ninguém jamais saberia e até ele mesmo buscaria esquecer. Nada poderia fazer... Pensou na possibilidade de devolver os milhões de reais... mas a quem ? “Não! – pensava – eu não tenho culpa, só me resta administrar esta fortuna e ser feliz”.
Tudo estava consumado. As provas destruídas, definitivamente. Voltou para o quarto, fechou o cofre, a gaveta secreta, agora vazia, apagou a luz e se deitou com a cabeça remoendo de planos, contudo, mesmo assim, algumas lágrimas rolaram por sua face infantil...
FIM DO CAPÍTULO II

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Zeco, o órfão

S E R I A D O
ZECO, O ÓRFÃO
CAPÍTULO I
A morte do pai
Viviam numa grande cidade, metrópole do Nordeste do país. Alfredo Flores e seu filho único: Oscar Caetano Flores, ou simplesmente Zeco. Apelido ganho na escola devido à sua habilidade com a bola. Seu estilo era comparado ao do ídolo Zico e, para diferenciar, os colegas começaram a chamá-lo Zeco. Não chegava para quem queria, todos faziam questão de tê-lo no time. Às vezes até se recusava a jogar porque se irritava com a disputa em torno de si.
- Não jogo hoje, estou indisposto, dizia.
Então tudo serenava. Zeco voltava-se para dialogar com o professor de Educação Física, numa forma de desabafo.
- Sabe, professor, eu gostaria de não saber jogar, assim não seria motivo para tantas discussões em volta de mim. Isto é muito chato!
- Compreendo, Zeco. Acontece que você sabe e muito bem, daí toda esta confusão – confirmava Paulo André, o professor – Você ainda será um ídolo das massas, tenho convicção disso.
- Não é isso que sonho para mim – respondeu o garoto, nervoso – Tenho planos de estudar e ser um físico nuclear e trabalhar na Nasa, para isso estudo inglês há três anos. Meu pai, entendendo esta minha aspiração, nada deixa que me falte, por isso também estudo neste colégio tão caro.
- Bela aspiração, garoto, porém você não deve olvidar o que a natureza põe à sua disposição este maravilhoso dom de ser craque de bola. Sabe, Zeco, você fica rico da noite para o dia e nunca mais empobrece, isso se souber administrar sua fortuna. – Falou Paulo André.
- Definitivamente não é o que quero. Desculpe-me, mas esta conversa me aborrece.
E saiu dali. Foi ao encontro de outros colegas que estavam do lado oposto da quadra e por lá ficou até o sinal bater, dando por encerrado aquele horário.
Oscar Caetano Flores, Zeco, não era filho verdadeiro de Alfredo Flores, embora o garoto assim pensasse. Na verdade, Zeco desconhecia sua origem. Imaginava que sua mãe houvesse falecido durante o seu parto, pelo menos dessa forma Alfredo lhe dissera. Zeco houvera sido raptado numa maternidade assim que sua mãe descansou. Alfredo pagara alta soma em dinheiro à Zélia, uma enfermeira que trabalhava no hospital-maternidade onde o menino nascera. Foi tudo muito fácil e o bebê fora entregue a Alfredo que o registrou como filho autêntico, todavia com o nome de uma mãe fictícia.
Os anos logo se passaram e Zeco cresceu. Alfredo o amava verdadeiramente e tudo dava ao filho, satisfazendo a todos os seus desejos. No início habitaram algum tempo num pequeno apartamento, contudo vendo que Zeco crescia e que precisava de espaço, Alfredo logo comprou um imenso terreno num bairro nobre da cidade onde moravam e ali construiu a casa dos seus sonhos. Não era uma simples casa, era uma mansão. Nela havia piscinas, salões de jogos, campos de futebol, quadras e um lindo parque rodeado das mais belas flores. Como conseguira Alfredo tanto dinheiro para a construção deste palacete? Donde vinha tanto numerário? Às vezes até Zeco ficava a pensar, pois sabia que o pai era quase analfabeto, lia quase nada e mal assinava o nome. Mesmo assim, jamais tivera coragem de questionar, o importante era que nada faltava e tudo em sua residência era do bom e do melhor, incluindo aí os seus pertences pessoais: roupas, sapatos, bicicleta, joias,computadores... Alfredo dizia-lhe que trabalhava como empreendedor e, devido a isto, viajava muito, passava dias e mais dias longe de casa e do filho, apenas controlando Zeco através do telefone. Zeco aprendera a ter discretas amizades e jamais levou qualquer colega à sua casa, Alfredo dera ordens expressas neste sentido e Zeco cumpria à risca. Era demasiadamente obediente. De vez em quando ía ao encontro dos amigos nas residências deles, mas só. Era inteligente, estudioso e estava entre os primeiros de sua sala. Zeco era muito querido, todos o achavam muito bonito,
elegante, educadíssimo. Estava exatamente com 13 anos. Era moreno claro, cabelos castanhos, longos e lisos, olhos castanhos quase cor de mel... Na realidade, um garoto lindíssimo.
Tocou o sinal da última aula. Como todos os dias, Alfredo o esperava à saída, tinha bastante cuidado com o filho sempre que estava por perto, menos nas interrogativas viagens que fazia e que ficava dias ausente, no entanto nessas épocas, enchia o filho de recomendações que sabia ele, eram detalhadamente obedecidas.
- Oi, pai, tudo bem?
- Tudo certo, Zeco. E as aulas de hoje?
- Tranquilas, só aquele lance na Educação Física, como sempre a disputa para me terem no time. Já estou cheio disso...
- Quem manda saber jogar tão bem? – disse o pai.
- Que nada! É que eles são tão pernas de pau que, por ser eu um pouco melhor que eles, me endeusam. Mas não é a bola que me interessa, você bem sabe...
- Sim, eu sei. Você quer ser físico nuclear e, se isso depender de seu pai, você vai realizar seu sonho, nem tenha dúvidas sobre isso.
- Não tenho dúvida alguma. Eu amo você!
- Puxa, filho! Eu também te amo!
Rapidamente conseguiram desvencilhar-se do trânsito e chegaram em casa. O relógio marcava 17:30 h.
- Zeco, vá tomar seu banho e bote uma roupa chique. Vamos jantar num restaurante hoje, preciso conversar com você umas coisas. Viajarei pela madrugada e não sei quando vou retornar. Há muitos detalhes a serem consumados.
- Ah, painho... viajar outra vez? – retrucou Zeco de mau humor.
_ Pois é, filho. São os negócios.
Cada qual se dirigiu ao seu banheiro. Logo estavam impecavelmente vestidos e já a caminho de um restaurante. Escolheram um lugar bem discreto e se sentaram. Alfredo iniciou o diálogo.
- Hoje vou revelar a você um grande segredo. Disse Alfredo.
- Segredo? E você tem segredos para mim?
- Profissionalmente os tenho, sim. Porém vou contar-lhe algumas coisas, pois posso demorar-me nesta jornada.
- Que segredos?
E entregou a Zeco um pedacinho de papel com alguns números que Zeco não compreendeu do que se tratava.
- Este é o segredo do cofre do quarto de seu pai. É necessário que você decore e bote o papel fora.
- Você nunca me deixou chegar nem perto deste cofre. – Espantou-se Zeco.
- Tudo tem sua hora., filho. Dentro do cofre só há dinheiro, não gosto de guardar valores em banco, detesto burocracias.
- Pai! E há quanto neste cofre?
- Milhões de reais! Toda a nossa fortuna . Ninguém sabe que guardo dinheiro em casa, portanto você já sabe que nada deve falar a quem quer que seja, certo?
- Claro, pai, porém estou tão nervoso...
- Fique calmo, assim que eu retornar você me devolve a chave, menos o segredo que ficará para sempre em sua mente.
- Isto não é uma grande responsabilidade para um garoto de 13 anos, painho?
- Não! Você já é um homem e merece a minha confiança. Só lembrando que o cofre fica dentro do guarda-roupa...
- Sim, sim, - disse – eu sei porque um dia você me contou...
A conversa esfriou e jantaram. Em seguida rumaram para o lar. Zeco estava apreensivo, jamais o pai confiara tanto nele. E, neste instante, vieram à sua mente as velhas indagações: “como meu pai ganha tanto dinheiro? O que ele faz realmente? Que tipo de empreendimento ele tem?” Não conseguia pensar mais. De roupa e tudo despencou no sofá da sala e o sono o dominou. Despertou com a voz de Alfredo à sua volta.
- Nem ao menos trocou de roupa, filho?
- Que hora é , painho?
- Sã0 3 horas da manhã. Estou de partida. Levante-se e me dê um abraço e um beijo. Não sei quando estarei de retorno.
Bambo de sono, Zeco conseguiu pôr-se de pé e o beijou várias vezes, até que Alfredo abriu a porta e desapareceu na escuridão do jardim.
Zeco conseguiu despistar totalmente às horas da manhã. Nunca se sentira tão cansado... De súbito, lembrou que tinha no bolso a chave do cofre. Caminhou lentamente para seus aposentos e colocou a chave na gaveta do armário, onde deixava os livros da escola. Despiu-se e tomou um longo banho. Enxugou-se, vestiu a cueca e desceu. Foi até à cozinha tomar o desjejum. Retornou à sala e ligou a tv, contudo o pensamento estava em seu pai. “Como ele conseguia ganhar tanto dinheiro? Que tipo de trabalho possuía?” As horas passaram despercebidas. Imediatamente se dirigiu ao quarto e pôs o fardamento da escola. Teria de ir e voltar de táxi, porque Alfredo estava ausente.
Fechou o portão a chave e se encaminhou a uma pizzaria perto de casa. Almoçou e rumou direto à escola. As horas agora pareciam monótonas, o tempo meio preguiçoso e Zeco louco para chegar em casa. Apesar da aparente lentidão, Zeco saiu do colégio, lanchou num bar próximo e foi para casa. Lá chegando, tirou os sapatos e aboletou-se no sofá. Ligou a televisão. Pouco depois assistia ao noticiário e uma notícia chamou sua atenção: GRANDE ACIDENTE NA BR-232 MATA 9 PESSOAS, TODAS JÁ IDENTIFICADAS E COM SEUS CORPOS À DISPOSIÇÃO NO IML. O carro em que viajavam colidiu com um ônibus, não houve sobreviventes. E, uma por uma, a tv mostrou a relação das vítimas. Colado à tela da tv, Zeco soltou um grito de desespero e caiu desfalecido.
- Não! Não! Não!
Fim do Capítulo I

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Tributação do Amor


Amor não paga imposto,
Mas sentimento tem tributo,
Isso é coisa que nem discuto
Para não envelhecer de desgosto...

Ninguém quer aventura de rodapé
Porque isso é superfície de paixão,
Ardor é pimenta que tempera o coração
Que se arrepia quando vítima de cafuné...

O carinho é uma taxa sem preço
Que se consome como vitamina de adereços
Donde se mede a temperatura do aconchego...

Respeito e amizade são moeda-corrente
Que fazem do amor a idealização onipresente

Do perfil divino que exige circuito pleno e inteiro!

sábado, 19 de abril de 2014

Passeio Astral


Tarde de calor intenso,
Sufoco-me dentro de casa,
Suor em abundância...
Retiro-me, descubro o jardim
E me sento à mesinha
Debaixo de frondosa árvore.
Brisa fina acaricia-me o rosto,
Meu pensamento navega no sonho...
Meu olhar só enxerga a reflexão
Que a mente põe em órbita...
Sentado numa compostura nobre,
Apoio o queixo às mãos
E viajo numa asa-delta imaginada,
Singrando os ares e penetrando
Dimensões insondáveis do intelecto...
Êxtase sancionado pela vontade
De ver-me executor de sonhos impalpáveis,
Mas perfeitamente cabíveis à razão...
Vou em busca das idealizações
Que me produzo circunstancialmente
Todos os dias e me vejo carregado
Por uma força estranha, totalmente
Alheia ao meu comando...
Neste instante estou nas alturas,
Contudo me acanho em vislumbrar abaixo...
Estou cercado por nuvens densas,
A visão obliterada por um ar rarefeito,
Os tímpanos meio febris,
Sacolejados por fortes explosões
Numa travessia curta,
Porém condicionada à aparência
De um tempo disforme e longo...
Finalmente deixo para trás tais sentidos
E me desvendo numa paisagem nova,
Desconhecida dos meus talentos...
Agora já me permito à ótica inferior
E o mundo se coloca à disposição
Para que eu pesquise meus devaneios...
Tudo consigo olhar sem obstáculos.
As respostas mais ousadas,
Tenho-as diante de mim...
Nada me escapa, apreendo em detalhes
Os pergaminhos da vida, leio-os
E compreendo o porquê das distâncias,
As razões das ausências, os motivos
Que afastam dos meus planos
As realizações mais urgentes...
Os seres dos quais gostaria contemplar
Se mostram inefáveis à minha conquista,
Dispersam-se envergonhados da minha presença
E se acoplam em labirintos escuros,
Intocáveis aos meus sonhos...
Percebo-me meio perdido e confuso,
Noto estrelas que não sorriem,
Fecham-se numa fisionomia grave
Como se estivessem a expulsar-me
De um território momentaneamente invadido...
Descubro-me intruso de uma peripécia
Talvez não aprovada pelo infinito...
Levo as mãos à boca para não gritar
E dos olhos caem lágrimas pungentes...
Retrocedo, tento o caminho de volta
E sou empurrado por brusco magnetismo
Que me devolve às nuvens densas...
Como que bailando no espaço,
Avisto-me nos degraus da descida
E logo retomo a consciência material...
Perante o ego reconheço-me interlocutor
Implacável dos quesitos que me levaram
A tão conturbada jornada...
Não a pedi... Não a roguei... Nem a pensei...
Chegou-me de forma sorrateira,
Todavia em meu íntimo ressabiado
Perpetuam-se os frutos das minhas interrogações...
A partir do já tenho de remodelar conceitos
E esperar da existência a concretização de sua vontade!



Los Sueños


Los sueños han zambullido en alto mar,
Ahora van navegar en aguas profundas,
Pero ellos no saben nadar,
Ciertamente se habrán muerto ahogados.

Yo tengo que los salvar
Entonces me voy zambullir también,
Igualmente no sé nadar
Y nos moriremos juntos...

La vida no puede quedarse sin sueños,
El mundo estará huérfano,
Inmenso desierto cubrirá las personas
Y todo será vacío.

El sueño es la esperanza de un nuevo día,
Lo imposible se convierte en realidad,
El embuste cae delante de la verdad
Y soledad y añoranza no son fantasías...

El mundo precisa siempre soñar,
Despertar mojado con el rocío de la mañana,
Los pájaros tienen de cantar en las ventanas
Y los niños sonríen sin frío
Porque soñar es amar
Y el amor también vive en alto mar...



Gente inocente... Mundo indiferente


 
Gente inocente
Anda pelas ruas
Debaixo de chuva,
Sob o sol,
Em retas e curvas
Ou em pleno arrebol.

O mundo é livre
Para sonhar fantasia,
Curtir enfado e nostalgia,
Mas ninguém vive...

Pesadelos e atrocidades
Mistificam centros urbanos,
Traficam-se gestos desumanos
E a vida é utopia da verdade...

Balas perdidas trazem medo
Constrangendo a liberdade
Do ir e vir de qualquer cidade,
Pois violência já não é segredo...

Gente inocente quer viver,
Correr pelos campos,
Cantar nas esquinas,
Beber água de coco,
Dormir ao relento,
Namorar pelas praças,
Ver o dia amanhecer...

O mundo é livre
E o povo é prisioneiro
Das tempestades sociais,
Das procelas ambientais,
Por isso sobrevive em cativeiro...

Saudosos são os ancestrais
Que saborearam da vida
A ingenuidade e a doçura
E mesmo sem aparelhos digitais
Compartilharam sem loucura
De uma existência sem declives
Em que o amor era razão e alvitre...
Apesar de tudo... o mundo é livre!


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Solamente tú



Yo no puedo cuestionar mi corazón,
Las personas sólo desean pedirme favor,
Yo estoy loco para tener un gran amor,
Pues todos los días escucho tu canción.

Deseo tener tus brazos, tu cuerpo entero,
Ven hablar palavras de amor em mis oídos,
No quiero sueño, quiero sentir los sonidos
Y en lo rocío de la mañana ser tu amor primero.

No puedo vivir sin tus ojos, sin tu boca...
Sin tu vida mi vida es siempre cosa poca
Y las flores de la primavera lloran tristes...

La pasión devora mi alma con fuego,
Las horas están oscuras, mis días son negros,
Solamente tú para decirme que el mundo existe...

Páscoa



O que devo me conversar?
Desejar a mim mesmo Feliz Páscoa?
Retirar da mente todas as anáguas
E simplesmente recomeçar?

Eis o propósito da Quaresma:
Abrem-se os porões e se desinfeta
Os lírios indicando em setas
Que o íntimo é novo e está em festa!

Renovam-se planos alimentando o perdão,
É uma nova estrada que liga o coração
A um sorriso puro isento de dor...

Transformação que se opera com raios de luz
Da inspiração única dos homens: Jesus
Que entregou à vida ensinamentos de amor!

quinta-feira, 17 de abril de 2014

No ritmo dos ventos



Tempestades são areia de prata
Que se movem sarracenas pelo espaço,
Engendram dilúvios febris e cansaço
E numa atmosfera cíclica ao amor retrata.

Brisas são sombra e água fresca
Que lentamente desfazem enigmas,
Mas é necessário que aqui se diga
Que as abas do silêncio são burlescas.

O lixo soprado pelos ventos é nômade
Bem como órfã é a saudade sem nome
Que se torna delinquentemente vazia...

Melancólico é o amor isento de paixão,
Pois, é cúmplice inexorável da solidão
Que pinta de aparências a ventania!