quinta-feira, 30 de julho de 2020

MONUMENTO SOTURNO






Quem pensa no preto lembra as trevas...

Tudo parece não existir ao sabor da escuridão,
As toxinas do ambiente tapam toda a visão

E o mundo torna-se cerração do obscurantismo.
É como se o nada existisse e a vida fosse bruma
De tal forma que o dia seria uma alegoria utópica.

Manto de uma cegueira que causaria melancolia,
Vestígio obcecado do vazio, turvamento existencial
De uma sobrevida centrada numa total ablepsia
Sem sombras que pudessem acolher pensamentos.

Noite sem estrelas num céu carcomido pela caligem
Assintomática da penumbra em atrito com o sinistro,
Horas sombrias dum mar metafísico e pardacento
Em que o tempo abaçanado por reais circunstâncias
É capaz de produzir a mais bela das cores: o negro!


DE  Ivan de Oliveira Melo


quarta-feira, 29 de julho de 2020

SENTENÇA






O êxtase é uma exegese passional
Que prosterna-se no corpo e na alma
E traz o zénite onde se escreve o amor.
Perante os planos da existência física
Há práticas que sublimam o espírito
Sem permitir que se capitule o desejo.

Nos corpos existem cicatrizes apagadas
Pelo tempo que não inoculou a ferida
Herdeira dos traçados veiculados da arte
E que sobrepujaram aos edemas astrais
Tão singularmente expostos à metafísica
Que transcende ao epicurismo do silêncio.

Os fatos consuetudinários das tradições
Estão diagramados no apêndice das horas,
E será o tempo o marca-passo da emoção
Que dará sustentação aos espúrios convites
Elaborados tão magistralmente pela carne,
Sedutora anfitriã das suntuosidades sensuais.

Tão hermética estará a consciência humana
Que o niilismo intelectual das vis potestades
Cederá o assento aos metaplasmos da fantasia...
Assim, as utópicas celebrações das sociedades
Poderão constranger a heresia a afugentar-se
E, a hipocrisia, ao destino suculento dos abismos!


DE  Ivan de Oliveira Melo
  



OJERIZA FACTUAL






Minha alma foi estuprada pelas emoções...

Devassos sentimentos me edificaram poços de volúpia
E meu íntimo constrangeu-se diante da indecência

Nauseabunda que tentou erradicar-me os bons costumes...
Reagi perante as parafernálias indecorosas que me inundavam
E me senti rodeado por sensações de um tesão apócrifo...

Meu estado psíquico combateu as investidas oblongas
E estapafúrdio combate dilacerou foguetes inatômicos
Que me sepultavam a coerência do livre arbítrio
E me permitiu um estágio compulsório de abstração.

Horas e mais horas numa disputa sem ritmo
E num ritual em que me jogavam os órgãos no lamaçal
Das infecundas diretrizes das paixões dinamitadas pelo suor
No qual meu corpo ardia... Senti convulsões aeróbicas
E, no diagrama da fertilidade, consciente, optei pela aridez!  



DE  Ivan de Oliveira Melo

terça-feira, 28 de julho de 2020

DESEMBARAÇOS






Um abraço quando chego
Dou-te de quebrar os ossos;
Depois, para falar-te é o instante
E enganado está quem supunha
Que a vida é um devaneio.
Há uma saudade em mim
Que me faz companhia no dia a dia,
Ou é apenas ilusão das noites?
Sim, tudo tempera os açoites
Que os tímpanos escutam
E nada mais é que a morte
Saudando a vida... A vida!

Meus olhos veem imagens distorcidas
Das águas em que navegam sonhos;
Solto-me em liberdade
E diante das florestas ressequidas
Percebo como caem as folhas secas
No chão lacrimejante de dor e agonia,
Porquanto um sorriso me aflora nos lábios,
Porque o doce manjar do olfato está deserto...
Donde vêm os ventos que sopram angústia?
Tudo tão estranho nesta seara
Onde vida e morte me confundem...


DE  Ivan de Oliveira Melo



CONSPIRAÇÃO






Meu cérebro vive em turbilhão
E é uma vitrine de mim mesmo;
Sinto-me doente, porém estou são
E tudo o que vier são coisas a esmo.

Neste instante dou a mim um preço
( me vendo e me compro por milhão);
Assim, a ninguém dou meu endereço,
Pois não quero machucar meu coração.

Há conspirações que me teço a mim
A fim de balouçar a minha inspiração
Que vive à deriva dum refletir anão...

Tudo é simbiose – do começo ao fim –
Então me produzo com engenho e arte,
Porque sou artista e não o sou, destarte! 


DE  Ivan de Oliveira Melo


segunda-feira, 27 de julho de 2020

AS NUVENS






As nuvens correm, lentamente...
Perpassam sobre o mundo altaneiras
E choram quando os ventos as ferem
Em sua acidez coagulada.

As nuvens vivem e morrem,
Seu destino é o findar da água
Que despenca sobre a terra macia...
Igualmente gritam quando os raios
Desovam a energia do seu ventre.

É sua gênese que alimenta os campos,
Dá vida aos rios e sacia a sede
Dos que consomem respiração abaixo de si...
Escuras são pesadas; brancas, suaves!

E no arrebol da manhã e no pôr-do-sol,
Avermelham-se, como a dizer que vivas estão!


DE  Ivan de Oliveira Melo


domingo, 26 de julho de 2020

CALOR





O dia raiou, vem com ele a chuva.
Inúmeras gotas d’água formam enxurradas
E, em terrível avalanche,
Ensopa a natureza de frio e gelo.
O sol se esconde dentre as frestas da noite,
Saboreando o néctar da neve, acanhado...
Eu suplico por seu calor
A fim de que possa viver impassível...
Tranquilamente!


DE  Ivan de Oliveira Melo


SINCRONISMO






A pétala quando cai, dói...
Mesmo na primavera,
A dor é intensa!

Do mesmo jeito que sorri,
A flor chora,
Amarga a angústia do inverno...

Se desponta no outono,
Colhe solidão, pois,
As folhas se esparramam no chão!

Dor igual é a dor da traição,
Que rompe o silêncio,
Ignora a fidelidade e fere o coração.

Porém, a dor pesa, fardo terrível!
E não há consolo que a torne leve,
Apenas a semente que despenca e,
Como tudo fica novo,
Nova também é a fé que transforma!


DE  Ivan de Oliveira Melo


PROFESSOR





Não existem caminhos únicos...

Para aprender-se a viver
Vale a experiência, os exemplos...

Não se pode deixar de mirar-se
O trajeto do próximo... Vale o plágio,
Porque as boas atitudes são convites.

Quando o que se vê em outrem não convém,
Deve-se buscar a inspiração na inteligência
E, mesmo que o véu se rasgue de indignação,
Nosso rosto que fique intacto para a luta.

Imiscuir-se aos sábios é sapiência secreta
Embora o conhecimento, muitas vezes,
Seja bem maior do que se retrata nos livros!
Nunca se culpe por ignorar determinados fatos...
A vida é deste mundo e, este, o melhor professor!


DE  Ivan de Oliveira Melo



sábado, 25 de julho de 2020

ENQUANTO






Enquanto eu aqui estiver,
Serei o sopro dos ventos,
A onda do mar,
O sol que queima
E a lua que alumia...

Enquanto eu aqui estiver,
Serei o canto dos pássaros,
A estrela que cintila,
A chuva que alimenta,
A vida que sobrevive...

Enquanto eu aqui estiver,
Saberei que o amor é infinito!


DE  Ivan de Oliveira Melo


LÍRIO PERFUMADO






Vejo-me morto.
Arrepios alucinantes me devoram.
Através duma tela côncava,
Sinto-me convexo em relação ao mundo.

Gritos espavoridos soam no éter.
Sinistras gargalhadas inundam o espaço
E eu numa horizontal mefítica
A esperar a inorgânica putrefação da carne.

Medonho palor inebria meus órgãos.
Percebo inúmeros batalhões de bactérias
A lambuzar-me a alma sedenta de vida,
Porém a morte erradicou-me a sobrevivência.

Vermes hediondos sugam-me, impiedosos.
A essas horas, meu corpo explode,
Implodindo a campa macabra que me cobre...
Estou, então, à mercê do céu aberto e límpido
E, os abutres, esvoaçantes, surgem na atmosfera,
Contemplando o que me resta de ideal alimento...

Brigam entre si, circundam-me as vísceras e,
Delas, para espanto seus, estranho olfato se faz no ar...
É um lírio perfumado que se exterioriza do coração...
Afinal, não pereci... Apenas sonhava pesadelos!



DE  Ivan de Oliveira Melo

AURORA





Desperta, porquanto a madrugada se foi...
No arrebol, o dia nasce venturoso
E as estrelas agora dormem, exaustas.
Em suas harpas, os anjos entoam hinos,
Saudando a aurora com doces melodias.

Nas árvores, os galhos balouçam agitados
E deixam que as folhas murchas 
Rastejem sobre o solo seco
E a nova folhagem, viçosa, dança aos ventos.

Acorda, observa o céu pleno de nuvens brancas
E o lírio que orvalha das flores,
Permitindo que os olfatos naveguem ébrios...

Levanta, a noite se transformou
E intensa luminosidade é o cateter que brilha
Diante dos olhos fatigados de sonhar!


DE  Ivan de Oliveira Melo


sexta-feira, 24 de julho de 2020

CARÊNCIA




Ó consciência minha, por onde desejas que eu caminhe?
Não há devaneios, os sonhos fatigados, descansam.
Que campus onírico devo então produzir
Se não há imagens e tudo está deserto?

Se a plataforma é nula, não há quaisquer perfis...
Como posso buscar a inspiração
Se a sensibilidade dorme aleatoriamente?
A terra é movediça, nela tudo se perde, nada se transforma.

Ponho toda a imaginação à retaguarda,
Pois a impassibilidade domina o talento
E o querer tão esperado é uma esperança exótica
Em que os rastros sucumbem-se no anonimato
E a desventura é um pensamento assintomático!



DE  Ivan de Oliveira Melo

quinta-feira, 23 de julho de 2020

URGÊNCIAS





Aqui, onde inverno e verão se trocam,
Onde sol e chuva inundam por si sós,
Onde as trevas são o silêncio da escuridão...

Aqui, onde centenas de rituais se misturam,
Onde milhões de fiéis falam da palavra Santa,
Onde outros milhões de seres se dizem ateus...

Aqui, onde agnósticos ficam em cima do muro,
Onde muitos prevaricam mesmo falando Dele,
Onde a “massa” é estoica e plebe simultaneamente...

Aqui, onde muitos pobres mostram o que não têm,
Onde milhões de abastados escondem suas riquezas,
Onde muitos que querem viver apenas sobrevivem...

Aqui, cá, lá, ali, acolá... Seja lá onde for...
A vida sente necessidade
De ser mais sincera, fiel e honesta!


DE  Ivan de Oliveira Melo

REFLEXÃO




Para que quero o pensamento
Se a verdade é mentira
E se a mentira tornou-se verdade?
Caso haja ouro dentre a areia,
Provavelmente haverá esmeralda
Misturada com as poças de lama...

Enquanto o pacote parece pesado,
Os ponteiros da balança não se movem,
Porém se o mesmo pacote estiver vazio
Para que serve então a balança?

O peixe que caiu numa determinada rede
Voltará a ser pescado outra vez?
Se o homem tem consciência de si mesmo,
Refletir é perda de tempo... Mera rotina!

A mentira que divulgou ser uma verdade
Estacionou no tempo e a verdade... Bem...
A verdade enlouqueceu!


DE  Ivan de Oliveira Melo

segunda-feira, 20 de julho de 2020

ROTINA





Dia surgindo...
Sutil contentamento
Se instala nos lábios
Das crianças que dormem,
Ainda...

Nuvens plúmbeas
Desenham um céu cinzento
E os pés se tocam, alvoroçados,
A cutucar a coceira que arranha.

O que se sente
Não se pode olvidar...
O que existe,
Inexiste nos sonhos.

O Sol avança,
O calor amedronta
A liberdade de brincar
Na seara do dia...

A tarde campeia,
A preguiça distorce
A faina do estudar
Nos semblantes infantis...

A noite chega,
A madrugada configura
Os devaneios indeléveis
Do que se chama vida!


DE  Ivan de Oliveira Melo


MARCAS






Como posso atear fogo na alma?

Ela blasfema suturando a ousadia
Da herética e irresponsável audácia

De querer hibernar em pleno verão
Debaixo de um sol que derrama água
Sobre o equinócio de uma lua prenha.

Como posso bronzear a inspiração
Se as palavras se afogam na areia?
O alfabeto não conhece de cálculos
E os números são incapazes de ler...

Como atear fogo em minha consciência
Já que sou verdugo das sinestesias?
Um breve aceno conspira contra o dúbio
Entrechoque dos termos sem polissemia
Deixando rastros de cruéis anfibologias!



DE  Ivan de Oliveira Melo

domingo, 19 de julho de 2020

CONSISTÊNCIA





Somente escuto o timbre abafado
De uma voz carcomida de desejos
Que range em meu íntimo e pelejo
Para afogá-la perante meu passado.

Vejo na vitrine do tempo um espelho
Que reluz em minh’alma abandonado,
Tapeando as horas de um quadrado
Onde adormece um pálido esqueleto.

Ouço o perambular do matutar morto
A recordar a saudade em pleno porto
De uma areia úmida, febril de ressaca!

Sinto uma atmosfera de solidão pétrea 
A sufocar-me o corpo por toda a área
Até que, de mim, reste-me só carcaça!


DE  Ivan de Oliveira Melo

quinta-feira, 16 de julho de 2020

INSALUBRE




Cá estou eu,
Deitado sobre almofadas,
Acariciando o pensamento,
Lambendo das vicissitudes
Que somos obrigados
A suportar do quotidiano...

Aqui estou eu,
Opresso pela agonia
Dum dia a dia inescrupuloso
Em que as torrentes maquiavélicas
Se deitam sobre as consciências
Malfadadas e tolhem o bem-estar.

Assim sou eu,
Menestrel das combustões
Que dilaceram o epigrama
Da existência urdida
Pela mentepsicose das paixões
Estéreis dum tempo esdrúxulo.

Destarte sou eu,
O vilão de mim mesmo,
Opúsculo das razões permeáveis
Que desenham no círculo das emoções
O avatar demoníaco das trevas oníricas,
Coadjuvantes da maledicência secular.

Doravante possa eu,
No eclipsar da sobrevivência,
Capturar os diabetes sazonais
Que fazem de mim
Fantoche de deserdadas sensações
Cultivadas sob a égide da loucura.

Data vênia à minha inconsciência
Que não adormece sobre prados brancos,
Mas labuta sonhos ortodoxos
A fim de que nesta anacrônica
Reflexão que faço do meu ego
Seja uma anatômica depressão efêmera!

terça-feira, 14 de julho de 2020

ADVERSATIVOS




Tão nobre e vive a pedir asilo...
O pobre é engolido pelas ondas
Na vida das peripécias redondas
Onde não se sabe o que é aquilo.

Tão rico e sobrevive sem estilo...
O indigente só respira por sondas
Na existência de ações hediondas
Em que a fome mata o desvalido.

Tanta abundância sem um porquê,
É a carência que faz o mundo sofrer
Perante anacronismos coadjuvantes.

Diante duma abastança que é dossiê
Só há bolos com espinhos de glacê
E uma água cheia de anabolizantes!


DE  Ivan de Oliveira Melo