sábado, 28 de fevereiro de 2015

PSICOSE

Astucioso e desvairado, talvez seja eu assim,
Em minha audácia tresloucada sigo em frente
Driblando orgulhos em busca da sutil semente
Que germinada será fruto do que vejo em mim.

Perambulo tonto sobre a esquizofrenia laica
Torneando desejos que parecem mentecaptos,
Em linha reta os vejo livres, então os rapto
E os prendo entre estribilhos de minha mágica.

Pareço néscio? Não! São atributos de vanguarda
Que tento entronizar e a eles dou minha farda
A fim de que sejam os anfitriões do meu castelo...

Trata-se de uma alienação que protege o nome
E o dá aos cabedais prosaicos que se consomem
Sonhos reais que estão entre os mais belos!




De Ivan de Oliveira  Melo   

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

CONTEMPLAÇÃO

Ao clarear do dia
Eu me visto de púrpura
Para assistir ao arrebol
Que se instala
Atrás dos montes.

A lua vai dormir a fadiga
Da madrugada intensa
E as estrelas vão cochilar
Sob a égide do pálido sol
Ainda a esquentar turbinas...

Ressabiada manhã nasce
Aos olhos que contemplam
A mágica metamorfose
Que se opera no tempo
Que é templo de miragem.

Nuvens alvoroçadas pintam
Gigantesco quadro natural
E no frenesi dos contornos
Surgem imagens intuitivas
Açodadas pelos ventos.

Os pássaros despertam,
Rica sinfonia se faz ouvir
E no orvalho do novo porvir
Dou alento aos rumores do dia
Acariciado pelo tom das brisas!




De  Ivan de Oliveira Melo

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

REALIDADE ABSTRATA

Construí um palácio em meu inconsciente...

Meu sonho copulou com diversas fantasias
E minha imaginação pariu alegorias de cristais

Adornadas com adereços coloridos e irreais
Para a edificação de um mundo puro e invisível
Onde a ilusão pudesse temperar o abstrato...

O pensamento modulou de flores o devaneio
Criando no firmamento onírico um céu utópico
Em que idealismos de vida vincularam o prazer
Como substrato fundamental do respirar vital...

Castelos subsidiados por átomos foram erguidos
Num espaço em que a mente verseja no impossível
Astros imutáveis desenhados pela supra criatividade
Tendo como coadjuvante uma sensibilidade retórica
Que fez com que ribombassem corações de pedra!





De  Ivan de Oliveira  Melo

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

INESQUECÍVEL EPISÓDIO

INESQUECÍVEL EPISÓDIO
-CRÔNICA-
Fazendo uma analogia com o desporto estudantil de há 40 anos passados com o tempo de hoje, percebe-se uma grande diferença. Naquela época havia entusiasmo, os estabelecimentos estudantis disputavam as competições com garra, fibra, com amor à camisa, isso em todas as modalidades. Hoje tais acontecimentos são corriqueiros, não se tem a mesma alma, o mesmo sangue, infelizmente.
Fui importante personagem do episódio que narro nesta crônica. Eu era aluno do Colégio GP, o GP era tricampeão na modalidade de futebol de salão infanto-juvenil. As escolas tradicionais da cidade sonhavam em dissipar nosso orgulho, onde havia estudantes que praticavam e gos-
tavam do referido esporte o comentário era único:
- Temos que barrar as pretensões do GP ser tetracampeão, este ano o título será nosso!
E se preparavam com bastante antecedência, participavam de inúmeros jogos amistosos e torneios com objetivo de entrosar seus times e, assim, acabar de uma vez por todas com a façanha de títulos do nosso educandário, por sinal, escola pública. Na atualidade nota-se que os
campeonatos são distintos: escola pública só participa de competições com outras públicas, os estabelecimentos privados têm seus próprios organogramas, mas naquela época, eram todos juntos, num só campeonato.
A cidade fervia. Enquanto os demais se preparavam com meses de antecedência, nosso esquadrão se juntava para os treinamentos específicos visando os jogos apenas 30 dias antes. Fora desse tempo, apenas jogávamos entre nós em torneios inter-classes, hoje chamados nas escolas de Olímpiadas Estudantis. E, dentro da escola, ficávamos todos alvoroçados, esperando pela convocação feita por Fuinha, nosso professor de Educação Física e Técnico. Foi com alegria que vi meu nome selecionado para atuar como ala direita, minha posição. Logo iniciamos os treinamentos. Fuinha, apelido de Luís Carlos Barbosa, era excelente treinador, exímio conhecedor do esporte e era tricampeão com o GP. Teve grandes oportunidades de trabalhar em grandes clubes da capital, como o Náutico, por exemplo, porém era boêmio demais, gostava descaradamente de uma cervejinha e isso foi o ponto negativo em sua carreira. Morreu ainda jovem, vitimado por cirrose hepática, uma pena...
Finalmente chegou o dia da grande estreia. Pegamos uma chave muito forte, com somente escolas privadas. Eram quatro em cada grupo, classificando-se duas para os jogos finais. Eram partidas de ida e volta. Nosso primeiro embate foi na quadra do adversário. O jogo foi bastante apertado, vencemos por 1 X 0, com gol do nosso pivô, Wellington. Era notório o clima desfavorável que enfrentávamos, onde chegássemos para atuar éramos recebidos com xingamentos e, dentro da quadra, éramos alvo de batatas, cascas de laranjas, etc... Segundo jogo em casa, batemos nosso adversário por 3 X 1, fiz dois gols neste jogo, contudo algo desagradável me ocorreu: recebi forte pancada no joelho e, praticamente, estava fora dos demais, dificilmente voltaria a atuar neste ano. Chorei muito e fui muito consolado pelos colegas. Fuinha lamentou bastante minha perda...
- Puxa, Ivan, você é titular absoluto em meu time... vai fazer muita falta...
Abracei-me a ele e respondi:
- Não há de ser nada. Paulo é ótimo ala e dará conta do recado.
Realmente, modéstia à parte, fiz verdadeiramente muita falta ao time, no entanto o time colocou o coração na ponta do tênis e as vitórias foram surgindo: terceiro jogo fora, conseguimos expressiva vitória por 3 X 2 sobre o vice-campeão do ano anterior. Éramos líderes, três vitórias
e os palpites absolutos em apontar-nos, antecipadamente, como tetracampeões. Jogos do returno e mais três vitórias consecutivas, todas apertadíssimas: 4X 3, 7 X 5 e 2 X 1. Finalizamos esta primeira fase como cabeças de chave e, agora, num só turno, sem jogos de volta, o quadrangular final. Eu permanecia machucado e sem qualquer chance de voltar ao time. Tornei-me torcedor, embora durante os jogos eu me vestisse a caráter a fim de completar o banco.
Início do quadrangular final. Jogo muito difícil, um 0 X 0 que insistiu em permanecer até os 2 minutos finais, quando nosso pivô, Wellington, numa mirabolante jogada fez 1 X 0 e, assim, deu cifras ao marcador da partida. Jogo seguinte: quadra neutra, havia chovido muito e nosso
espaço estava sem condições de jogo. Este jogo realizou-se na Quadra do Náutico e vencemos por 2 X 0, com dois gols de Wellington, entretanto este mesmo Wellington quebrou a mão ao final do jogo, faltando 1 minuto numa jogada violenta do adversário. Resultado: estava fora
da partida final, bem como nosso goleiro, igualmente machucado. Iríamos enfrentar na final um esquadrão que também vinha de duas vitórias consecutivas, havia se classificado na outra chave igualmente em primeiro lugar e com 6 vitórias. O jogo prometia. Era um duelo de gigan-
tes, todavia nosso time estava sem três titulares absolutos: eu, o goleiro e o melhor atleta e artilheiro do campeonato: Wellington. Os palpites começaram a mudar, já não éramos encarados como possíveis donos do título e, para complicar ainda mais as coisas, o sorteio apontou a
quadra do adversário para o jogo final. Tudo e todos contra nós. Até o regulamento orava contras as nossas pretensões: como o adversário possuía melhor saldo de gols, jogaria pelo empate para sagrar-se campeão. Só um milagre nos daria o tetracampeonato. Só um milagre...
Chegou o dia da tão sonhada final. Nosso time estava alquebrado, mesmo assim muito confiante. Nosso único receio era o goleiro reserva, Rosalvo, absolutamente não acreditávamos em suas qualidades, “engolia” gols fáceis... esse era nosso único temor. Nos vestiários, minu-
tos antes de começar o embate, percebi a preocupação de Fuinha. Ele caminhava pra lá e pra cá, suava, estava visivelmente nervoso. Fez sua preleção, as palavras saíam “machucadas”...
Eu, que tudo observava, enchi-me de coragem e lhe disse:
- Professor, quero jogar, não posso ficar de fora de uma partida dessa. Por favor, coloque-me em quadra...
- Está doido, Ivan? Você tem uma lesão grave no joelho, não tenho permissão do médico da escola para acionar você. Esquece, não insista... Além do mais, não tem treinado, está fora de rtimo e de forma...
De repente tive uma ideia. Lancei-a. Era tudo ou nada...
- Que me desculpe, Rosalvo, ele sabe que não confiamos nele para um jogo dessa envergadura, então, Fuinha, proponho-me a jogar de goleiro. Pense rápido, temos poucos minutos...
Fuinha deu vários passos à direita, outros vários à esquerda e tomou a decisão:
- Tudo bem, Ivan, você entra de goleiro e que seja o que Deus quiser...
Entrei como goleiro. Justiça se faça: peguei muita bola, parecia o goleiro titular. Mas nosso beque parado, faltando cinco minutos para o término do primeiro tempo, faz perigosa falta fora da área, mas o juiz, provavelmente mal intencionado, viu a infração dentro da área, somente ele, e marcou pênalti. A cobrança foi feita e eles fizeram 1 X 0. A quadra estava superlotada, houve grande comemoração por parte do time adversário. Começaram os xingamentos, cascas de laranja, batatas inglesas sobre nós. Na verdade, estávamos bastante nervosos. Teríamos que virar o jogo e o empate favorecia o time contrário. Final do primeiro tempo. Nos vestiários recebemos aconselhamentos de moral, era necessário que levantássemos a cabeça, estávamos bem no jogo. Calma, muita calma, pedia Fuinha.
- Vocês são gigantes. Não se apavorem com torcida, nem com o time deles. Vocês estão bem e todos viram que a bola do gol não foi pênalti. Foi arranjado. Confio em vocês.
Fizemos uma prece conjunta e novas forças tomaram conta do time. Eles, confiantes de que já tinham o título nas mãos, diminuíram a pressão e começamos a tocar a bola, aguardando uma possível brecha para empatar. Esta brecha só veio ocorrer aos 13 minutos, quando Maurício, o
substituto de Wellington, fez linda jogada e prensou a bola com o adversário perto da área deles e o juiz, mal colocado viu também a infração dentro da área e marcou pênalti a nosso favor.
Dos males o menor, o árbitro havia falhado no primeiro tempo contra nós, agora era nossa vez de aproveitar sua errônea marcação. O próprio Maurício cobrou e empatou: 1 X 1.
O empate favorecia o adversário. Colocaram duas bolas em meu travessão e nós uma vez no travessão deles, porém 1 X 1 dava o título a eles. Comecei a me desesperar... Olhei rapidamente para o técnico deles que, neste momento, dirigiu-se à mesa arbitral para saber do tempo de jogo. Ouvi bem quando o mesário, quase sussurrando, respondeu: 20 segundos!
Nosso beque parado recupera a bola e me faz um recuo. Dominei a pelota com os pés e uma Ideia meio maluca passou pela minha cabeça. Neste instante me esqueci que curtia um machucão no joelho e saí desesperado com a bola nos pés a driblar um, dois, três, quatro e fiquei
de frente ao goleiro deles. Era goleiro contra goleiro e meu colega do time adversário deu um passo em falso, suficiente para que fosse driblado por mim... fiquei sozinho: eu a barra. Calmamente mandei o balão para dentro das redes: 2 X 1 ! Foi o gol do título! Mal eles deram a
saída, o apito do mesário: estava encerrada a partida e nós nos sagramos tetracampeões dentro casa do adversário. Desta vez nos respeitaram. Não nos jogaram mais nada, nem nos xingaram, ao contrário, o público de pé aplaudiu nossa garra, nossa fibra, nossa vitória.
Tudo aconteceu há exatamente 47 anos, em 1968. Este fato ficou gravado em minha mente e faz parte de minhas mais gratificantes reminiscências.
No ano seguinte fui estudar à noite em outro estabelecimento de ensino, desta vez numa escola privada, pois neste mesmo ano perdera meu pai e eu precisava trabalhar durante o dia para ajudar nas despesas de casa. Não deu para continuar jogando, faltava tempo para dedicar-me aos treinamentos e fiquei, a partir de então, apenas jogando minhas “peladinhas” como qualquer garoto que gosta de futebol.
FIM
De Ivan de Oliveira Melo

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

EU DE MIM...

Sou arrimo de mim,
Detetive dos meus passos,
Confidente de minhas inconstâncias.

Sou namorado da solidão,
Amante da saudade,
Filho do sexo...

Sou minha própria religião,
Crítico dos meus ideais,
Político de minhas atitudes...

Sou um complexo de paradigmas,
Um enunciado de sintagmas,
Semente do meu juízo...

Sou o que sou... Só...
Entre ser e estar... apenas estou!





De  Ivan de Oliveira Melo

domingo, 22 de fevereiro de 2015

RETRATO

Não sou sucata...
Não temo o mundo,
A vida é que me teme.
Por que?
Porque a encaro com poesia,
Faço da fantasia
Minha realidade de viver...

Navego em adereços
E mergulho em sonhos
Que são impalpáveis,
Mas construtores
Do meu universo,
É ouro em verso,
Este é meu endereço...

Meu chão não tem areia,
É imenso tapete persa
Onde semeio minhas flores
Em vasos de alabastro
E embora pareça abstrato
É concreto em meu eu,
É onde vivo com meus amores...

Minha casa não tem teto,
É o firmamento que me cobre
E faz de mim mais rico que pobre
Porque converso com as estrelas,
Sou primo do sol e a da lua,
Dono das nuvens,
Expectador do infinito...

É assim que vivo, sobrevivo,
Alheio às contendas do mundo...
A arte me alimenta, sacia minha sede
E me envolve nos diamantes do prazer...
A vida é palco de guerra, hipocrisia,
O mais forte subjuga o mais fraco,
Então faço desse devaneio meu retrato!





De Ivan de Oliveira Melo

sábado, 21 de fevereiro de 2015

IMPROBIDADE MENTAL

O mundo é vasto e eu tão pequeno...

Pequeno diante dos mistérios do universo
Que envolvem sacratíssimos e secretos sigilos

Que pululam perante a individualidade humana
E nocauteia qualquer tentativa de desvendá-los
Por mais nobres que sejam os valores concebidos...

Sinto-me azougado por enigmas estropiados
Que maculam minha idônea e quimérica curiosidade...
É o sacramento do silêncio que faz ensurdecer
As relíquias guardadas sob o véu da fidelidade.

Orbe gigante... Indivíduos ínfimos que vivem aflitos
Por não conseguirem separar o joio do trigo
Mesmo sendo a sapiência eclética e milenar...
Não há paliativos, os gases são perfeitos, intrínsecos
E por mais evolução que haja, a pequenez é retrato!




De  Ivan de Oliveira  Melo






sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CONVULSÕES

Fortes ventos.
A noite parece funesta,
Vejo micro-organismos em festa
Tripudiando sobre meu catre.

Escuto bisonha gargalhada,
São fantasmas que anunciam
O verdor macrobiótico
Da indulgente madrugada...

Fecho os olhos.
Assisto à escuridão que treme
Perante o assobio da mortalha
Que rasga no espaço, as estrelas...

Meu pensamento é diáfano,
Verto medo na solidão...
Murmúrios macabros
Invadem a consciência aflita...

Levito o olhar sobre o teto,
Vultos apócrifos desconexos
Dançam músicas fúnebres
Sobre uma lápide imaginária...

Tento gritar... Esforço-me,
Mas o grito fenece na garganta,
E um pavor atônito se agiganta
Deixando-me tétrico e ressabiado...

Cutuco-me. Estou vivo e aceso,
Taquicardia inunda o quarto obeso,
Consigo soletrar nomes avulsos,
E cogitar preces num só impulso.

Sinto-me invadido pela depressão
De um estuário de faces febris
Que singram orvalhos pueris
Do amálgama que é o coração...

Finalmente a noite se abre e
O dia raia sobre nuvens burlescas...
Trago flores bastante frescas
Do pesadelo que foi conclave...

No sol percebo a magia do viver,
O calor que arrebenta a nostalgia
Da noite consumida pela fantasia
De sonhos castrados ao amanhecer!


CONFIGURAÇÕES LINGUÍSTICAS

O carro voa  estrangulando a estrada,
Os pneus cantam em frenesi  freadas,
De norte a sul trânsito em disparada
E o oeste é leste no mapa das enseadas.

O olhar dorme na audição que trabalha
Microfilmando murmúrios militantes
Que ensurdecem, que tapeiam quadrantes,
Na fragrância do ar em flagrante batalha.

Na noite há ausência de sutis  verdades,
Quem embarca no destino vê vaidades
Encaracoladas aos bronzes das igrejas...

O ontem é como hoje e será amanhã,
Em ziguezague o tempo tece a manhã
E com olhos de suntuosidade se peleja!





De  Ivan de Oliveira  Melo

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

MUNDO CIGANO

Eis o desenrolar de um mundo encantador
Que atravessa séculos através das estradas
E deixa em seus rastros tradições vinculadas
À cultura de um povo de sabedoria e amor.

Universo em que abundância é a liberdade
Do ir e vir pelas veredas que marcam espaço
Em que a confraternização é sempre regaço
Que registra o câmbio de pura autenticidade.

Saias rodadas em colorido alegre e decente
É retrato das donzelas que dançam inocentes
Num rebolado astucioso do perfil feminino...

Colares multicores adornam belos pescoços,
Penteados que singram de magia os moços
Que enfeitiçados bebem na taça do aperitivo.

Indivíduos que sabem desvendar o destino
Pela leitura detalhada das linhas das mãos
Ou incorporando sapiência nas cartas do tarô...

Verdades absolutas não revelam desatinos
Ditadas pela alforria de jovens e de anciãos
Que espontâneos se dedicam a este labor.

Belos exemplares de uma raça que curte o sol
E se debruçam felizes sob os eclipses da lua...
Peregrinos da terra, vagueiam e se perpetuam
Indiferentes aos olhares atemporais do arrebol.

Marcha lenta... estalagens nos vales e campos,
Violões que sorriem melodias através do tempo,
Classe social desprotegida das leis e sem assento,
Mas que escreve sua história isenta de prantos!




De Ivan de Oliveira Melo 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

SOU NATUREZA...

Chovo pétalas de rosas sobre teu nome,
Relampejo delírios que provocam ardor,
Sobre o catre, trovejo instantes de amor
E de ti recebo eflúvios que me consomem.

Sou vento e sopro carícias em tua imagem,
Sou sol e te aqueço perante teus arrepios,
Porém nas noites sou lua e seduzo teu cio
A fim de que entre nós não exista estiagem.

Sou mar e em minhas ondas só tu navegas...
Entre torvelinhos amparo-te em tua entrega
Enxugando teu viço com toalhas do arrebol...

Sou areia... diante do litoral tua volúpia quer
Que te amasse, ame, que te faça só mulher
Sem importar se o que nos cobre é lua ou sol...




De Ivan de Oliveira Melo 

ÚLTIMOS SUSPIROS

Há estradas que se escondem entre aclives e declives...

Há segredos inconfessáveis que se enclausuram tímidos
Sob fantasmagóricas construções pétreas da iniquidade...

Há aromas que adornam olfatos principescos duma elite
Trajando de veludo o mefítico odor que disfarça no social
A soberana hipocrisia que arrasta verdades até o precipício...

Há a inocência seduzida por argumentos que são pecados
Travestidos por pomposas vestes com ares de excelência,
Mas que fustigam de incoerências sensatas ingenuidades
E as jogam nos lagos das perdições plenamente desnudas.

Há humildades que são prisioneiras de fatídicos orgulhos
Em que se sobressai o egoísmo hediondo que segrega júbilos,
Lapidando enfermidades que atrofiam a saúde humana...
O desjejum trabalha em silêncio agregando poupanças, pois
No coração de quem sofre o que morre último é a esperança!



De  Ivan de Oliveira Melo


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

SONHOS ABUTRES

Esses sonhos abutres não me envaidecem,
Tolas são as tentativas vindas no silêncio,
Porque meu magnetismo pessoal é incenso
E desvia os agouros que não me apetecem.

Idiotices que circulam em derredor do sono
Não encontram guarida em secretos anseios
Chaveados em meu íntimo onde só eu os leio
E os mantenho franzinos tais folhas de outono.

São cretinos os devaneios que usam da força
E tentam arrombar os anelos da clave insossa
E mãe das notas desafinadas do meu violão...

Otários! Meu estado onírico tem único governo,
Apenas sonho com o que não me deixe ermo
Para que violetas e lírios oferte eu ao coração!




De Ivan de Oliveira Melo

REFORMA ÍNTIMA

Despertei com uma ponta de tristeza no olhar.
No soalho da alcova, o chamego dum ir e vir
Intermitente de operárias que veem o porvir
E fazem do presente a sensata provisão do lar.

Sentei-me à beira da cama. A mente encardida.
Uma vez mais observei a faina que era intensa
E me perguntei a mim: Por que esta indiferença?
Por que me permito abandonar dos dons da vida?

O pensamento insistia. Aos meus pés o exemplo.
Grossas lágrimas banhavam alhures meu senso
E era urgente que a metamorfose se instalasse...

Busquei o espelho. Olhei para mim. Vi saúde.
A partir dali a vergonha engalfinhou-se amiúde...
Dei desgosto à preguiça e me encarei com classe!



De  Ivan de Oliveira Melo



domingo, 15 de fevereiro de 2015

CALABOUÇO

Sinto-me pássaro, mas estou preso numa gaiola,
Meus dedos escorregam pelas barbas de bode
À procura de uma brecha... O vento me sacode
Pra e lá e pra cá e minha paciência me extrapola

Os limites do silêncio... Então canto com gritos
Ensurdecedores que despertam a cidade malvada
Do sono imbecil de que se embalam na alvorada
Totalmente envoltos em sonhos empedernidos.

Minha voz enrouquecida clama direito à liberdade
E ouvidos impiedosos zombam da arbitrariedade
Que me mantém prisioneiro aos olhos do mundo...

Eis a espessa verdade que se faz em cada criatura...
Seus espaços são tolhidos, amargam tenaz ditadura
E pelas veredas da vida são apócrifos e imundos!




De Ivan de Oliveira Melo 

DEPÓSITO SOCIAL

Os vultos se escondem em meio às nossas incertezas

E se fazem sombras como paliativos de nossa solidão
Que chora inquietudes embutidas na alma desatenta...

Cascatas de ilusão torpedeiam insensatezes a granel
Abrindo vácuos infinitos em nossa imaginação restrita
Que se vê lúgubre perante atitudes que parecem papel,

Mas que são engodos produzidos numa seara pantanosa
Onde o desequilíbrio da consciência perece peremptório...
Despertar deste universo caudaloso é buscar na sequiosa
Brisa que amaina as dores o salvo-conduto deste auditório.

Na arena em que os sonhos se desintegram há renovação
Da energia que rege o descontrole insocial do pensamento
Possibilitando profundos mergulhos do caráter sofrimento
Para que em ondas físicas compreenda-se  onde o coração
Depositará o amor que torna o homem razão e sentimento!




De  Ivan de Oliveira  Melo

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

INCÓGNITAS

Tudo sei, nada conheço...
Febril incógnita é o saber
Quando se ignora o dossiê,
Então inteligência é adereço.

O fim é início do novo tudo,
Começo é adesão ao nada,
Alfa e ômega são camaradas,
Tabuleiros em jogo de ludo.

Vida e morte são extremos,
Enciclopédia que escrevemos
Nos degraus lúdicos do tempo...

Chorar e sorrir... amor e ódio...
O tudo e o nada sobre o pódio...
Afinal, qual é melhor exemplo?



De  Ivan de Oliveira Melo


BECO SEM SAÍDA

Estou em conflito, aflito...
Diante de mim me fito
Buscando me entender...

O mundo roda, nele tudo rola
E em meio a tudo isso
Cheguei a conhecer você!

Minha cabeça dói... É o pânico
De conceber este amor titânico
Perante outros que são dossiê!

Ressabiado... Vejo-me no espelho,
Percebo-me  mais vermelho...
Estou angustiado, cheio de prazer!

Oculto-me de mim, sinto frio...
Minhas pernas tremem...  Será cio?
Não sei... Isto não quero saber...

Traição... O tempo é meu traidor,
Não desejava mais sentir este ardor
Que faz meu corpo deveras estremecer!

Não! Tenho de riscar isto em mim,
Mas as horas me consomem sem fim
E fico perdido sem atinar como proceder...

Choro... Por que em mim tal trapaça?
A paixão me grita, rói e me despedaça,
Joga-me no fogo para o sentimento arder!

Fugir é o que me resta, não há solução...
Enquanto isso meu pensar é o coração
Que ribomba feliz por isto acontecer!

Estou entregue... meu pranto me consola,
Uma volúpia extrema me fere, virei cola
E não há antídoto para tal emoção combater...

Lágrimas adornam minha face... é o medo!
De ver-me seduzido pela vida que é enredo
De uma história que haverei de escrever!

Olhos nos olhos... Sensação de ser feliz...
Meu peito vibra, na oração o santo diz:

É amor, cara, entrega-te, não há o que fazer! 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

MANOGRAFIA

A razão é alegoria quando se fala de amor...

As palavras fazem terapia no tear semântico
E o vocabulário se veste de hinos e cânticos,

Pois em sentidos malabaristas causam ardor
E fecundam sentimentos com puro engenho
Distribuindo aromas de prazer em cada cenho.

Raciocínios são adereços intrínsecos de loucura
Que bailam sobre belas expressões da emoção
Tiranizando gestos, seduzindo apelos de ternura
Que assediam  o sangue que alimenta o coração.

Orais ou escritas, sensações provocam arrepios,
Traduzem milagres confeccionados de volúpia
Em que amplexos sazonados e ébrios cutucam
A sensualidade que derrama no eclipsar do cio
A ventura que embalsama de amor a paixão!



De Ivan de Oliveira Melo

NOTA – O título é inspirado no vocábulo grego MANO,
que significa LOUCURA, logo, MANOGRAFIA é um neo-

logismo com extensão semântica: ESCRITA DA LOUCURA. 

ESTIAGEM

Tomo dos pincéis, das tintas e de uma tela,
Agora vou esquiar tranquilo sobre as nuvens,
Mostrar alvíssaras que sonhos também luzem
Diante do que é feio e das coisas mais belas.

Depois patinarei sobre o crepúsculo e a aurora
Navegando ébrio perante cortinas de fumaça...
Para que fique claro que me utilizo de trapaça,
Percorrei de “skate” desafios mortos de outrora.

Tudo é possível na imaginação, até areia deságua,
Então me previno, pois, a seca já engole a água
E os mananciais da Terra choram com a estiagem...

A vida tem se transformado num mar de utopias,
Suas vagas não molham, apenas inspiram poesias
E fecundam o painel artístico de cromos e paisagens!





De  Ivan de Oliveira Melo

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

JORNADA CELESTE

Imenso regalo tive pela madrugada,
Imagem que jamais irei esquecê-la,
Sonhei que visitava dulcíssima estrela
E sob lençóis dourados via a alvorada.

O néctar da noite perfumava o tempo
Que se pranteava com alegria de orvalho,
O sol beijava a lua sobre lindos cascalhos
Do arrebol seduzido de embevecimento.

Nuvens arquitetavam os céus de fantasia
E meu olhar úmido e radiante consumia
O fogo da paixão que crepitava extasiado...

Vi-me na aurora como semideus solitário,
No cavalo de São Jorge respeitável corsário
Do espaço que despertou assaz apaixonado!




De  Ivan de Oliveira Melo 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

HORAS TARDIAS

Como balouça triste o cipreste,
Folhas secas atapetam o chão
E o vento, malandro,  é o vilão
Que sopra poeira e não se veste.

Pálida sombra que me deixa ébrio
Diante do calor que é pura agonia,
Gente que pranteia sua melancolia
No espaço incômodo do cemitério.

Longas horas me consomem a tez
Sazonada pela brisa rala e quente
Que impunemente me maltrata...

Sob o vulto da árvore é minha vez
De chorar num tempo intermitente
O húmus da saudade e da serenata!



De  Ivan de Oliveira  Melo


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

IDEALISMOS

Filosofar, vez por outra,
Aquece a sensibilidade
E alimenta os hormônios
Da verve poética que,
Translúcida, imprime
Ao teor artístico beleza,
Criatividade e originalidade...

Dissertar o sofrimento,
Por exemplo,
É navegar pelo campo
Extra-sensorial e metafísico
Do homem e do espaço,
Simultaneamente...
É tecer hipóteses
E amadurecer teses que
Alimentarão o conhecimento
Intrínseco dum indivíduo
E, por tabela,
De uma comunidade...

Verdade seja dita:
Ninguém nasce para sofrer...
Sofrimento é inadimplência
De quem deve, de quem
Contraiu débitos junto
À natureza humana...

Certamente há quem interpele:
Vale a pena sofrer?
Sim, vale muito. Por quê?
Porque é através do sofrimento
Que a criatura se depura
E resgata, na mesma moeda,
Os erros e as loucuras cometidas
Ao longo da existência.

Não é dado ao ser escolher
Como deve pagar suas contas...
O sofrimento surge intempestivamente,
De surpresa, no momento certo,
Pois, nada do que nos cerca é acaso,
Tudo tem uma razão de ser, um motivo,
Por mais obscuro que possa parecer...
Tudo chega na medida adequada
E o fardo será tão pesado ou tão leve
Conforme o desvio cometido.

Não estou filosofando agregado a
Qualquer preceito ou crença religiosa,
Porém colocando no papel aquilo que
Observo e vivencio a cada dia da existência...
É a experiência que me traz respaldo
Para o que descrevo. Não é necessário
Glossário sacro ou espirita para conceber
A ideologia de que, quem erra, pagará na
Mesma moeda... Isto é óbvio!

Há quem diga que sofre por amor...
Não se deve encarar o amor desta forma,
O sofrer amoroso não está ligado a enganos
Ocorridos no cotidiano que cerca a vida,
Contudo a uma não satisfação dos desejos
Que prendem à mente aos sonhos embutidos
Que, quando não realizados, permitem que
A consciência que os queira para si os transforme
Em pesadelos, e para muitos, em castigos...

Não é por aí... Só se tem aquilo por que se luta
E, no dia a dia, existem concorrências,
Merecimentos e oportunidades...
A conquista é algo prazeroso, que enche
O coração de alegria, que faz o sol brilhar
Com mais intensidade  e  a lua iluminar com
Mais pureza e opulência...
Não há este ou aquele por quem se deva
Merecer sofrer, ou deixar de sofrer...                                                                                                                                                       O sofrimento simplesmente acontece,
Independente da vontade...

Portanto,  deixem-se os sofrimentos
Corrigirem os erros, transformá-los
Numa apoteose de felicidade,
Pois, só assim aprende-se a valorizar a vida
Visto que quem concebe de verdade as lições
Jamais voltará a cometer os mesmos pecados...
Bom, a não ser que se seja devasso, depravado
E que o que exista em derredor não cative interesse...
A tais indivíduos, francamente, busquem outro orbe,
Porque este é o sistema do planeta Terra:
Ninguém nasce sabendo...
É errando que se qualifica como ser humano,
É estendendo a mão ao próximo que se busca
Compreender o amor e a recebê-lo...
Na mesma intensidade!


De  Ivan  de  Oliveira  Melo


OLHAR SECRETO

Através do olhar eu falo contigo,
Perante ti desnudo meus sonhos,
Revelo-me inteiro e te proponho
Sermos mais do que simples amigos.

Dispo minh’alma, exponho desejos
Que incendeiam vorazes meu libido...
É magia... É amor – Então decido
Que tesão envenenado eu  almejo...

Silêncio é adrenalina, estou nas órbitas,
Avalanche de volúpia estremece a aorta
Seduzindo de ardor o cio que me consome...

Pelo sigilo dos olhos minha boca te fala...
Vem de mansinho e consuma minha tara,
Pois, não há outro igual a este homem!




De  Ivan de Oliveira Melo

domingo, 8 de fevereiro de 2015

DUAS METADES

Há momentos que sou apenas metade de mim...

Talvez línguas desvairadas perguntem:
E a outra metade? Que vem a ser dela?

Não sei... Quando vivo uma metade,
A outra simplesmente se esconde, some,
Nem imagino sequer o paradeiro dela...

Na verdade, estas duas metades são extremos,
Cada qual tem vida própria, mentes individuais,
É como se fossem estrangeiras, não se entendem,
Nunca se encontram, sobrevivem a distância.

Às vezes é trabalhoso adaptar-se aos engenhos
Que tecem no dia a dia, por sinal enfadonhos...
Sinto-me como se em mim houvesse dois mundos:
Um proponente da concórdia, do bem-estar, do amor;
Outro, depravado, devasso... no íntimo, meu inimigo!



De  Ivan de  Oliveira Melo


IRREVERÊNCIA

Eu levo a vida um pouco displicente,
Em derredor o alvoroço é ululante,
Devagar tudo desbravo, sigo adiante
Sem preocupar-me se sou irreverente.

A indiferença faz-me saborear solidão,
Mas nada às pressas tem tom perfeito
E circunstancialmente marca defeito,
Pois, correria não é amiga de perfeição.

Estou atento às intempéries e analiso
Cada detalhe que assoma em meu piso
Para combater usuras e deletar o mal...

Lentamente vou construindo o edifício
Onde subo e desço sem ser desperdício,
Mas coadjuvante do viver infinitesimal!



De  Ivan de Oliveira Melo


DOCÊNCIA E DECÊNCIA

Em minha juventude fui audaz mancebo,
Em cada esquina edifiquei suntuosas ilhas
Para perder-me em alquimias pelas trilhas
Donde fui cinzel, agora sou grisalho e sebo.

Em meu tempo áureo construí poupanças,
Dei à minha vida xilogravuras de bom moço,
Patenteei meu caráter e ergui alto o pescoço
Mostrando que humildade retalia vinganças.

A personalidade foi  filha dos bons costumes
Que sempre comigo caminhou e que me une
Aos menestréis que cantam e luzem o amor...

Envelheci, verdade, porém não sou carcaça,
Minha consciência anciã tudo ensina e passa
Para que na morte eu não saiba o que é dor!




De  Ivan de Oliveira Melo

sábado, 7 de fevereiro de 2015

AVESSO DE MIM



Ando deveras meio meditabundo...
Os arautos da consciência estão grevistas,
Perambulo cismático à cata de pistas
Para uma melhor compreensão do mundo...

Do mundo? Ah, dum universo particular
Em que acervos problemáticos vivem livres
Fazendo-me cambalear nas lições que tive
No que tange a um aspecto íntimo: amar!

Amo-me, mas não sei se sou correspondido...
É que meu âmago baila-me de inimigo
Numa circuncisão de sonhos travessos...

Estou macambúzio... Não marco tentos,
A estas alturas deixo-me guiar pelos ventos
Que sopram alhures e me enxergo pelo avesso!



De   Ivan de Oliveira  Melo

COISAS DE CARNAVAL

COISAS DE CARNAVAL
-conto-
Silvano Moisés, 36 anos, eletricista autônomo. Desde os 5 anos idade que brinca carnaval. Começou nos bailes infantis e, com o passar do tempo, foi aprendendo a gostar mais e mais da folia de Momo. Estava muito perto de chegar aos 37 e, neste ano, estava difícil, a saúde o cambaleou e ele estava interno num hospital. Diagnóstico: câncer de pulmão.
Todos os dias olhava para a folhinha que havia na parede perto de sua cama: apenas uma semana o separava dos festejos que mais amava. Infelizmente estava desenganado pelos médicos, seu estado era terminal.
Um dia, pela manhã, puxou conversa com a enfermeira que levava sua refeição matinal.
- Lourdes, seu nome, não é?
- Sim, Seu Silvano, meu nome é Lourdes. Quer me dizer alguma coisa?
- Quero lavrar por escrito meus últimos desejos. Sei que estou pertíssimo da morte, meu corpo já não obedece aos meus comandos e, como estamos às vésperas do Carnaval, desejo expor minhas vontades enquanto estou consciente.
- O que pretende? Diga-me, escrevo aqui neste bloco e deixo aqui na mesinha para que todos possam ler e tomar conhecimento. – Pediu Lourdes.
- Caso eu ainda esteja respirando pelos dias de carnaval, quero que uma ambulância me leve até o centro da cidade onde ocorrem as
manifestações carnavalescas. Que se abram as portas do veículo e eu possa curtir meus últimos momentos de vida saboreando o que
amo: o Carnaval em toda a sua plenitude. – Expôs o paciente.
- Não sei se será possível, Seu Silvano – disse Lourdes – provavelmente seu médico não concordará com isso, nem tão pouco o hospital.
- Não me interessa, senhora Lourdes – esbravejava colérico, o doente – todos têm obrigação de atender aos meus derradeiros desejos nesta vida.
- Acho pouco provável que atendam – explicava Lourdes, com paciência – além do mais sua esposa e seus outros familiares também não haverão de aceitar tal desejo, seu estado de saúde não permite. De qualquer maneira, está anotado aqui, todos haverão de ler.
Lourdes abandonou o recinto. Silvano ficara só, remoendo suas ideias.
Os dias foram se passando. Chegou o tão esperado período de alegrias. Silvano Moisés prosseguia na mesma: não piorara, tampouco melhorara, sua situação clínica era a mesma. Claro, seus últimos desejos foram categoricamente negados por todos, não havia cabimento ao
que sonhava. Porém ele não desistira, sua mente trabalhava a todo vapor: ele haveria de não perder a festa. Imaginou uma porção de situações e se apegou a uma delas.
Foi no sábado de Carnaval. Famoso bloco carnavalesco abria as festividades da cidade e era considerado o maior do mundo, isso devido ao número de foliões que o seguia pelas famosas ruas, já conhecidas do público ao longo dos anos. Silvano esperou que a enfermeira saísse do quarto para colocar em prática o que planejara. Durante a madrugada conseguira levantar-se e buscou em suas roupas o dinheiro que ali pudesse existir. Até que havia uma boa quantia. Pronto. Tudo mais fácil do que poderia imaginar. Ainda não havia chegado qualquer pessoa de sua família e foi neste ínterim que abandonou calmamente os aposentos e desceu as escadas sem ser interceptado. O caminho estava livre. Chegara à rua sem ser visto e logo entrou num táxi. O motorista até que estranhou:
- O senhor é paciente do hospital?
- Nada, moço, claro que não, esta é minha fantasia. Vamos sem perda de tempo, não posso perder um só instante o desfile do meu bloco favorito. – Disse Silvano.
E o motorista, inocente, acreditou. Levou-o até o centro, o frevo era a alegria da multidão.
Apesar das fortes dores que sentia, a respiração bastante ofegante, Silvano Moisés pagou a corrida e desceu do veículo. Catou o dinheiro que trazia e comprou uma latinha de cerveja.
“Este é meu último Carnaval, então me libero de tudo, inclusive do álcool, aproveitarei até o fim e que Deus seja louvado...” – Pensou.
Não se sabe como, todavia Silvano conseguiu se distrair e se meteu no meio do povo. O que faz a força de vontade! O que não proporciona o amor às coisas da vida! Horas e horas permaneceu cantando, dançando, frevando... até esqueceu que estava profundamente enfermo
e em horas e mais horas saciou sua sede, seus mais sublimes anseios em relação à época em que vivia.
Lógico... O sol estava escaldante, o calor insuportável e houve um instante que Silvano sentiu tonturas, caiu, levantou-se e foi se amparando num e noutro até que sucumbiu definitivamente, totalmente embriagado. O bloco seguiu seu destino e Silvano ficou estendido numa
esquina, isolado e esquecido...
No hospital foi dado o alerta. O paciente do apartamento Y havia desaparecido. Procurou-se por Silvano em todas as dependências. Nem sinal do paciente. Foi quando, Clotilde, a esposa de Silvano, matou a “charada”.
- Gente, eu não quero crer no que estou imaginando, porém acho que é exatamente o que está acontecendo... Meu Deus, será possível?
- Em que a senhora está pensando? – Quis saber a chefe do setor de enfermagem.
- Hoje é sábado de carnaval...Meu marido é alucinado pelos festejos de Momo... Hoje dia do desfile do seu bloco predileto. É isso, Silvano fugiu, foi para o desfile... Santo Deus! - Frisou Clotilde.
- Impossível, senhora! Seu marido não havia em si condições de sair andando daqui – Falou a enfermeira.
- Pois eu tenho certeza! Vamos, senhora, arranje-me uma ambulância, vamos resgatá-lo antes que seja tarde demais...
E lá se foram Clotilde, a chefe do setor de enfermagem do hospital e um médico à cata de Silvano. Percorreram as várias ruas da cidade, meteram-se no meio do povo e... nada do doente! As horas corriam céleres... Já estavam quase desistindo quando Clotilde viu um homem
caído numa esquina com uma latinha de cerveja às mãos.
- Vejam, é ele! Eu não disse! – Deus seja louvado!
Silvano Moisés foi trazido de retorno ao hospital. Seu estado de saúde agravou-se. Estava inconsciente e de imediato deu entrada na Unidade de Terapia Intensiva. Estava em coma!
Todos confabulavam, analisavam como pôde ele sair sem ser visto e que força misteriosa o fez levá-lo até onde o encontraram...
- É preciso ter muito amor ao Carnaval para fazer o que este homem fez – Dizia Lourdes, a enfermeira.
- Nestas horas, inexplicavelmente, o corpo ganha força, novas energias, embora momen-tâneas – Tentava explicar o médico de plantão – o amor fala mais alto!
Três dias Silvano ficou na UTI. Ao final do terceiro dia, confirmava-se sua morte.
No dia seguinte, à tarde, era intenso o movimento no velório. O sepultamento estava marcado para ocorrer às 17 horas. Esposa, irmãos, mãe, pai, primos, tias, tios, amigos mais chegados velavam o corpo coberto de flores no caixão que estava para ser fechado. Era a hora da despedida. Eis que quando algumas mãos se puseram a fechar o ataúde, repentinamente Silvano desperta, senta-se em meio ao caixão e, com um olhar de assombro, interpela:
- Quem morreu aqui?
Silvano não falecera, tivera um ataque de catalepsia não identificado pelos médicos. E o mais espantoso de tudo, Silvano Moisés estava plenamente curado da doença que o acometera. Perante a surpresa de todos, perguntou:
- O Carnaval já acabou?
FIM
De Ivan de Oliveira Melo

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

COSMOVISÃO

Deixai-me ouvir a voz que sussurra em  minh’alma
E as cachoeiras que choram águas na natureza...
Prados e bosques sentem no frio dos ventos
A algazarra dos pássaros que cantam solitários
Melodias em que o crepúsculo convida a aurora
A bailar perante o rubro arrebol que desperta e morre...

Deixai-me escutar o mar que joga bravias ondas
Sobre as pedras insensíveis do pálido litoral
Que boceja suas ingratidões sobre tapetes de areia...
Tempestades de emoções inundam no calor das noites
Os astros que cintilam ciúmes sob intensos açoites,
Permitindo que nuvens acanhadas despejem fosforescência...

Deixai-me dialogar com relâmpagos que riscam o horizonte
E pedir aos trovões que beijem a atmosfera densa,
Que enclausurem tristezas no espaço incandescente e sombrio...
Que no verdor das madrugadas o silêncio ensine a orar
A fim de que os sonhos não sejam apenas simples devaneios,
Mas enxurradas de sensações brancas e transparentes...

Deixai-me sorrir com a ingenuidade das crianças
E colorir o firmamento com estrelas que falem de amor
Para que na realidade da vida haja equilíbrio e paisagens
Onde os olhares possam dormitar quietude em suas angústias
E acordar o sol que dorme encoberto pelo manto da lua cheia
Sob a grinalda que semeia alegria e pare urgentes verdades!





De  Ivan de Oliveira Melo

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

SINCRETISMO

Secretamente o pensamento divaga
Sobre facetas que o amor engendra,
O amor é atemporal e não é agenda
Das relações baldias que nutrem sagas.

O amor é tônica em relações homogêneas...
Até que ponto? É possível tal interatividade?
Mistérios... Hoje tudo é multiplicidade,
Não é exclusivo das relações heterogêneas.

Em sua essência o amor é unilateral,
Contudo é em sua forma assaz fraternal
Que deve eclodir como ensinamento cristão...

É fundamental que o amor não perca raízes
A fim de que não existam mais dias infelizes
Neste mundo de fantasia em forma de coração!




De  Ivan de Oliveira Melo

TEMPO É RECIPROCIDADE

O presente encena o passado...

O tempo não metamorfoseia suas vestes,
São os indivíduos que se travestem

E se trocam e lambuzam o palco
Em que desempenham seus papéis
Neste imenso anfiteatro que é a vida...

As horas não se cansam, nada é finito,
Tudo no mundo são cansadas retrospectivas
Do primitivo que ganha novas faces e fases
Num plágio constante do que foi ontem...

Falta de criatividade? Talvez! Universo febril
Que peca pela ausência de originalidade
E o que é novo é velho, o que é velho é novo
E, assim, os séculos se consumam no vaivém
De atores que morrem e renascem imperfeitos!




De  Ivan  de  Oliveira  Melo

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

ECOLOGIA DO AMOR

A solidão chora em silêncio,
O silêncio chora na solidão
A saudade que faz vazio o coração
Afogado na dor do amor intenso...

A madrugada muda sente ardor
Na paixão insana e tresloucada,
É o orvalho que brota na alvorada
Da orgia consumida sem pudor.

Na volúpia que sensualiza o cio
O orgasmo é o vapor sombrio
Que adorna a noite de fantasia...

Prazer é anestésico da sensibilidade,
É carinho que vincula na intimidade
O sonho que é ternura e doce alegoria!




De  Ivan de Oliveira  Melo

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

SALTIMBANCOS DO MUNDO

Somos ilhas metafóricas cercados de problemas,
Nossas naus se desgovernam, navegam à deriva
E os sonhos encharcados de fantasias hipnotizam
Pensamentos que nutrem o cotidiano de dilemas.

Somos partículas de areia espalhada pelos ventos
Que sopram destinos incomensuráveis no espaço,
Átomos afrodisíacos que buscam em cada pedaço
De vida N motivos para desabrochar sentimentos.

Somos cadeias de moléculas fantoches do mundo
Regidos pelas intempéries de um dia a dia imundo
Que solavanca o bom-senso destruindo as retinas...

Somos rivais humanos... apáticos enfermos febris
E nos esquecemos que em nós há jardins primaveris
Capazes de sufocar a dor e reerguer nossas oficinas!



De  Ivan  de  Oliveira  Melo


SINTOMÁTICO

Sob a noite me desmantelo e me aprumo
Olvidando catarses que me ponham medo,
Dialogo em mim, confesso-me em segredo
Sobre inconstâncias que furtam meu rumo.

O silêncio constrange e o coração palpita
Desfazendo nas linhas macabras da escuridão
Os anelos que cegam e roubam pudor à paixão
Que alucina e torna a vida secreta e maldita...

Ouço a própria voz a diluir sonhos enfeitiçados
E carentes que me torturam anseios flagelados
Pela inadimplência do amor que anda em férias...

Adormeço e desperto... Profunda via de tédio
Aboleta-se em meu corpo dilatando hemisférios,
Provocando a compreensão das minhas misérias!





De  Ivan de Oliveira Melo

domingo, 1 de fevereiro de 2015

SAPIÊNCIA

Não me prendo a pinturas e enfeites,
Diante da fosforescência do meu olhar
A vida é intensa fantasia, meu deleite,
Cabe-me tão somente dormir e sonhar.

Meus ouvidos não saboreiam fofocas,
Perante cochichos malévolos do mundo
Vivo à margem intocado em minha oca
Tricotando o que é fútil e vagabundo.

A consciência me instrui valores sadios,
Assim em meu mar só navegam navios
Produzidos no estaleiro da prudência...

Minhas pernas caminham em linha reta,
Minhas mãos coordenam com uma seta
As veredas onde vitrines saciam decência!



De  Ivan de Oliveira  Melo