quinta-feira, 23 de julho de 2020

URGÊNCIAS





Aqui, onde inverno e verão se trocam,
Onde sol e chuva inundam por si sós,
Onde as trevas são o silêncio da escuridão...

Aqui, onde centenas de rituais se misturam,
Onde milhões de fiéis falam da palavra Santa,
Onde outros milhões de seres se dizem ateus...

Aqui, onde agnósticos ficam em cima do muro,
Onde muitos prevaricam mesmo falando Dele,
Onde a “massa” é estoica e plebe simultaneamente...

Aqui, onde muitos pobres mostram o que não têm,
Onde milhões de abastados escondem suas riquezas,
Onde muitos que querem viver apenas sobrevivem...

Aqui, cá, lá, ali, acolá... Seja lá onde for...
A vida sente necessidade
De ser mais sincera, fiel e honesta!


DE  Ivan de Oliveira Melo

REFLEXÃO




Para que quero o pensamento
Se a verdade é mentira
E se a mentira tornou-se verdade?
Caso haja ouro dentre a areia,
Provavelmente haverá esmeralda
Misturada com as poças de lama...

Enquanto o pacote parece pesado,
Os ponteiros da balança não se movem,
Porém se o mesmo pacote estiver vazio
Para que serve então a balança?

O peixe que caiu numa determinada rede
Voltará a ser pescado outra vez?
Se o homem tem consciência de si mesmo,
Refletir é perda de tempo... Mera rotina!

A mentira que divulgou ser uma verdade
Estacionou no tempo e a verdade... Bem...
A verdade enlouqueceu!


DE  Ivan de Oliveira Melo

segunda-feira, 20 de julho de 2020

ROTINA





Dia surgindo...
Sutil contentamento
Se instala nos lábios
Das crianças que dormem,
Ainda...

Nuvens plúmbeas
Desenham um céu cinzento
E os pés se tocam, alvoroçados,
A cutucar a coceira que arranha.

O que se sente
Não se pode olvidar...
O que existe,
Inexiste nos sonhos.

O Sol avança,
O calor amedronta
A liberdade de brincar
Na seara do dia...

A tarde campeia,
A preguiça distorce
A faina do estudar
Nos semblantes infantis...

A noite chega,
A madrugada configura
Os devaneios indeléveis
Do que se chama vida!


DE  Ivan de Oliveira Melo


MARCAS






Como posso atear fogo na alma?

Ela blasfema suturando a ousadia
Da herética e irresponsável audácia

De querer hibernar em pleno verão
Debaixo de um sol que derrama água
Sobre o equinócio de uma lua prenha.

Como posso bronzear a inspiração
Se as palavras se afogam na areia?
O alfabeto não conhece de cálculos
E os números são incapazes de ler...

Como atear fogo em minha consciência
Já que sou verdugo das sinestesias?
Um breve aceno conspira contra o dúbio
Entrechoque dos termos sem polissemia
Deixando rastros de cruéis anfibologias!



DE  Ivan de Oliveira Melo

domingo, 19 de julho de 2020

CONSISTÊNCIA





Somente escuto o timbre abafado
De uma voz carcomida de desejos
Que range em meu íntimo e pelejo
Para afogá-la perante meu passado.

Vejo na vitrine do tempo um espelho
Que reluz em minh’alma abandonado,
Tapeando as horas de um quadrado
Onde adormece um pálido esqueleto.

Ouço o perambular do matutar morto
A recordar a saudade em pleno porto
De uma areia úmida, febril de ressaca!

Sinto uma atmosfera de solidão pétrea 
A sufocar-me o corpo por toda a área
Até que, de mim, reste-me só carcaça!


DE  Ivan de Oliveira Melo

quinta-feira, 16 de julho de 2020

INSALUBRE




Cá estou eu,
Deitado sobre almofadas,
Acariciando o pensamento,
Lambendo das vicissitudes
Que somos obrigados
A suportar do quotidiano...

Aqui estou eu,
Opresso pela agonia
Dum dia a dia inescrupuloso
Em que as torrentes maquiavélicas
Se deitam sobre as consciências
Malfadadas e tolhem o bem-estar.

Assim sou eu,
Menestrel das combustões
Que dilaceram o epigrama
Da existência urdida
Pela mentepsicose das paixões
Estéreis dum tempo esdrúxulo.

Destarte sou eu,
O vilão de mim mesmo,
Opúsculo das razões permeáveis
Que desenham no círculo das emoções
O avatar demoníaco das trevas oníricas,
Coadjuvantes da maledicência secular.

Doravante possa eu,
No eclipsar da sobrevivência,
Capturar os diabetes sazonais
Que fazem de mim
Fantoche de deserdadas sensações
Cultivadas sob a égide da loucura.

Data vênia à minha inconsciência
Que não adormece sobre prados brancos,
Mas labuta sonhos ortodoxos
A fim de que nesta anacrônica
Reflexão que faço do meu ego
Seja uma anatômica depressão efêmera!

terça-feira, 14 de julho de 2020

ADVERSATIVOS




Tão nobre e vive a pedir asilo...
O pobre é engolido pelas ondas
Na vida das peripécias redondas
Onde não se sabe o que é aquilo.

Tão rico e sobrevive sem estilo...
O indigente só respira por sondas
Na existência de ações hediondas
Em que a fome mata o desvalido.

Tanta abundância sem um porquê,
É a carência que faz o mundo sofrer
Perante anacronismos coadjuvantes.

Diante duma abastança que é dossiê
Só há bolos com espinhos de glacê
E uma água cheia de anabolizantes!


DE  Ivan de Oliveira Melo