CIDADE DOS MORTOS
-Crônica-
Padecia eu de um mal
incurável de acordo com a ótica da ciência. Havia estado durante algum
tempo interno num hospital público que, apesar de público, prestara-me
bons serviços. O diálogo médico chegara ao fim: eu estava em estado
terminal e o aconselhamento fora para que o meu falecimento se desse em
casa, pois, haveria de ter mais conforto e o desenlace seria mais
tranquilo. Contudo, possuía eu ainda consciência.
Intimamente
intenso desespero acometia-me. As horas não corriam, os dias eram
intermináveis. Refleti na vida que levara e me descobri possuidor de
inúmeros pecados, precisava de qualquer modo ser perdoado por Deus
através de uma autoridade eclesiástica. Pedi para que me
providenciassem um padre.
Atenderam-me. Veio até minha cabeceira um
sacerdote meio idoso e, a ele, narrei minhas turbulências, sem de nada
esquivar-me. O homem de batina escutou-me com atenção e,
posteriormente, abençoou-me, dizendo que o Senhor dos Exércitos
havia dado o perdão. Fez referência às preces e me solicitou que
rezasse bastante, haja vista que um mundo de luzes e alegrias estaria
à minha espera. Agradeci, todavia percebi que faltava alguma coisa que
não saberia apontar. Minha insatisfação prosseguia.
Insatisfeito e
profundamente deprimido, via os dias lentamente se escoarem. Tomei outra
decisão: implorei para que me conseguissem um pastor evangélico, eu
necessitava igualmente ser perdoado e ouvido por uma outra doutrina.
Não demorou muito e logo se encontrava diante de mim um reverendo ainda
jovem, mas que me impôs uma condição: eu teria que levantar as mãos e
aceitar Jesus como único Salvador. Não dei importância ao fato e fiz
conforme o pastor desejava. Fez muitas preces em torno de mim, leu
várias passagens bíblicas, cantou diversos hinos e me preparou para o
passamento, afirmando que eu dormiria em paz até a consu-
mação
dos séculos, porém depois estaria para sempre ao lado do Senhor como um
dos escolhidos. Também agradeci, no entanto a ausência de algo notada
na visita do sacerdote permanecia. Difícil era explicar, compreender de
que se tratava.
Os dias continuavam monótonos, a depressão era o
resultado do meu estado psíquico. Era latente minha indisposição em
aceitar tudo aquilo. Prometeram-me a morte e, ao meu ver, a mesma
parecia distante dos meus anseios, de minha vida. Plenamente revoltado
com o dissabor de ver-me acoplado a um catre, roguei que me trouxessem
um representante da doutrina espírita, talvez em suas palavras e
ensinamentos, afinal pudesse acalmar meu espirito tão conturbado.
Perante mim estava uma senhora: nem jovem, nem idosa, de meia idade.
Pertencia a um centro Kardecista. Contei-lhe sobre minha existência, a
respeito das minhas faltas e
educada e atenciosamente me
escutava. Revelou-me os planos de Deus concernente às vidas sucessivas e
me orientou no sentido de que não me preocupasse. Haveria eu de
retornar num outro corpo e, assim, resgatar todos os meus erros até a
época em que não mais teria a necessidade de encarnar sobre a terra,
porque mundos mais evoluídos me aguardavam num futuro próximo. Fez-me
outras preleções e me aconselhou a ler a fim de que me educasse no
concerto das verdades universais.
Deixou-me linda mensagem e um
pouco de paz, entretanto não atingiu suprir o vácuo que teimava em
aborrecer-me, sem que ninguém conseguisse desvendá-lo. E, mais uma vez,
vi-me diante do tempo, diante de um tempo inexplicável, que não
corria, nem voava, marchava calmamente. Descobri-me mais forte e
disposto, era incompreensível que estivesse tão enfermo a ponto de haver
sido desenganado pela Medicina. Revoltei-me. Sugeri que me
encaminhassem devotos de outras religiões, seitas, fosse lá o que fosse.
Então tive visitas de busdistas, maometanos, judeus e uma infinidade
de outros religiosos. Nenhum obteve o êxito de
preencher a
lacuna que dentro de mim havia, não obstante meu cérebro trabalhar,
pensar... Formulava questões e as respondia. Foi assim que dissipei
finalmente o mal: eu queria viver! Nada em mim existia, eu era capaz e
cheio de saúde e, até hoje, após muitos anos desses acontecimentos,
trabalho e tenho uma vida normal, em conformidade com minha
idade. Hoje estou realizado e feliz. Nada mais!
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