quinta-feira, 30 de agosto de 2018

REBULIÇO





Chora que chora na balbúrdia da noite
E chora porque o choro consola a inquietude.
Chora. Lágrimas obesas que lambem a face
E caem ressentidas no tapete da ingratidão...
Chora porque diante da cegueira se foi a visão.

Tão leve é o choro que azucrina a paciência,
Choro defumado por geratrizes que umedecem
Os pontos onde os nós se desequilibram azedos
E sobre si permitem que as labaredas bocejem
Sonolentas e impuras tostando alicerces do bem.

Não se enxugam as lágrimas que não têm perfil,
Por isso se chora cada vez mais diante do intelecto
Já macerado pelas angústias e pelas agonias afins...
Chora tal qual o pássaro que não entende de utopia,
Todavia é no pranto rebuliço que se consome nostalgia!




DE  Ivan de Oliveira Melo

sábado, 25 de agosto de 2018

ANIMALESCO



Uma imagem que não ouso esquecer,
Miragem de uma lembrança que isento
Da memória, pois tu que foste um vento
Hoje és tão somente para mim um dossiê...

No começo me derribavas em teus galhos,
Depois me socorrias já ferido dentre folhas
E, mesmo que não fosse eu uma tua escolha,
Vivia sangrando aos teus pés, cheio de talhos.

Aos pedaços prolataste pilhérias pela boca,
Eu colocava as mãos a cobrirem meu rosto,
Porque sofria em silêncio ousado desgosto...

Ah! Ninguém falou por ti, tu a mim o disseste
Que a vida era enciclopédia e que eu o imortal
Das páginas que retratariam teu gênio animal!


DE  Ivan de Oliveira Melo


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O SEPULCRO





Santíssimo Pai de extremada abundância,
Enveredo sisudo pelo pórtico do óbito: só!
Calor intenso, racha-se a pele perante o pó
E a última dose de vinho refresca a ignorância!

Oh! Se alguém escuta do pranto abandonado
A angústia que corrói os sintomas do medo
Que a catacumba esconde, talvez pelo degredo
De um espectro que foi injustamente imolado,

Pode notar a macumba que se infiltra no tédio
Que é o respirar da solidão ingrata do cemitério
E gritar em altos brados por socorro e liberdade!

Positivamente diante do átrio não há comiseração,
Na vida que se enterra já não pulsam tom e coração
E, do tudo o que se deixa, fecunda-se a fertilidade!



DE  Ivan de Oliveira Melo



sexta-feira, 17 de agosto de 2018

GUSANOS ORTODOXOS






Há circunstâncias da vida que são vermes
Que nos acossam o corpo e, a espinha dorsal,
Treme lambuzada por abobrinhas do mal
E nós, tremendamente tímidos, intérpretes

Dos instantes que se locupletam oniscientes...
Tesudas bactérias nos espreitam, alucinadas
Pela oportunidade de fazerem em nós moradas
Onde se reproduzem e nos adoece, lentamente.

Os parasitas são de nós, escrotos inimigos
E nos organismos constroem tétricos abrigos
Que enfermam de morte os órgãos pluricelulares...

Engenhos antibióticos tentam dissipar tais ninhos,
Contudo essa legião de bandidos são pergaminhos
Que se desenvolvem e se comunicam por celulares!

DE  Ivan de Oliveira Melo


domingo, 5 de agosto de 2018

REMORSO



Meus olhos se associam ao pêndulo
Que trabalha verticalmente para baixo,
Em minha consciência também encaixo
As dores que navegam num íntimo chulo.

Meus pensamentos empobrecem ávidos
Por esquecerem horas do nocaute ébrio,
Numa atmosfera em que me mata o tédio,
A desolação incauta não me deixa impávido.

Sofro de uma contingência e sou o culpado
Por não haver o equilíbrio de algo apurado
Num tempo em que apenas divisava o torso...

As horas são ingratas! Ingrato também o sou,
Pois não me detive quando sua boca soluçou
E agora o castigo é perene: sofro de remorso!




DE  Ivan de Oliveira Melo   

terça-feira, 31 de julho de 2018

POÉTICA MITOLÓGICA



Cinjo-me de sabedoria com o apoio de Atena
A fim de desenvolver uma plêiade mitológica,
Sublevo-me descendente de Apolo e a Lógica
Filosófica para não usufruir da arte o anátema.

Para escrever bem preciso do fogo de Hefesto
Que emblema em mim os oceanos de Netuno,
Contudo é indispensável que não seja o intruso
Que dilapida fenômenos, provocando o incesto.

Durante as noites, à luz da Lua, evoco à Ártemis
Para ter o privilégio das madrugadas nas caças
E, assim, deter o galardão maior com dose tênue,

Sem violência, para que não ter a zanga de Ares...
Meter-me num confronto bélico seria desgraças,
Porque Héstia não tolera a infidelidade nos lares.



DE  Ivan de Oliveira Melo 

domingo, 29 de julho de 2018

VULTO




Que me importa o martírio
Se durmo solitário sobre pedras?
Que me importa a morte
Se meu nome é dilúvio
Que se afoga sobre a sede das multidões?

Que venha o sol alimentar os pastos
E soerguer a vida nas campinas...
Que venha a chuva apagar o holocausto
Que bronzeia os corpos mefíticos
Atolados no lamaçal das carnificinas...

Que me importa a lua
Se a noite é penumbra sem sombra?
Que me importa o orvalho
Se a sobrevivência do homem está em coma
E se o pão que sacia a fome
Apodreceu no inóspito deserto?

Que venham as preces nutrir a esperança
Que adormeceu no mausoléu do vício...
Que se ergam doutrinas e púlpitos
Porque a palavra tornou-se desperdício
E o amor que vivia entocado hoje é vulto!


DE  Ivan de Oliveira Melo

POEMA PUBLICADO EM MEU LIVRO
Descrevendo a Vida em... Poemas Contados ou Contos Poemados?
Câmara Brasileira de Jovens Escritores,

Rio de Janeiro, 2016.