quarta-feira, 7 de setembro de 2016

BLASFÊMIA

O homem cultua em si antiga blasfêmia:

O flagelo da consciência que tece a ignorância!
Há um certo receio de conhecer as coisas da vida…

Com isso, deixa-se envolver pelo desconhecimento
E se encobre no véu dos paladinos rubros da piedade
Temperados à mercê da compaixão atônita dos nobres.

Rasteja-se pelos caminhos pedregosos da omissão
Permitindo que as atrocidades sejam reflexos do meio…
Eleva-se à categoria dos coitados indigentes sociais
E sobrevive à míngua dos padrões passionais do óbulo.

Deserda de si o óbvio: cultura e abnegação ao trabalho
Tolerando que a mentira alimente a preguiça e a doença.
Foge aos compromissos em que a palavra seja a lição,
Pois é mais confortável viver às custas da indignidade
A solfejar a flauta que cria e recria e que alimenta a alma!



DE Ivan de Oliveira Melo



segunda-feira, 5 de setembro de 2016

SEMIDEUS

Todos os dias em frente à minha casa ele passa.
Em seus lábios o doce sorriso de menino carente
E debaixo do braço carrega os livros e se sente
Como se fosse o dono da rua e da beleza esparsa.

Longos e lisos cabelos loiros esvoaçam ao vento
Enfeitando de formosura sua face meiga e branca,
Sua pele brilha diante de um sol que é esperança
Dos dias lineares que vão prestar contas ao tempo.

Em seus olhos azuis há um firmamento de estrelas
Que lhes dá a certeza de que o mundo é multicor
E feliz ele perambula e pulula com entender a dor
Que se estampa em muitos lares de sutis alamedas.

Vaivém diário o leva de ida e de volta aos estudos,
Contudo sua perene alegria enche o espaço de luz,
Pois é um garoto lírico pleno do bálsamo que seduz
Todos os olhares que observam o bailado de veludo.

Trágico deserto é o dia em que se percebe a ausência
Do tesouro que conquista pé ante pé gentes diversas…
O final de semana é de uma angústia intensa e imersa
No silêncio que atrofia a calma sem a jurisprudência.

Ah! Quando chegam as férias, inconcebível o horror
Que se instala nos íntimos que são seguranças da rua,
Ninguém fala ou espirra, tosse alguma tece ou atenua
A tristeza do ícone que locupletou o ambiente de amor.

Retorno às aulas… Lá vem ele e de volta os sorrisos…
É um ídolo natural que se impôs devido à sua fofura,
Lindo como nenhum outro que por ali transita e cura
Qualquer enfermidade que tencione despejar seu siso.

Certa manhã tudo ocorreu diferente… Ouviu-se a voz.
Grande foi o espanto que adentrou nos âmagos e se fez
Do alarido que ziguezagueou no ar um devaneio talvez
De ter entre os moradores o ser dono de todos os sóis…

De fato aconteceu… A formosura trouxe o que é talento
Para residir dentre admiradores que eram total tietagem.
Em todas as casas houve de se transformar a paisagem,
Porque a pura beleza tornou-se monarca, embevecimento.

O tempo consignou essa história… Todos viviam em paz,
Acabaram com o orgulho e o egoísmo, tudo reino do bem.
Ele era o motivo da aliança e tudo era de todos e ninguém
Era mais que outro… Tudo se compartilhava, eram iguais.

Aquela beleza me fascinava… Algo estranho era aquela tez.
Alguns anos mais tarde. O menino tornou-se um belo rapaz
E, num dia de festa em plena praça, diante de todos os sais,
Despiu-se. Mostrou o lindo corpo, abriu as asas e se desfez!




De Ivan de Oliveira Melo

domingo, 4 de setembro de 2016

APARÊNCIAS

Dizem que a roupa identifica o monge.
Não sei… Há indecentes bem vestidos
E a ótica que muito se engana de longe
Ignora indivíduos meio constrangidos
Que de perto são lavrados de mendigos,
Porém são criaturas que têm bom senso
Diante de um social que inverte intenso
Os valores e se põe em constante perigo.

Já não há quem adote extrema confiança
Nas personalidades que circulam nas ruas,
A vida é uma história de muita esperança,
Hipocrisia é uma farsa que não anda nua,
Logo é preciso o cuidado que não se cultua
E o que o alerta não meça raios e distância
Perante o incerto que ronda pelas esquinas
Das gengivas que mordem a isca das ogivas.

O vestir bem articula o que se parece polido
Entretanto que a razão se pontifique de zelo,
Pois nem sempre o mau vestido é o bandido
E não merece ser chacota e viver o desprezo
Que aparências imputam como menosprezo
Às pessoas de um caráter idôneo assumido
E levadas ao cadafalso da injúria e discórdia
Quando na verdade é quem traz misericórdia.

A excelsa virtude consiste em ser ressabiado,
Não se dê vanglória a rituais de pura fantasia,
Colarinhos brancos são seres muito enfeitados,
São os piores vermes que afrontam o dia a dia!



DE Ivan de Oliveira Melo


Composição poética inspirada na BALADA.
A BALADA surgiu na Idade Média como canto,
mas logo se tornou forma de composição recitada.
Foi a partir do século XIV que ganhou os moldes
que se assemelham às BALADAS atuais, sempre
estruturadas em três oitavas e um quarteto. De
tema normalmente romântico, dei a esta um con-
teúdo social intérprete da modernidade.






SONHO DE AMOR

Deixaste espinhos em meu rosto.
Sinto-me na dor que me dilacera
A pensar, talvez, numa primavera…

Teu viço me enlouquece o espírito,
É minha alma ébria que quer amar
E derramar em ti doses dum idílio
A fim de que penses que seja o mar
A cantar-te a sonata do bem querer
E a esperar-te diante de tua janela,
A pensar, talvez, numa primavera…

Lembro teus beijos quase sinistros
A arrancar-me duma solidão salina
Que me depôs perante os abismos
E me fez ver-te tua seda de menina
A declamar-se versos de puro amor
E pedir-me que fosse eu tua quimera
A pensar, talvez, numa primavera…

Adormeço sobre a saudade do litígio,
Pois meu amor não é mentira, é fogo
Que faz brasa em teu corpo e é abrigo
Da chama que clama volúpia do louco
Que vive a sonhar no degrau e contigo
Quer subir às estrelas da tua passarela
E pensar, pensar, numa linda primavera!



DE Ivan de Oliveira Melo


ATREVIDA

Saliente, escrevo meus versos
Que confeccionam minha vida;
Dureza é minha sanha atrevida.

Às mãos seguram fina caneta,
Entre os dedos segue a faceta
De construir um texto escarlate
Que deixe um embrião de ideia
Neste vício de engenho e arte
E que faz de mim uma plateia.
Dureza é minha sanha atrevida.

Palavras desenhadas como ouro
Tornam o papel grande segredo
Que revelam os tantos desejos
Residentes em obscuro tesouro.
Rabiscos levo-os então para o lixo
Para que se renovem frios e fixos.
Dureza é minha sanha atrevida.



DE Ivan de Oliveira Melo


ESTE É UMA COMPOSIÇÃO POÉTICA
QUE BUSCA APROXIMAR-SE DO VILANCETE.

VILANCETE – Composição poética do mundo antigo.





sábado, 3 de setembro de 2016

TITANIQUE

Se o mar falasse talvez me contasse
Esse medonho segredo do titanique,
Saber o porquê de ter vindo a pique
Engenhosa embarcação de mil faces…

Dizem que foi um grande aicebergue
Que se chocou e afundou esse navio…
Acredita-se que ainda muito se omitiu
Desse transatlântico que era albergue.

Ceifaram-se vidas diante do naufrágio
E hoje se sabe… Houve incompetência,
Detalhes mostram que a sobrevivência
Maior seria não existissem os arbitrários…

Décadas depois perante a profundidade
Os destroços ainda silenciaram verdades!



DE Ivan de Oliveira Melo


OS TERMOS EM INGLÊS iceberg E
titanic FORAM APORTUGUESADOS.





quinta-feira, 1 de setembro de 2016

AUTISMO

Não me deixe pensar que sou vazio.
Meu mundo é restrito e tenho limite,
Meu olhar é o que melhor me existe
E não quero e não posso estar vadio.

Tenho um pensamento meio singular,
Meu vocabulário é exíguo, sem porte,
Sei que necessito de ser bastante forte
A fim de que na vida eu possa labutar.

De uma compreensão quase analfabeta
Eis-me a não digerir o que não conheço
E a desentender sarcasmos e vigaristas…

Sou naturalmente honesto, sou o autista,
Ruídos e timbres altos soam como alerta
E minha personalidade não tem endereço!



DE Ivan de Oliveira Melo