Conto
Ivan Melo
Fora um dia exaustivo de trabalho. Cheguei em casa, tomei banho, troquei de roupa e fui à cozinha preparar algo para comer. Puxa! Estava mesmo faminto. Depois liguei a Tv para ver o jornal, mas logo desliguei: só havia notícias sobre violência e eu já estava farto de noticiários dessa natureza. Busquei uma revista e folheei algumas páginas. Algumas reportagens interessantes chamaram minha atenção, especialmente sobre literatura... Ah, como eu gosto de poesia, contos, crônicas. Dedico muitas horas a esse lazer. De repente me dei conta que era tarde, quase meia noite e, no dia seguinte, havia trabalho logo cedo. Tratei de deitar-me e dormir... Mas quem disse que eu conseguia? Remexia pra lá, remexia pra cá e nada... Terrível insônia me acometia! Levantei-me, acho que andei muitos quilômetros por dentro de casa, pra lá e pra cá e... nada! Nada de o sono chegar. Então resolvi ligar o computador para passar as horas , fui visitar o FACEBOOK. Logo que entrei, vi um STATUS que mexeu comigo, profundamente. Algum dos meus adicionados certamente partilhara aquela mensagem, que assim dizia: “Sou jovem, tenho 14 anos, perdi minha mãe ainda novo, aos 8. Ficamos apenas eu e meu pai. Dois anos depois de haver enterrado minha genitora, assassinaram meu pai na porta de casa, num assalto. Não tendo para onde ir, fui morar com meu avô, parte de pai, pois os outros meus avós já eram falecidos. Vivi até há pouco com meu vô, porém há poucos dias ele faleceu, vitimado por um infarto. E agora que vai ser de mim? Estou desesperado, não tenho para onde ir, nem como me sustentar. Tenho alguns amigos ( mui amigos ) que me prometem uma vida feliz se eu “entrar” na deles, todavia não quero, são todos viciados em drogas, não é isso que quero para mim. Meu nome é Roger. Se você que está lendo esta mensagem tiver um coração doce e quiser um adolescente desobediente, que não gosta de estudar, malcriado, impertinente, mas educado e carinhoso, aceite-me em seu
lar, adote-me e tudo farei para corresponder a essa caridade. Ainda tenho celular, meu número é... ligue-me, Deus o (a )abençoará, não me deixe abandonado pelas ruas.”
Ao finalizar a leitura da referida mensagem, meus olhos estavam úmidos... Como a vida é tão boa para alguns e tão negativa para outros. Meu coração batia descompassado, é que eu estava visivelmente emocionado. Resultado: passei a noite em claro, não consegui “pregar” os olhos. Pela manhã, logo após o banho e o café, sentei-me no sofá e tomei do celular às mãos, estava decidido a ligar para o jovem, sondar a possibilidade de adotá-lo, entretanto, ao mesmo tempo, faltava-me coragem. Os dedos tremiam ao olhar aquele número... queria e não queria ( to be or not to be), eu pensava. Bem, se assim agisse, teria sim condições de ajudá-lo, tinha um emprego público, ganhava razoavelmente bem, morava só ( eu e Deus )... Por que não atender à súplica daquela criança? A indecisão insistia... até que respirei fundo e liguei. Chamou uma, duas, três... finalmente atenderam do outro lado da linha.
- Sim? - disseram do outro lado.
- Bom dia! Eu gostaria de falar com Roger. Falei.
- Bom dia! É Roger quem fala. Quem é você?
- Meu nome é Antônio, mas pode chamar-me Toinho.
- Sim, Sr.Toinho, pois não!
- Li sua mensagem no FACEBOOK e gostaria de conhecê-lo.
- O senhor vai me adotar? - Perguntou-me com a voz cheia de esperança.
- Não sei, preciso conhecê-lo, vê-lo, depois tomar uma decisão. Onde você está?
- Eu estou em casa de um amigo da escola, temporariamente. - E , percebi, muito feliz passou-me o endereço.
- Em que horário posso vê-lo, Roger?
- Qualquer hora que o senhor queira. Não vou sair daqui. Nem tenho cabeça para ir à escola.
- Muito bem! Daqui a uns trinta minutos estarei aí com você. Aguarde-me.
- Está certo. Só uma pergunta: posso saber sua idade?
- 35 anos bem vividos. Até já. - E desliguei o telefone.
Corri para o carro e fui ao encontro do garoto no endereço fornecido. Até que nem ficava distante do meu apartamento. Exatamente em meia hora eu estacionava o carro em frente a uma casa simples, no entanto, bem cuidada, pintadinha, com um delicioso jardim. Bati. Uma moça veio atender-me, creio tratar-se de uma serviçal.
- Pois não!
- Eu gostaria de falar com Roger. Ele está?
- Sim. Entre. É o Sr. Antônio, o que ligou para ele há poucos minutos?
- Eu mesmo.
- Por favor, espere-o aqui. Sente-se, fique à vontade, Roger está terminando de tomar café.
- Obrigado.
Sentei-me na cadeira indicada. Percebi que era uma residência simples, tipo classe média, porém arrumadinha, limpa, aconchegante. Minhas pernas tremiam; meus dedos, idem. De certa forma, eu estava nervoso. Não demorou muito e um garoto muito bonito se pôs à minha frente. Devia ter, acredito, mais ou menos um metro e setenta, magro, cabelos aloirados, finos, bem penteados, olhos cor de mel e uma pele alva, mas isso era o que menos importava. Simpatizei imediatamente com ele que, sorrindo, veio em minha direção.
- Oi. Sou Roger. - E esticou uma mão fina a qual apertei resoluto.
- Olá. Sou Toinho. E ambos sorrimos como se há anos nos conhecêssemos.
Roger contou-me toda a sua história, sem nada deixar escapar. Notei que era inteligente, extrovertido e sabia falar muito bem. Depois foi minha vez de fazer-me conhecer. Ele estava radiante.
- Será que terei a sorte de tê-lo como meu pai? - Indagou-me ansioso.
- Olha, Roger, não sei, vamos ver. Após haver me conhecido, é este seu desejo?
- Ora, Sr. Toinho, nem tenho mais dúvidas. Se depender de mim, vou com o senhor agora mesmo.
- Não pode ser assim. Há uma enorme burocracia. Terei de contratar um advogado para resolver isto para nós.
- E isso leva tempo? - Mais uma vez perguntou-me.
- Mais ou menos, depende da competência do advogado a quem vou entregar o caso, porém conheço um que é meu amigo de infância. Tenho certeza de que ele logo nos dará uma solução.
- Puxa! Assim espero. E o senhor gostou de mim?
- Sem comentários.
E logo saí e fui trabalhar, mas prometendo visitá-lo sempre, até termos uma decisão da Justiça. Entreguei o caso a Roberto, advogado amigo meu que, realmente, não demorou muito tempo, pois, além de competente, tinha muito bons relacionamentos na área jurídica com juízes, promotores.... e isso foi fundamental. Em menos de três meses, Roger de Carvalho era adotado por mim. Foi uma grande alegria, de ambas as partes. Conseguimos nos tornarmos grandes amigos. Roger era uma criança adorável. Fiz com que aprendesse a gostar de estudar, era-me muito obediente e a impertinência que dissera possuir, jamais a vi. Eu saía para o trabalho pela manhã e o deixava na escola. Almoçávamos juntos todos os dias e, à tarde, eu o deixava em casa, onde ele estudava, tomava banho e esperava ansiosamente pela minha chegada do trabalho. Assim conseguimos conviver num ambiente sadio, de bastante camaradagem. Dei-lhe um banho de loja, comprei-lhe “notebook” e todas as coisas que as crianças de sua idade adoravam. Nada lhe faltava.
Passeávamos bastante aos finais de semana. Íamos à praia, a “shoppings”, cinemas, teatros, campos de futebol ( Roger adorava futebol ). E, assim, o tempo passou.
Dois fazia que Roger estava a morar comigo. Estava, portanto, com 16 anos. Certa manhã acordou-se reclamando de forte dor de cabeça. Dei-lhe um comprimido, deixei-o na escola e fui trabalhar. Estava concentrado em meus afazeres no banco, quando o telefone toca. Atendi. Era a diretora da escola em que Roger estudava.
- Senhor Antônio, venha pegar seu filho. Roger reclama de forte dor de cabeça e está vomitando bastante. Saí apressadamente do banco e me encaminhei à escola. Coloquei Roger dentro do carro e o levei para um atendimento de urgência em hospital particular. Roger ficou internado para exames. Estava com todos os sintomas de meningite. Não arredei o pé do hospital até a certificação no resultado dos exames. As suspeitas se
confirmaram. Era meningite do caso mais raro e perigoso. Roger ficou no isolamento. Foi à custa de muita insistência que consegui permissão do médico para vê-lo, por apenas cinco minutos. Ele estava quase inconsciente, mas conseguiu reconhecer-me.
- Perdão, Toinho, meu pai... Não quisera dar-lhe este desgosto, porém sei que estou morrendo... Eu sinto isso...
- Não diga isso, Roger. Você vai ficar bom e voltar para casa. - Falei, não obstante meus olhos estarem cheios d’água.
- Obrigado por tudo o que fez por mim... Deus o recompensará. Eu te amo!
- Não, Roger. Você vai voltar para casa... Eu também te amo!
Percebendo a cena de profunda comoção, médicos e enfermeiras me retiraram dali. Deixaram-me no corredor do hospital, onde, desesperadamente, chorei. Senti que estava a perder a “jóia” que Deus me dera... E de fato foi o que sucedeu: no dia seguinte Roger entregava a alma ao Altíssimo.
Só Deus mesmo para me consolar. Fui obrigado a tirar férias e licença do banco para me tratar, porque adoeci seriamente com a perda de Roger. Levei meses para entender o que se passara e recuperar a saúde, todavia não conseguia me esquecer daquela criança que mudara minha vida e, que, de certa forma, ensinara-me a viver.
Dois meses depois, exatamente com 60 dias, retornei ao serviço. Magro, abatido e ainda merecendo cuidados médicos. Compreendi que a vida seguia adiante, era necessário me conformar.
Cheguei em casa cansado do trabalho e me dirigi ao computador. Eu precisava encontrar ON no FACEBOOK um colega de trabalho para resolvermos uma pendência e tomarmos uma resolução importante. Meus olhos foram desviados para uma mensagem compartilhada por um amigo: “Meu nome é César, tenho 15 anos e vivo só, procuro alguém que me adote...”
FIM
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